A aprovação, pelo Ibama, da licença para o derrocamento (explosão de rochas) no Pedral do Lourenço, trecho do rio Tocantins no Pará, reaqueceu o debate sobre os impactos ambientais e sociais de grandes obras de infraestrutura na Amazônia. A medida, autorizada no último dia 26 de maio, pretende viabilizar a navegabilidade da hidrovia Tocantins-Araguaia, mas vem sendo duramente criticada pelo Ministério Público Federal (MPF), por organizações ambientais e por comunidades locais.
A controvérsia gira em torno não apenas dos impactos socioambientais esperados, mas também da legalidade do processo de licenciamento ambiental. Segundo o MPF, a Licença de Instalação concedida é ilegal, pois não cumpre requisitos fundamentais estabelecidos na legislação ambiental brasileira e em tratados internacionais dos quais o país é signatário.
Riscos para o meio ambiente e para as populações tradicionais
O Pedral do Lourenço está localizado entre os municípios de Itupiranga e Marabá, no sudeste do Pará. Durante a seca, esse trecho se torna uma barreira natural à navegação. O projeto prevê a explosão e remoção das rochas submersas, um processo que pode alterar drasticamente o leito do rio e seu ecossistema.
Especialistas alertam para os seguintes riscos:
- Perda de biodiversidade aquática: O local abriga pelo menos 25 espécies de peixes ameaçadas de extinção, segundo estudos de impacto ambiental. A alteração do fundo do rio pode comprometer habitats essenciais para a reprodução e alimentação desses animais.
- Prejuízos à pesca artesanal: Estima-se que cerca de 12 mil pescadores dependam diretamente da pesca no trecho impactado. A explosão de rochas e a posterior dragagem podem reduzir a oferta de pescado e comprometer a subsistência dessas famílias.
- Impacto sobre comunidades tradicionais: Indígenas, quilombolas e ribeirinhos vivem nas proximidades do Pedral do Lourenço e não foram devidamente consultados, o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e com status de norma constitucional.
O que diz o Ministério Público Federal
Diante desse cenário, o MPF expediu recomendação formal para que o Ibama suspenda a Licença de Instalação (LI) concedida à obra. Segundo o órgão, a autorização fere preceitos legais e ignora condicionantes socioambientais básicas.
Entre os principais pontos levantados pelo MPF, destacam-se:
- Ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas afetadas, como previsto na Convenção 169 da OIT.
- Descumprimento de medidas condicionantes exigidas pelo próprio Ibama, como a apresentação de dados sobre o desembarque pesqueiro e a implementação de programas de compensação social.
- Violação de decisão judicial anterior, que condicionava o avanço da obra à escuta e inclusão das comunidades nos programas de monitoramento e compensação.
Entenda o que é a Licença Ambiental
A licença ambiental é um instrumento técnico e jurídico utilizado para regular atividades que possam causar impactos ao meio ambiente. Prevista na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e normatizada pela Resolução CONAMA nº 237/1997, sua principal função é assegurar que empreendimentos públicos ou privados adotem medidas de controle, mitigação ou compensação de danos ambientais antes, durante e após sua implantação.
O processo de licenciamento permite que o poder público avalie previamente a viabilidade ambiental de uma atividade, condicionando sua autorização ao cumprimento de requisitos técnicos. Trata-se de uma ferramenta essencial para garantir a compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental, sobretudo em áreas ecologicamente sensíveis, como a Amazônia.
O que é a Licença de Instalação e o papel das condicionantes
No Brasil, o licenciamento ambiental ocorre em três etapas principais:
- Licença Prévia (LP): avalia a viabilidade ambiental do projeto e determina diretrizes para sua concepção.
- Licença de Instalação (LI): autoriza o início das obras, desde que todas as exigências ambientais da fase anterior tenham sido cumpridas.
- Licença de Operação (LO): permite que o empreendimento entre em funcionamento, após verificação do cumprimento das condicionantes estabelecidas.
As condicionantes são obrigações impostas ao empreendedor, que visam mitigar, compensar ou monitorar os impactos ambientais do projeto. Elas são parte integrante da licença ambiental e têm caráter vinculante — ou seja, são obrigatórias.
Segundo o MPF, a Licença de Instalação concedida ao derrocamento do Pedral do Lourenço é ilegal porque foi emitida sem o cumprimento pleno dessas condicionantes, desrespeitando tanto a legislação ambiental quanto decisões judiciais em vigor. O não cumprimento dessas obrigações implica que a LI carece de validade jurídica e deve ser suspensa até que todos os requisitos legais sejam atendidos.
Crescimento na emissão de licenças ambientais
Nos últimos anos, houve um aumento significativo na emissão de licenças ambientais no Brasil. Entre 2023 e 2025, estima-se que mais de 1.250 licenças tenham sido concedidas por órgãos ambientais em nível federal, estadual e municipal. Esse crescimento reflete a expansão de obras de infraestrutura, mineração, energia e agronegócio, especialmente em regiões de fronteira econômica como a Amazônia Legal.
Embora o licenciamento seja uma exigência legal e técnica, o aumento no volume de autorizações tem levantado preocupações sobre a celeridade dos processos, a qualidade das análises ambientais e o cumprimento das condicionantes estabelecidas. Casos como o do Pedral do Lourenço evidenciam a importância de que esse instrumento seja aplicado com rigor e transparência.
Intervenções em ambientes ecologicamente sensíveis, como o rio Tocantins, exigem rigor técnico e o cumprimento integral das etapas legais do licenciamento, especialmente devido à alta biodiversidade aquática da região. O trecho afetado pelo derrocamento abriga espécies de peixes endêmicas e de importância ecológica e socioeconômica, muitas das quais ainda pouco estudadas. A ausência de medidas mitigadoras eficazes pode resultar em perdas irreversíveis para esse ecossistema único, afetando cadeias alimentares, rotas migratórias e a subsistência de comunidades pesqueiras tradicionais. Diante disso, o caso demanda uma análise técnica criteriosa e ações corretivas que garantam a legalidade do processo e a preservação da diversidade biológica local, conforme determina a legislação ambiental vigente.
Referências
- Ministério Público Federal (MPF) – MPF recomenda que Ibama suspenda licença para obra no Pedral do Lourenço.
Disponível em: https://www.oliberal.com/economia/derrocamento-do-pedral-do-lourenco-mpf-recomenda-que-ibama-suspenda-licenca-previa-para-obra-1.655382
Acesso em: maio de 2025. - Folha de S. Paulo – Ibama dá licença a obra de explosão de pedral onde atuam milhares de pescadores, e MPF diz ser ilegal.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/05/ibama-da-licenca-a-obra-de-explosao-de-pedral-onde-atuam-milhares-de-pescadores-e-mpf-diz-ser-ilegal.shtml
Acesso em: maio de 2025. - O Eco – Insistência em hidrovia no rio Tocantins coloca em risco biodiversidade local.
Disponível em: https://oeco.org.br/reportagens/insistencia-em-hidrovia-no-rio-tocantins-coloca-em-risco-biodiversidade-local/
Acesso em: maio de 2025. - O Liberal – Juiz federal garante obras no Pedral do Lourenço e manda ouvir e indenizar comunidades locais.
Disponível em: https://www.oliberal.com/brasil/juiz-federal-garante-obras-no-pedral-do-lourenco-e-manda-ouvir-e-indenizar-comunidades-locais-1.915413
Acesso em: maio de 2025. - Convenção 169 da OIT – Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes.
Disponível em: https://www.ilo.org
Acesso em: maio de 2025.
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