Hospital Juliano Moreira: por que Belém o perdeu

Até seu falecimento, em 2013, Almir Gabriel permaneceu responsabilizado pela perda, em 1984, do conjunto arquitetônico Juliano Moreira, o hospital psiquiátrico construído e preservado por ilustres engenheiros da Belle Époque do Pará.

Em 1984, Almir era prefeito biônico de Belém, nomeado pelo então governador Jáder Barbalho.

Exatamente Almir Gabriel, o médico que iria exercer, a partir de 1995, dois mandatos consecutivos de governador do Pará.

E empregaria enormes somas do orçamento do Estado com a recuperação de algumas edificações históricas.

Sempre alegando que elas eram indispensáveis à autoestima dos paraenses.

O próprio biógrafo de Almir Gabriel, Alfredo Oliveira, também médico, e, pesquisador respeitável, reconheceu: muitas pessoas acreditam que o ex-prefeito biônico e ex-governador foi o responsável pelo desaparecimento do Juliano Moreira.

Alfredo se lembrava das alegações que, em 1984, as autoridades do Estado, entre elas Almir Gabriel, apresentaram.

O hospital, elas disseram, devia ser demolido porque sua estrutura física fora comprometida pelas duas catástrofes seguidas, que o atingiram, dois anos antes.

O desabamento de parte de sua capela e o incêndio num de seus pavilhões, em 1982.

Sobre o incêndio há este depoimento no livro “Medicina de Outrora no Pará”, do médico Clóvis Meira, publicado em 1986, dado pelo próprio autor da obra:

“Não queria acreditar no que meus olhos viram. Ruínas, só ruínas, como se uma bomba de muitos megatons tivesse caído e destruído tudo. No meio dos escombros, como um espectro a protestar pela selvageria, erguia-se, altaneiro, o portão de ferro e o portal de cantaria que o sustinha”.

 Quando o desabamento e o incêndio aconteceram o Pará estava sendo governado por Alacid Nunes, então no seu segundo mandato.

Antes, em 1966, Alacid Nunes fora alçado ao cargo de governador, sem receber nenhum voto de eleitor, pelos militares que tinham deposto o presidente eleito João Goulart, havia dois anos.

Naquele seu primeiro mandato, embora governador biônico, e, personagem atuante do regime autoritário, Alacid se revelou capaz de acatar as recomendações feitas por seu secretário de Obras, José Maria de Azevedo Barbosa

Assim, em 1968, as redes elétrica e hidráulica do Juliano Moreira foram inteiramente revisadas.

E vários outros setores internos do hospital receberam obras de manutenção, como registra Ernesto Cruz, em “As Obras Públicas do Pará”.

No entanto, em 1982, quatorze anos haviam se passado.

E Alacid, em seu segundo mandato, já não contava com um secretário como José Maria Azevedo Barbosa, um engenheiro empenhado na valorização da memória das Obras Públicas do Estado

Então, o secretário de Estado influente era o que cuidava da Saúde.

Alguém diretamente ligado à administração do Juliano Moreira.

Seu nome: Almir Gabriel.

Foi quando a falta de cuidados com a manutenção do hospital passou a mostrar a pouca importância dada a ele.

O que levou às catástrofes que atingiram a capela e o pavilhão do hospital.

Pouco tempo depois, Almir estava em outro cargo.

Comandava a prefeitura de Belém.

Porque o mandato de Alacid havia terminado e quem ia assumir o governo do Pará, em 1983, era Jader Barbalho, recém-eleito.

Num acordo estabelecido entre Alacid e Jáder, Almir Gabriel foi colocado no cargo de prefeito biônico.

A demolição do Juliano Moreira – o golpe final – aconteceu, no ano seguinte, 1984.

Na ocasião, uma outra alegação foi também apresentada pelas autoridades para a demolição do hospital psiquiátrico.

O tipo de tratamento para o qual ele fora concebido.

O qual havia se tornado antiquado e inapropriado, depois do movimento antimanicomial, que pregava a cura dos doentes mentais através do convívio social.

Ao apresentarem esta última alegação aquelas autoridades, naturalmente, ignoraram não só as experiências inovadoras introduzidas no Juliano Moreira por Dorvalino Braga, um dos seus últimos diretores.

Ignoraram também uma obviedade: a de que a superação de antigas práticas sociais não justifica a demolição de prédios históricos, onde elas ocorriam.

De outro modo, não teria sentido preservar igreja e palácios, como os de Belém.

O prejuízo que a demolição do Juliano Moreira trouxe para o Patrimônio Cultural do Pará se tornou óbvio na avaliação da fachada de sua capela feita, antes de sua destruição, pela arquiteta Cybelle Salvador Miranda, no estudo intitulado “Memória da Assistência à Saúde em Belém, Pará”.

A descrição deixou clara a presença da arquitetura erudita na capela.

Escreveu Cybelle sobre a fachada: “é visível o uso de arcos ogivais, elementos que fazem referência às catedrais góticas e volutas discretas, arrematando a torre central”.

Nela, a arquiteta notou também a repetição de traços neogóticos e o emprego de ornamentos clássicos, como pilastras coríntias e arco pleno.

Cybelle concluiu: “tal composição é tipicamente eclética, e, busca revelar, através do repertório estilístico, as funções de Hospital e Templo Religioso”.

A perda definitiva do Juliano Moreira provocou uma última manifestação do ex-diretor Dorvalino Braga, em 2011, quando ele já estava com a saúde fragilizada.

Dorvalino faleceria em 2020.

O médico se mostrava ainda indignado, convencido de que Jader aceitou a demolição do hospital por indução de Almir Gabriel.

Dorvalino não era um médico qualquer.

Na verdade, ele foi considerado por Alfredo Oliveira como o profissional que iniciou uma nova fase da Psiquiatria, no Pará.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

Hospital Juliano Moreira: Why Belém Lost a Historic Treasure

In a saga of neglect and controversial decisions, the city of Belém mourned the loss of the Juliano Moreira Psychiatric Hospital, a Belle Époque architectural gem, demolished in 1984. Until his death in 2013, Almir Gabriel, a prominent figure in Pará’s political history, bore the weight of blame for this cultural tragedy.

As Belém’s appointed mayor in 1984 under Governor Jader Barbalho, Gabriel, a physician who later served two consecutive terms as Pará’s governor (1995–2002), became synonymous with the hospital’s destruction—a stain on his legacy despite his later investments in restoring other historic buildings to boost Paraense pride.

The hospital, crafted by esteemed engineers of Pará’s golden era, succumbed to a narrative of decay and obsolescence. Authorities, including Gabriel, justified its demolition by citing two catastrophic events in 1982: the collapse of part of its chapel and a devastating fire in one of its pavilions.

These incidents, they claimed, compromised the building’s structural integrity. Clóvis Meira, in his 1986 book Medicina de Outrora no Pará, vividly described the fire’s aftermath: “I couldn’t believe my eyes. Ruins, only ruins, as if a megaton bomb had obliterated everything. Amid the debris, like a specter protesting the savagery, stood the iron gate and its stone portal, defiant.”

At the time of these disasters, Pará was governed by Alacid Nunes, serving his second term. Nunes, a military-appointed governor since 1966 after the ousting of President João Goulart, had previously shown commitment to preserving public works. In 1968, under the guidance of his Secretary of Public Works, José Maria de Azevedo Barbosa, the hospital’s electrical and plumbing systems were thoroughly renovated, and maintenance work was carried out, as documented by Ernesto Cruz in As Obras Públicas do Pará.

But by 1982, Nunes lacked a preservation-minded secretary. Instead, the influential figure was the Health Secretary—Almir Gabriel, directly tied to the hospital’s administration.

Under Gabriel’s watch, maintenance neglect set the stage for the 1982 tragedies. By 1983, with Nunes’ term ending and Jader Barbalho elected governor, Gabriel was appointed Belém’s mayor through a political deal.

The final blow came in 1984, when the hospital was razed. Beyond structural concerns, authorities argued that the hospital’s original treatment model was outdated, rendered obsolete by the anti-asylum movement advocating for social integration of mental health patients.

This reasoning conveniently ignored innovative practices introduced by Dorvalino Braga, one of the hospital’s last directors, and the obvious truth: outdated practices don’t justify demolishing historic buildings. If they did, Belém’s churches and palaces would also be at risk.

The demolition’s cultural toll was undeniable. Architect Cybelle Salvador Miranda, in her study Memória da Assistência à Saúde em Belém, Pará, described the chapel’s facade as a masterpiece of eclectic architecture, blending Gothic-inspired ogival arches, discreet volutes, neo-Gothic traces, and classical ornaments like Corinthian pilasters. Its design, she noted, eloquently reflected its dual role as a hospital and a religious temple.

The loss of such a structure was a blow to Pará’s heritage.

Dorvalino Braga, a pioneering psychiatrist who revolutionized mental health care in Pará, was among the last to protest. In 2011, frail but indignant, he accused Gabriel of persuading Barbalho to greenlight the demolition. Braga, who passed away in 2020, remained convinced of Gabriel’s culpability.

Even Gabriel’s biographer, Alfredo Oliveira, a respected physician and researcher, acknowledged the widespread belief that Gabriel was responsible.

The story of Juliano Moreira’s demise is a cautionary tale of political expediency and neglect, where a historic treasure was sacrificed under the guise of progress. Belém’s loss resonates as a reminder of the fragility of cultural heritage in the face of indifference.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

(Illustration: Part of the psychiatric hospital’s facade)

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