EUA criticam decisões de Moraes que levaram ao bloqueio do Rumble no Brasil

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos enviou uma carta ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, questionando ordens judiciais que resultaram na suspensão de plataformas digitais americanas no Brasil, como o Rumble. Segundo informações da CNN Brasil, baseadas em uma reportagem do jornal The New York Times, que teve acesso ao documento, o governo americano criticou as decisões de Moraes, argumentando que ele não possui autoridade para impor o cumprimento de ordens judiciais a empresas sediadas nos EUA, mesmo que estas devam respeitar as leis brasileiras no ambiente digital.

O foco da crítica foi a suspensão da plataforma Rumble no Brasil, determinada por Moraes em 21 de fevereiro de 2025, devido ao descumprimento de ordens judiciais, como a remoção do perfil do jornalista Allan dos Santos, o bloqueio de repasses financeiros a ele e a nomeação de um representante legal da empresa no país. A plataforma chegou a ser reativada temporariamente em fevereiro, mas foi novamente suspensa em meio a disputas jurídicas.

O Rumble alegou não possuir representantes com autoridade legal no Brasil e recorreu à Justiça americana, que decidiu que a empresa não é obrigada a cumprir as ordens do ministro brasileiro.

A carta do Departamento de Justiça foi enviada em um contexto de crescentes críticas do governo de Donald Trump à atuação de Moraes. Além disso, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou em audiência no Congresso americano que sanções contra o ministro estão sendo avaliadas, com “grande possibilidade” de implementação. Parlamentares e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro também aguardam a possível aplicação da Lei Magnitsky, que prevê punições como suspensão de vistos e bloqueio de bens em território americano para indivíduos associados a violações de direitos humanos ou corrupção.

O CEO do Rumble, Chris Pavlovski, aproveitou o momento para questionar, em uma publicação na rede social X em 28 de maio de 2025, se não seria hora de a plataforma voltar a operar no Brasil, em referência às tensões judiciais. Na decisão de bloqueio, Moraes justificou que o Rumble cometeu “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais” e tentou “não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros”.

A CARTA TRADUZIDA DO DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS EUA A MORAES

Departamento de Justiça dos Estados Unidos
Divisão Civil
Escritório de Assistência Judicial Internacional
Autoridade Central dos EUA

Exmo. Ministro Alexandre de Moraes
Supremo Tribunal Federal
Praça dos Três Poderes, Anexo II A
5º andar, sala 521
70175-900 Brasília-DF
Brasil
+55 61 3217-4200

Assunto: Petição 9.935 Distrito Federal

Prezado Ministro de Moraes:

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos faz referência ao procedimento acima mencionado e apresenta seus cumprimentos ao Supremo Tribunal Federal do Brasil (“Tribunal”). No âmbito do Departamento de Justiça, o Escritório de Assistência Judicial Internacional (“OIJA”) atua como Autoridade Central nos termos da Convenção de Haia sobre a Citação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção de Haia sobre Citação”) e da Convenção de Haia sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção de Haia sobre Provas”), e o Escritório de Assuntos Internacionais (“OIA”) atua como Autoridade Central dos Estados Unidos sob os Tratados de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal (“MLATs”), incluindo o Tratado entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República Federativa do Brasil sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal (“MLAT Brasil-EUA”) e convenções multilaterais que incluem disposições de assistência jurídica mútua das quais Brasil e Estados Unidos são signatários.

Fomos informados pela Boies Schiller Flexner LLP, advogados externos nos EUA da Rumble Inc. (“Rumble”), que seu cliente recebeu quatro documentos judiciais relacionados ao procedimento acima mencionado, caracterizados como: (1) uma ordem de 9 de fevereiro de 2025; (2) uma ordem de 10 de fevereiro de 2025; (3) um mandado de citação e ordem associada de 19 de fevereiro de 2025; e (4) uma decisão de 21 de fevereiro de 2025. Esses documentos judiciais, de acordo com as traduções fornecidas pelo advogado da Rumble, pretendem ordenar à Rumble, uma empresa constituída sob as leis de Delaware, um estado dos EUA, e com sua sede principal nos Estados Unidos, que bloqueie contas associadas a um indivíduo identificado na plataforma de mídia social da Rumble, suspenda a transferência de pagamentos a esse indivíduo e forneça ao Tribunal Brasileiro informações sobre transferências de pagamentos previamente realizadas a esse indivíduo. Essas supostas ordens à Rumble são feitas sob ameaça de sanções monetárias e outras penalidades.

Não tomamos posição sobre a executoriedade das diversas ordens e outros documentos judiciais que determinam que a Rumble atue dentro do território do Brasil, o que é uma questão de direito brasileiro. No entanto, na medida em que esses documentos ordenam que a Rumble realize ações específicas nos Estados Unidos, respeitosamente informamos que tais ordens não são ordens judiciais executáveis nos Estados Unidos.

Sob o direito internacional consuetudinário, “um estado não pode exercer jurisdição para executar no território de outro estado sem o consentimento desse outro estado.” Restatement (Fourth) Foreign Relations Law of the United States § 432 (Am. Law Inst. 2018). Veja também. Nota dos Relatores 1 (“A jurisdição de execução inclui… a realização de funções governamentais coercitivas. Exemplos incluem… citação de processos compulsórios, condução de investigações policiais ou administrativas, tomada de depoimentos e declarações de testemunhas, [e] execução de uma ordem para a produção de documentos…”); cf. Fed. Trade Comm’n v. Compagnie de Saint-Gobain-Pont-à-Mousson, 636 F.2d 1300, 1313 (D.C. Cir. 1980) (“Quando um processo compulsório é servido, no entanto, o próprio ato de citação constitui um exercício da soberania de uma nação dentro do território de outra soberania. Tal exercício constitui uma violação do direito internacional.”) (notas de rodapé omitidas).

Para executar um julgamento civil estrangeiro ou outra ordem judicial estrangeira em matéria civil nos Estados Unidos, a pessoa que busca a execução geralmente precisaria iniciar um processo judicial nos EUA para reconhecer e executar a ordem estrangeira perante um tribunal americano competente. O tribunal dos EUA então aplicaria a lei aplicável e determinaria se ordenaria o alívio solicitado contra uma parte sobre a qual tivesse jurisdição. A lei dos EUA prevê várias bases para a não reconhecimento, que podem incluir insuficiência de devido processo legal ou incompatibilidade com a lei dos EUA que protege a liberdade de expressão. As ordens do tribunal brasileiro não são executáveis nos Estados Unidos sem processos bem-sucedidos de reconhecimento e execução nos Estados Unidos.

Além disso, também gostaríamos de expressar preocupações sobre a forma de citação de quaisquer documentos à Rumble. Não temos informações suficientes no momento para determinar o objeto ou a natureza do procedimento acima mencionado, incluindo se é uma questão civil ou penal. No entanto, na medida em que o Tribunal Brasileiro busca ordenar que a Rumble realize ações no Brasil, a citação de documentos judiciais à Rumble nos Estados Unidos deve ocorrer por meio de um canal apropriado, consistente com o direito internacional consuetudinário e quaisquer acordos aplicáveis entre Brasil e Estados Unidos. Esses canais diferem dependendo de se o caso é civil ou penal. Observamos que seguir os procedimentos adequados para a citação de documentos judiciais não determina, por si só, se tais documentos têm efeito no país de origem, o que é uma questão de direito interno estrangeiro. Novamente, não tomamos posição sobre a eficácia das ordens do Tribunal no Brasil como uma questão de direito brasileiro.

Para documentos judiciais relacionados a assuntos civis e comerciais, a citação deve ser efetuada de acordo com a Convenção de Haia sobre Citação, da qual Brasil e Estados Unidos são partes. Pessoas nos Estados Unidos podem ser citadas nos termos da Convenção de Haia sobre Citação por meio do canal principal de transmissão (Artigo 5) ou por qualquer um dos canais alternativos ou derrogatórios (por exemplo, Artigos 8, 10 ou 25).

Solicitações de provas ou informações de terceiros em conexão com assuntos civis ou comerciais não devem ser direcionadas por meio da Convenção de Haia sobre Citação, mas podem ser dirigidas como uma Carta de Pedido ao OIJA nos termos da Convenção de Haia sobre Provas. Observe que, de acordo com o Artigo 12(b), o OIJA não usará medidas compulsórias para executar uma Carta de Pedido que pretenda penalizar uma testemunha não-parte nos Estados Unidos por não cumprir um pedido de prova estrangeiro.

Os Estados Unidos podem fornecer uma ampla gama de assistência em casos penais quando as informações ou provas buscadas estão localizadas nos Estados Unidos. Como Autoridade Central dos EUA responsável pela implementação dos MLATs, o OIA auxilia promotores, juízes de instrução e autoridades policiais estrangeiras a obter informações e provas localizadas nos Estados Unidos para uso em investigações criminais, julgamentos e procedimentos relacionados no país estrangeiro. A assistência inclui, mas não se limita a, citação de processos legais ou outras notificações a pessoas localizadas nos Estados Unidos. Autoridades Centrais ou Competentes legalmente designadas sob os MLATs ou acordos internacionais podem fazer pedidos aos Estados Unidos em nome de suas autoridades investigativas e judiciais. Todos os pedidos feitos nos termos dos MLATs devem ser submetidos por meio da Autoridade Central designada para fazer pedidos em nome das autoridades do país solicitante, conforme o tratado ou convenção multilateral específica invocada. O OIA não pode executar um pedido de assistência nos termos de um MLAT se o pedido não for submetido por meio da Autoridade Central do país solicitante. O Artigo 13 do MLAT Brasil-EUA prevê expressamente a citação de documentos do Estado Solicitante à parte apropriada no Estado Solicitado.

Estamos à disposição para responder a quaisquer perguntas que possam surgir.

Atenciosamente,

ADA E. BOSQUE
Diretora Interina

Cópia para:
Ministério da Justiça e Segurança Pública
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
Coordenação-Geral de Cooperação Jurídica Internacional
Esplanada dos Ministérios
Attn: Sr. Arnaldo José Alves Silveira
Coordenador-Geral de Cooperação Jurídica Internacional
Bloco T, Anexo II, 3º Andar, Sala 324
CEP 70064-900 Brasília/DF Brasil
Tel: +55 61 2025-8919
E-mail: [email protected]

Ministério da Justiça e Segurança Pública
Departamento de Cooperação Jurídica Internacional
Secretaria Nacional de Justiça
Esplanada dos Ministérios
Attn: Diretora Carolina Yumi De Souza
Bloco T, Anexo II, 3º andar, Sala 322
CEP 70716-901 Brasília/DF, Brasil

Boies Schiller Flexner LLP
Attn: Martin De Luca
55 Hudson Yards
Nova York, NY 10001
[email protected] (mailto:[email protected])

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