O mais sanguinário algoz dos índios amazônidas

Poucos anos depois da fundação de Belém, em 1616, surgiu o contexto político-econômico que, de algum modo, poderia talvez explicar, em parte pelo menos, a amplitude e intensidade da ação criminosa de Bento Maciel Parente contra as comunidades indígenas da nossa região.

Àquela altura, os colonizadores portugueses se sentiam inseguros como proprietários das novas terras conquistadas.

De um lado, ameaçados por invasores estrangeiros, havia pouco tempo, tinham expulsado tropas francesas do Maranhão.

De outro lado, estavam conscientes de que a população indígena que habitava aquelas áreas nas quais acabavam de se instalar era desproporcionalmente maior comparada com o número dos militares portugueses.

Quando alguma ameaça vinda dos índios pareceu pairar sobre os colonizadores, intimidar as tribos com assassinato cruel de seus chefes pareceu uma tática adequada ao próprio fundador de Belém.

Embora o resultado do uso deste recurso por Castelo Branco tenha sido desastroso para os portugueses, pois provocou uma revolta entre os índios.

Que levou à invasão do Forte do Castelo por eles.

E, por pouco não redundou no massacre dos soldados abrigados ali.

Dois outros episódios mostraram novamente que os índios eram perigosos apenas quando atacados pelos portugueses.

Ambos foram registrados em cartas enviadas à corte, em Lisboa, por dois religiosos que estavam em Belém.

O primeiro episódio foi relatado por frei Antônio de Merceana.

Em sua correspondência, ele informou a morte de 17 soldados portugueses num combate com os índios, ocorrido num rio.

Conquanto ele tenha pretendido, com o fornecimento da informação, justificar seu pedido ao Rei de mais arcabuzes aos soldados de Portugal, o religioso não deixou de reconhecer:

– Teve estes gentios muita coisa de se levantar (contra os portugueses) pelas contínuas moléstias que lhe faziam.

 O segundo episódio chegou ao conhecimento da metrópole portuguesa através de uma carta do padre Manuel de Figueira.

O padre contou que, ao passar pelo Maranhão, a caminho de Belém, percebeu que “grandes agravos” tinham sido feitos aos índios por um sobrinho de Jerônimo de Albuquerque, o ex- comandante das tropas portugueses.

E que foram estes agravos o que levou os índios a matarem 37 portugueses nas suas aldeias.

Mas estes relatos, aparentemente, não pesaram numa decisão do governador-geral do Brasil, Luiz de Souza.

Quando ele teve de tomar uma providência para que os portugueses pudessem enfrentar as ameaças criadas pelos índios.

Luiz de Souza resolveu, então, criar nada menos que uma nova força militar destinada unicamente ao combate dos índios.

Ele valorizou de tal modo esta nova força que subordinou-a diretamente a ele.

Isto é, dispensou-a de se submeter às duas maiores autoridades do Maranhão e do Gram-Pará.

Contudo, ao mesmo tempo, ordenou aos capitães-mores das duas capitanias que fornecessem soldados e canoas à força militar.

Foram incorporados a ela 80 homens, quer dizer, mais da metade dos componentes da expedição – formada por 150 soldados -, que havia saído de São Luís, no Maranhão, comandada por Castelo Branco, com o objetivo de fundar Belém.

Para chefiá-la, Luiz de Souza designou um amigo: Bento Maciel Parente.

E a ele, ordenou que punisse os tupinambás responsáveis pelas mortes recentes de mais de 100 portugueses.

Por que estes índios os executaram?

Afinal, como lembra Adélia Engrácia de Oliveira, num artigo sobre o despovoamento indígena da Amazônia, os tupinambás tinham não apenas recebido amistosamente a expedição Castelo Branco, como ainda haviam se tornado colaboradores ativos dele na implantação do domínio português.

De qualquer forma, Luiz de Souza orientou Bento Maciel sobre como deveria agir.

Segundo Roberto Southey, em sua obra “História do Brasil”, publicada em 1862, ele deveria inquirir os índios envolvidos nas mortes.

E ou transformar em escravos os mais implicados, ou remetê-los para Portugal, onde seriam julgados.

O modo como Bento Maciel tratou aquele caso, porém, ultrapassou muito aquelas orientações.

De início, ele obteve – quem sabe, graças às ajudas dos capitães-mores, ou a alguma desconhecida capacidade sua de convencimento de índios –  a adesão à força militar sob seu comando de nada menos que 400 flecheiros, certamente, nas tribos inimigas dos tupinambás.

Em seguida, o que Bento Maciel fez está descrito num documento daquela época, o “Relação Sumária das Cousas do Maranhão, escrito por Symão Estácio da Silveira, em 1624.

Conta Symão:

– (Bento Maciel) entrou nas províncias dos tupinambás rebelados e começando a castigá-los nas aldeias de Taputapeal, os foi seguindo, matando e destruindo, até o Gram -Pará, a mais de 100 léguas (420 quilômetros); e depois os foi seguindo, matando e prendendo a muitos deles, mais de 200 léguas (840 quilômetros) terra dentro”.

Adélia Engrácia de Oliveira diz que Bento Maciel acabou com os tupinambás que habitavam uma área compreendida entre Tapuipera, no Maranhão, e, a foz do Amazonas, num seu artigo sobre o despovoamento indígena da Amazônia.

O balanço desta carnificina foi calculado por Symão da Silveira:

– Se entende que passaram de 500 mil almas os mortos e cativos.

Houve ainda uma outra oportunidade em que o contexto político-econômico do início da colonização do Pará não explicou suficientemente a amplitude e a intensidade da ação criminosa de Bento Maciel no Gram-Pará.

Ela surgiu quando Bento Maciel encerrou sua carreira de capitão-mor do Gram-Pará, cargo com o qual ele tinha sido premiado, depois de comandar a força militar criada pelo governador-geral.

Naquele momento de despedidas, ele soube que numa das festas das aldeias indígenas, alguns chefes,depois de se embebedarem, alardearam valentia, garantindo que podiam facilmente destruir os portugueses.

Isto bastou para que Maciel condenasse à morte 24 índios.

Contou o padre João Felipe Bettendorff, na sua “Crônica dos Padres da Companhia de Jesus, no Estado do Maranhão”, escrita entre os anos de 1627 e 1698:

– Em um único dia Bento Maciel justiçou a vinte e quatro (chefes indígenas), pondo uns em bocas de peças (de canhão), fazendo-os voar pelos ares. E castigando todos os mais com suplícios de mortes”.

Quem entre os índios não morreu amarrado na boca de um canhão, morreu sob estocadas e cutiladas ferozes aplicadas por índios de tribos inimigas, convocados por Maciel.

Portanto, resultou também do caráter de Bento Maciel a sua ação criminosa na Amazônia.

Ele foi uma pessoa que o historiador Southey, no seu livro do século XIX, descreveu como:

– Um homem daninho e sanguinário.

E a quem Berta Ribeiro, em “Amazônia Urgente”, chamou de:

– O mais sanguinário algoz da população indígenas das províncias do norte.

 *Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

The Bloodiest Executioner of the Amazonian Indians

A few years after the founding of Belém in 1616, a political-economic context emerged that could, to some extent, partially explain the scale and intensity of Bento Maciel Parente’s criminal actions against the indigenous communities of our region. At that time, Portuguese colonizers felt insecure as owners of the newly conquered lands. On one hand, they were threatened by foreign invaders, having recently expelled French troops from Maranhão. On the other, they were aware that the indigenous population inhabiting the areas they had just settled was disproportionately larger compared to the number of Portuguese soldiers.

When some threat from the Indians seemed to loom over the colonizers, intimidating the tribes by cruelly murdering their leaders appeared to be an appropriate tactic, even to the founder of Belém himself. However, the outcome of this approach by Castelo Branco was disastrous for the Portuguese, as it provoked a revolt among the Indians, leading to the invasion of the Forte do Castelo by them. It nearly resulted in the massacre of the soldiers sheltered there.

Two other episodes further demonstrated that the Indians were dangerous only when attacked by the Portuguese. Both were documented in letters sent to the court in Lisbon by two religious figures in Belém. The first episode was reported by Friar Antônio de Merceana. In his correspondence, he reported the death of 17 Portuguese soldiers in a battle with the Indians on a river. Although he intended, with this information, to justify his request to the King for more arquebuses for Portugal’s soldiers, the friar did not fail to acknowledge:

  • “These heathens had much reason to rise (against the Portuguese) due to the continuous grievances inflicted upon them.”

The second episode reached the Portuguese metropolis through a letter from Father Manuel de Figueira. The priest recounted that, while passing through Maranhão on his way to Belém, he noticed that “great wrongs” had been done to the Indians by a nephew of Jerônimo de Albuquerque, the former commander of the Portuguese troops. These wrongs led the Indians to kill 37 Portuguese in their villages.

However, these reports apparently did not influence the decision of the governor-general of Brazil, Luiz de Souza, when he had to take measures to enable the Portuguese to confront the threats posed by the Indians. Luiz de Souza decided to create nothing less than a new military force dedicated solely to fighting the Indians. He valued this force so highly that he placed it directly under his command, exempting it from submitting to the two highest authorities of Maranhão and Grão-Pará. At the same time, he ordered the captains-major of both captaincies to provide soldiers and canoes to the force. It incorporated 80 men, more than half of the expedition—consisting of 150 soldiers—that had set out from São Luís, Maranhão, under Castelo Branco’s command to found Belém. To lead it, Luiz de Souza appointed a friend: Bento Maciel Parente. He ordered him to punish the Tupinambá responsible for the recent deaths of over 100 Portuguese.

Why had these Indians executed them? After all, as Adélia Engrácia de Oliveira recalls in an article on the depopulation of the Amazon’s indigenous peoples, the Tupinambá had not only warmly welcomed Castelo Branco’s expedition but had also actively collaborated with him in establishing Portuguese dominion.

Nevertheless, Luiz de Souza instructed Bento Maciel on how to proceed. According to Robert Southey in his 1862 work History of Brazil, Maciel was to investigate the Indians involved in the deaths and either enslave the most implicated or send them to Portugal for trial. However, the way Bento Maciel handled the situation far exceeded those instructions. Initially, he managed—perhaps thanks to the help of the captains-major or some unknown ability to persuade Indians—to enlist no fewer than 400 archers, likely from tribes hostile to the Tupinambá, into the military force under his command.

What Bento Maciel did next is described in a document from that time, the Relação Sumária das Cousas do Maranhão, written by Symão Estácio da Silveira in 1624. Symão recounts:

  • “[Bento Maciel] entered the provinces of the rebellious Tupinambá and began punishing them in the villages of Taputapeal, pursuing, killing, and destroying them as far as Grão-Pará, over 100 leagues (420 kilometers); and then continued pursuing, killing, and capturing many of them, more than 200 leagues (840 kilometers) inland.”

Adélia Engrácia de Oliveira states that Bento Maciel wiped out the Tupinambá inhabiting an area stretching from Tapuipera in Maranhão to the mouth of the Amazon, as noted in her article on the depopulation of the Amazon’s indigenous peoples. The toll of this slaughter was calculated by Symão da Silveira:

  • “It is estimated that over 500,000 souls were killed or captured.”

There was yet another occasion when the political-economic context of early Pará colonization did not fully explain the scale and intensity of Bento Maciel’s criminal actions in Grão-Pará. This occurred when Bento Maciel ended his tenure as captain-major of Grão-Pará, a position he had been awarded after leading the military force created by the governor-general. At that moment of farewells, he learned that during a feast in one of the indigenous villages, some chiefs, after getting drunk, boasted of their bravery, claiming they could easily destroy the Portuguese. This was enough for Maciel to condemn 24 Indians to death. Father João Felipe Bettendorff, in his Chronicle of the Jesuit Fathers in the State of Maranhão, written between 1627 and 1698, recounted:

  • “In a single day, Bento Maciel executed twenty-four [indigenous chiefs], tying some to the mouths of cannons, blowing them into the air, and punishing the rest with torturous deaths.”

Those who were not killed tied to a cannon’s mouth died under ferocious stabs and slashes inflicted by Indians from rival tribes summoned by Maciel. Thus, Bento Maciel’s criminal actions in the Amazon also stemmed from his character. He was a person whom historian Southey, in his 19th-century book, described as:

  • “A harmful and bloodthirsty man.”

And whom Berta Ribeiro, in Amazônia Urgente, called:

  • “The bloodiest executioner of the indigenous populations of the northern provinces.”
  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
  • (Illustration: Present-day Amazonian Indians)

The post O mais sanguinário algoz dos índios amazônidas appeared first on Ver-o-Fato.