Europa e EUA definem regras por meio de leis específicas, governo Lula tenta caminho alternativo através do STF
Brasília – Em mais uma tentativa de impor controle governamental num campo no qual é “freguês” da oposição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sob influência direta da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, utilizou um órgão de governo como aposta para vencer a “guerra de narrativas” nas redes sociais via “tapetão”.
Na segunda-feira (26), Jorge Messias, Advogado-Geral da União, ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de liminar, ou seja, com efeitos imediatos, sob a justificativa de combate de suposto conteúdo considerado nocivo, que circula nas redes sociais, num disfarçado movimento de censura, do que pode ou não ser debatido e publicado na Internet e plataformas de mensagens.

“É o pior momento para tamanha ousadia”, disse um deputado federal à reportagem, cujo nome não quer publicidade porque é um dos autores de medidas legislativas e judiciais que possam confrontar a ofensiva ao direito de expressão do cidadão brasileiro, em preceito constitucional assegurado na Carta Magna de 1988.O segundo argumento utilizado pelo deputado expõe o julgamento, já em curso no STF, recentemente suspenso, que pode declarar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), um dispositivo central para a regulação da responsabilidade de plataformas digitais no Brasil.
De acordo com a fonte ouvida pela reportagem do Ver-o-Fato em Brasília, “o governo está desesperado e só tem um objetivo prático: censurar o cidadão e acuar as big techs, num cenário que prenuncia e antecipa como será o clima eleitoral em 2026”, quando o PT busca a reeleição.
A suspensão do julgamento do Marco Civil da Internet pelo STF reflete a complexidade de regular o ambiente digital no Brasil, onde direitos fundamentais como liberdade de expressão e privacidade frequentemente entram em conflito com a necessidade de combater desinformação e conteúdos nocivos. A decisão final terá implicações não apenas jurídicas, mas também sociais e políticas, moldando o futuro da internet no país. O julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro André Mendonça e não tem prazo para ser retomado.
Por outro lado, a ofensiva da AGU nesse terreno, se aproveita que o Brasil tem enfrentado desafios significativos na regulação das plataformas digitais, com um vácuo legislativo que persiste apesar de diversas tentativas de estabelecer um marco regulatório abrangente sobre o tema.
O contexto atual da ação da AGU não surge isoladamente, mas como parte de um processo histórico de tentativas de regulamentação:
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014): Primeira legislação abrangente sobre internet no Brasil, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet, incluindo a responsabilidade dos provedores de aplicações.
PL das Fake News (PL 2630/2020): Proposta legislativa que busca regular as plataformas digitais e combater a desinformação, mas que enfrenta resistência significativa e permanece sem aprovação no Congresso Nacional.
Precedentes do STF e do TSE
Se a maioria dos membros do Congresso Nacional resolveu não levar adiante um projeto que regule as plataformas digitais, a Corte Superior, em decisões anteriores e polêmicas, sinalizou a necessidade de regulação, como no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 130), que discutiu a liberdade de expressão, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.527), sobre o bloqueio do WhatsApp.
Na seara eleitoral, decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceram regras específicas para o uso das redes sociais em contextos eleitorais, visando coibir a desinformação e garantir a integridade do processo democrático. Algumas das decisões são amplamente questionáveis por operadores do direito eleitoral.
Competência regulatória questionada
Segundo a AGU, o pedido de liminar ocorre em um contexto de crescente preocupação com a disseminação de desinformação, discursos de ódio e conteúdos prejudiciais nas plataformas digitais, aliada à percepção de que a autorregulação das empresas tem sido insuficiente para proteger o interesse público.
A ação levanta questões jurídicas complexas que envolvem a ponderação entre diferentes direitos fundamentais:
Judicialização em desfavor do debate democrático: Há questionamentos sobre a legitimidade do Poder Executivo, via AGU, de buscar uma regulação por via judicial (STF) em vez de seguir o processo legislativo tradicional, o que poderia configurar uma violação ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88).
Segurança Jurídica: A utilização de medida liminar para estabelecer regras de moderação de conteúdo pode gerar insegurança jurídica, uma vez que decisões provisórias não oferecem a estabilidade necessária para um tema tão complexo.
Proporcionalidade: Qualquer intervenção regulatória deve observar o princípio da proporcionalidade, garantindo que as medidas adotadas sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito para atingir os objetivos pretendidos.
Devido Processo Legal: A implementação de obrigações às plataformas sem um processo legislativo amplo e participativo pode comprometer o devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, CF/88).
Responsabilidade das Plataformas: A ação da AGU busca estabelecer parâmetros mais claros sobre a responsabilidade das plataformas por conteúdos de terceiros, potencialmente alterando o regime de responsabilidade estabelecido pelo Marco Civil da Internet.
Posicionamentos
Diante da complexidade do tema, o governo federal diz que defende a medida da AGU como necessária para proteger a democracia e combater a desinformação, argumentando que a autorregulação das plataformas tem sido insuficiente.
Empresas como Meta (Facebook), Google e X (antigo Twitter) têm se posicionado contra regulações mais rígidas, argumentando que elas podem comprometer a inovação e a liberdade de expressão. Historicamente, preferem modelos de autorregulação.
Entidades como o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e a Coalizão Direitos na Rede expressam preocupações com o método escolhido (via judicial) e possíveis impactos sobre direitos fundamentais.
Outras organizações, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), apoiam maior regulação, mas defendem que ela deve ocorrer via processo legislativo.
Juristas divergem sobre a constitucionalidade e eficácia da medida. Alguns argumentam que o STF não deveria substituir o legislador, enquanto outros defendem que, diante da inércia legislativa, o Judiciário pode atuar para proteger direitos fundamentais.
Congressistas de diferentes espectros políticos criticam a iniciativa por potencialmente usurpar a competência legislativa do Congresso, onde o debate sobre o PL das Fake News continua em andamento.
O contexto produziu um caldo que alimenta a desenfreada polarização política no país. O problema tem alcance mundial.
Panorama internacional
Enquanto no Brasil o impasse persiste, outros países já adotaram abordagens regulatórias sobre o tema:
União Europeia: O Digital Services Act (DSA) estabelece um marco regulatório abrangente para plataformas digitais, com obrigações de transparência, due diligence (diligência devida, na tradução para o português) responsabilidade, seguindo um processo legislativo democrático e participativo.
Alemanha: No país que detém a maior economia do Bloco Europeu, a Alemanha criou a NetzDG (Lei de Aplicação da Rede) que impõe prazos rígidos para remoção de conteúdos ilegais, com multas significativas por descumprimento, mas tem sido criticada por incentivar a remoção excessiva de conteúdos.
Estados Unidos: No país que originou as empresas pioneiras que hoje controlam a maior fatia nas redes sociais no ambiente digital, a regulação mantém uma abordagem mais liberal com a Seção 230 do Communications Decency Act, que protege as plataformas da responsabilidade por conteúdos de terceiros, embora haja crescente pressão para reforma.
Índia: No país mais populosos do Mundo, a Índia implementou regras que exigem que plataformas removam rapidamente conteúdos considerados ilegais e cooperem com autoridades governamentais, gerando preocupações sobre censura.
A abordagem brasileira via AGU e STF difere significativamente desses exemplos por buscar estabelecer regulação por via judicial em vez de legislativa, o que é incomum no direito comparado para questões estruturais como esta.
Perspectivas futuras e possíveis desdobramentos
O futuro da regulação das redes sociais no Brasil dependerá de diversos fatores. O posicionamento do Supremo sobre a liminar solicitada pela AGU será determinante para o curto prazo. Se concedida, estabelecerá um precedente significativo sobre a regulação judicial das plataformas.
O Congresso Nacional poderá acelerar a tramitação do PL das Fake News ou propor nova legislação em resposta à iniciativa da AGU, reafirmando sua competência legislativa.
É saudável que as empresas de tecnologia ajustem suas políticas de moderação e transparência em resposta às novas exigências, o que não as impedirá , inclusive, de contestar judicialmente aspectos específicos da regulação.
A regulação pode afetar o desenvolvimento do ecossistema digital brasileiro, influenciando investimentos e inovação no setor.
As decisões judiciais decorrentes da implementação das novas regras formarão um corpo jurisprudencial que orientará a interpretação e aplicação da regulação.
O Brasil poderá buscar alinhamento com iniciativas internacionais, como o DSA europeu, para estabelecer padrões globais de regulação.
Momento crítico
A iniciativa da AGU gera grande controvérsia, porque reincide num desvio de função. Não é prerrogativa do órgão, por exemplo, defender a primeira-dama Janja, como vem ocorrendo.
O motivo é simplório: a mulher do presidente da República não é do quadro do Executivo Federal. Tem que contratar um advogado por conta própria para se defender do que seja.

A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados aprovou um Requerimento de Informação direcionado ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre as declarações feitas pela primeira-dama Janja da Silva, posteriormente endossadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defenderiam a adoção de censura às redes sociais no Brasil. O pedido foi apresentado pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE).
No requerimento, o parlamentar indaga sobre os seguintes assuntos:
• se existem estudos internos sobre regulação específica para plataformas de mídias sociais como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e Google;
• se as falas da primeira-dama e do presidente Lula refletem uma diretriz oficial do governo para conteúdos de direita nas plataformas digitais; e
• quais medidas o governo considera compatíveis com a liberdade de expressão em eventuais regulações de conteúdo, e se há diálogo ou acordos em curso com o TikTok visando implementar política de moderação de conteúdo direcionadas por critérios ideológicos.
Buscar a regulação das redes sociais via liminar no STF representa um momento crítico no debate sobre a governança digital no Brasil. Embora existam preocupações legítimas sobre a disseminação de conteúdos prejudiciais nas plataformas, o método escolhido levanta questões importantes sobre separação de poderes, devido processo legislativo e proporcionalidade.
Uma regulação efetiva e legítima das plataformas digitais requer um equilíbrio delicado entre proteção contra danos e preservação da liberdade de expressão, privacidade e inovação. Idealmente, tal regulação deveria emergir de um processo legislativo amplo e participativo, com contribuições de todos os setores afetados.
O desafio para o Brasil é desenvolver um marco regulatório que seja ao mesmo tempo eficaz na proteção do interesse público e respeitoso dos direitos fundamentais, evitando tanto a subrregulação quanto a sobrerregulação das plataformas digitais.
* Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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