O nascimento de Belém, nas suas primeiras ruas

Não foi só o Forte do Presépio que os membros da expedição, vinda de São Luís, no Maranhão, sob o comando do Capitão-Mor Francisco Caldeira Castelo Branco, construíram, quando chegaram ao terreno onde fundaram Belém, em 12 de janeiro de 1616.

Na verdade, foi um conjunto de edificações.

Composto, em primeiro lugar, pelo forte que, como toda construção rústica, veio logo necessitar de reparos.

Contudo, no conjunto, incluíam-se, em segundo lugar, umas casas igualmente rústicas, de palha, onde se recolheram Castelo Branco “com a gente de sua expedição”, como diz Manuel Barata, em “Formação Histórica do Pará”.

Essas casas eram ” palhoças e casebres”, segundo a classificação de Theodoro Braga,no opúsculo “Fundação de Belém”, publicado no Relatório de Antônio Lemos, em 1908.

E, assim, o próprio Braga as pintou, em seu famoso quadro, “A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará”, exibido ao público pela primeira vez, também em 1908.

Como eram 150 soldados a “gente” da expedição, o espaço, nestas casas, para abrigá-las, não poderia ser pequeno.

Em terceiro lugar, integrava o conjunto de edificações uma capela dedicada à Nossa Senhora da Graça.

Braga a reproduziu no quadro como uma, “pequenina igreja, de taipa, coberta de palhas ainda não ressequidas”.

A descrição é dele mesmo, em seu opúsculo.

A capela era “uma ermida humílima”, confirma Augusto Meira Filho, em “Evolução Histórica de Belém no Grão-Pará”.

Mas não só estas construções poderão ter sido erguidas, em 1616, porque, outras cinco dezenas de pessoas podem ter viajado com Castelo Branco, além dos soldados.

A presença delas,nas três naus utilizadas na viagem do Capitão-Mor, é registrada por mais de um cronista.

Roberto Southey, por exemplo, em “História do Brasil”, publicado originalmente em 1862, afirma:

– Encetou Caldeira suas jornadas com 200 homens.

Para estes outros 50 passageiros terá existido a necessidade de levantar abrigos.

Certamente, fora dos muros do forte.

Como seriam as casas que os colonos iam levantando?

 Eram construções que Nestor Reis Filho, em “Contribuição ao estudo da evolução urbana do Brasil: 1500/1720”, chama de “de emergência”.

Diz ele:

– Casas cobertas de palmas,ao modo de gentio.

Ernesto Cruz,em “As edificações de Belém”, lembra a técnica de construção, então empregada:

– O processo usado consistia no levantamento de esteios, no adubamento das paredes, com o tijuco (lama), caiação, com sernambi, extraído das conchas, e, cobertura de palha. Eram, na generalidade, casas térreas, nem todas assoalhadas.

Só quando a um povoado chegava algum mestre-de-obras, os colonos que dispunham de mão-de-obra indígena ou escrava, substituíam estas construções por outras, mais duráveis e de melhor acabamento.

Outra daquelas habitações surgiu em junho de 1617, ao lado do terreno do forte, onde se instaram quatro religiosos franciscanos, entre os quais, os freis Antônio de Merciana e Sebastião do Rosário.

Foi a partir daquele conjunto de edificações que o povoado começou a se expandir em várias direções.

Àquela altura, o povoado já tinha o seu Provedor, Manoel de Souza de Eça.

A ele competia o desempenho de diversas funções, no âmbito da administração da colônia, ligadas à economia do império português.

Entre as quais a implantação de mecanismos de arrecadação de impostos, a previsão de despesas e o controle de gastos, a fiscalização do armazenamento de armas e munições.

Naquele momento, estava aberto um primeiro caminho dentro da mata que cercava o forte.

Ele se prolongava pela margem do rio, no sentido norte – sul.

Se tornaria a primeira rua de Belém, com a denominação de Rua Norte.

Só mais tarde, adotaria seu nome atual: Rua Siqueira Mendes.

Antônio Rocha Penteado, em “Belém: estudo de Geografia Humana”, diz que este caminho tinha uns 300 metros.

E que se iniciava na proximidade do forte, findando junto à borda ocidental do terreno do povoado.

Ali, onde a rua acabava, há ainda uma das maiores ladeiras de Belém, no rumo das águas do Rio Guamá.

Lá surgiu um porto,que nunca desapareceu.

No terceiro ano de implantação do povoado, 1618, ocorreram duas alterações na área próxima do forte.

Os franciscanos saíram daquela área e foram se fixar numa aldeia a cerca de 12 quilômetros e meio distante.

Num local à margem da baía de Guajará, chamado de Una.

E, lá, ergueram um “conventinho”, e, um hospício, ambos protegidos por muralhas de pau-a-pique, como informa Bernardo Pereira de Berredo, em Annaes Históricos, de 1718.

A outra alteração aconteceu na localização da capela originalmente erguida dentro do forte, em 1616.

Ela foi transferida para a parte externa da fortificação, por razões de segurança militar.

Os militares do forte temiam ataques dos índios.

E, se sentiam inseguros com os portões do forte abertos, para dar acesso livre à capela.

Em sua nova localização, diante do forte, a capela ficou predestinada a se tornar a matriz de Belém.

Lá permanece, na sua condição de Sé, de Belém, hoje, instalada em suntuosa edificação, erguida no século seguinte.

Mas, naqueles primeiros anos da cidade era muito humilde.

Feita em taipa de pilão e coberta com palha, diz Ernesto Cruz, em ” Igrejas de Belém”.

Ainda assim, já tinha importante função no desenvolvimento da cidade.

Pois diante dela (e do forte, no outro lado) surgiria a primeira praça.

E, como lembra Nestor Reis Filho, em sua obra sobre a evolução das cidades brasileiras, uma praça como aquela recebia as pequenas populações dos primeiros aglomerados urbanos, após os ofícios religiosos realizados nas rústicas igrejinhas da época.

Era um local para reuniões religiosas, cívicas, recreativas e, ainda, para atividades de comércio, como feiras e mercados. Embora, quase sempre não fossem traçadas com regularidade,nem fossem calçadas.

A partir da praça surgiram no povoado dois novos caminhos, paralelos à Rua do Norte.

O primeiro com o nome de Rua do Espírito Santo (atual Dr. Assis).

O segundo,chamado de Rua dos Cavaleiros (hoje, Dr. Malcher), porque nele veio a se instalar a família Cavaleiro.

1618 foi também o ano no qual o número de habitantes da recém-nascida Belém se tornou substancialmente maior.

Nada menos que 300 novos moradores chegaram numa nau comandada por Simão Estácio da Silveira.

Ele, além de comandante de navio, foi autor de “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, publicada

seis anos depois, em Lisboa.

Nesta obra, Simão deu algumas informações sobre os passageiros que transportou em 1618 para Belém:

–  Alguns, com muitas filhas donzelas. Logo em chegando, casaram-se todas. E tiveram vida que cá lhes estava mui impossibilitada. E se lhes deram suas léguas de terras.

Quatro anos depois, Belém ganhou mais duas capelas, construídas pelo capitão-mor que substituiu Castelo Branco, Bento Maciel Parente.

Uma, a capela de Santo Cristo, próxima do fosso do forte, ficou de frente para a praça.

Tinha um só altar, no qual foi colocado um grande crucifixo de madeira.

A outra, a de São João, contribuiu para a expansão do povoado, já que, para chegar a ela, os fiéis tiveram de abrir outro caminho, paralelo às três primeiras vias.

E que, transformado em quarta rua de Belém, recebeu o nome de Rua de São João.

É a atual Rua Tomázia Perdigão.

Por sua vez, as quatro vias paralelas do povoado, passaram, em seguida, a ser cortadas por outros caminhos, igualmente paralelos.

Um deles transformou-se na Rua Atalaia (atual Joaquim Távora).

E, assim, surgiu num gradeado de ruas, o primeiro bairro de Belém.

O bairro Cidade, hoje, Cidade Velha.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

The Birth of Belém, in Its First Streets

It was not only the Forte do Presépio that the members of the expedition, coming from São Luís in Maranhão under the command of Captain-Major Francisco Caldeira Castelo Branco, built when they arrived at the site where they founded Belém on January 12, 1616.

In fact, it was a set of buildings. First and foremost, the fort, which, like any rustic construction, soon required repairs. However, the set also included, secondly, some equally rustic houses made of straw, where Castelo Branco “and his expedition members” stayed, as Manuel Barata states in Historical Formation of Pará. These houses were “huts and shacks,” according to Theodoro Braga’s classification in his booklet The Founding of Belém, published in Antônio Lemos’ Report in 1908.

And so, Braga depicted them in his famous painting, The Founding of the City of Our Lady of Belém do Pará, first exhibited to the public also in 1908. Since the expedition’s “people” consisted of 150 soldiers, the space in these houses to accommodate them could not have been small.

Thirdly, the set of buildings included a chapel dedicated to Our Lady of Grace. Braga portrayed it in his painting as a “small church, made of mud, covered with still-green straw.” The description is his own, from his booklet. The chapel was “a most humble hermitage,” confirms Augusto Meira Filho in Historical Evolution of Belém in Grão-Pará.

But these may not have been the only constructions built in 1616, as another fifty people may have traveled with Castelo Branco, in addition to the soldiers. Their presence on the three ships used in the Captain-Major’s journey is recorded by more than one chronicler. Robert Southey, for example, in History of Brazil, originally published in 1862, states:
“Caldeira began his journey with 200 men.”

For these additional 50 passengers, there would have been a need to build shelters, certainly outside the fort’s walls. What were the houses that the settlers began to build like? They were constructions that Nestor Reis Filho, in Contribution to the Study of Brazil’s Urban Evolution: 1500–1720, calls “emergency” buildings. He says:
“Houses covered with palm leaves, in the manner of the natives.”

Ernesto Cruz, in The Buildings of Belém, recalls the construction technique used at the time:
“The process involved raising posts, plastering the walls with tijuco (mud), whitewashing with sernambi extracted from shells, and covering with straw. Generally, they were single-story houses, not all with wooden floors.”

Only when a master builder arrived in a settlement did the settlers, who had access to indigenous or enslaved labor, replace these constructions with more durable and better-finished ones.

Another such dwelling appeared in June 1617, next to the fort’s grounds, where four Franciscan friars settled, including Friars Antônio de Merciana and Sebastião do Rosário. From that set of buildings, the settlement began to expand in various directions.

By then, the settlement already had its Provedor, Manoel de Souza de Eça. He was responsible for various administrative functions in the colony, related to the Portuguese empire’s economy, including implementing tax collection mechanisms, forecasting expenses, controlling spending, and overseeing the storage of weapons and ammunition.

At that time, a first path was opened through the forest surrounding the fort, extending along the riverbank in a north-south direction. It would become Belém’s first street, named Rua Norte, later adopting its current name, Rua Siqueira Mendes. Antônio Rocha Penteado, in Belém: A Study of Human Geography, says this path was about 300 meters long, starting near the fort and ending at the western edge of the settlement’s land. There, where the street ended, one of Belém’s steepest slopes still exists, leading toward the waters of the Guamá River. A port emerged there, which has never disappeared.

In the third year of the settlement’s establishment, 1618, two changes occurred near the fort. The Franciscans left the area and settled in a village about 12.5 kilometers away, on the banks of the Guajará Bay, called Una. There, they built a “small convent” and a hospice, both protected by palisade walls, as reported by Bernardo Pereira de Berredo in Historical Annals of 1718.

The other change involved the relocation of the chapel originally built inside the fort in 1616. It was moved outside the fortification for military security reasons, as the fort’s soldiers feared attacks from the natives and felt uneasy with the fort’s gates open to allow free access to the chapel. In its new location, in front of the fort, the chapel was destined to become Belém’s mother church. It remains there today as the Cathedral of Belém, now housed in a grand building constructed in the following century. But in those early years, it was very humble, made of rammed earth and covered with straw, as Ernesto Cruz notes in Churches of Belém.

Even so, it already played an important role in the city’s development. In front of it (and the fort on the other side), the first square emerged. As Nestor Reis Filho recalls in his work on the evolution of Brazilian cities, such a square served as a gathering place for the small populations of early urban settlements after religious services in the rustic churches of the time. It was a space for religious, civic, and recreational gatherings, as well as for commercial activities like markets and fairs, though they were often not laid out with regularity or paved.

From this square, two new paths emerged in the settlement, parallel to Rua do Norte. The first was named Rua do Espírito Santo (now Dr. Assis). The second, called Rua dos Cavaleiros (now Dr. Malcher), was so named because the Cavaleiro family settled there.

The year 1618 also saw a significant increase in Belém’s population, with no fewer than 300 new residents arriving on a ship commanded by Simão Estácio da Silveira. In addition to being a ship commander, he was the author of Summary Account of the Things of Maranhão, published six years later in Lisbon. In this work, Simão provided details about the passengers he brought to Belém in 1618:
“Some with many maiden daughters. Upon arriving, they all married and found a life that was very difficult for them before. And they were given their leagues of land.”

Four years later, Belém gained two more chapels, built by the captain-major who succeeded Castelo Branco, Bento Maciel Parente. One, the Chapel of Santo Cristo, near the fort’s moat, faced the square. It had a single altar with a large wooden crucifix. The other, the Chapel of São João, contributed to the settlement’s expansion, as reaching it required opening another path parallel to the first three streets. This became Belém’s fourth street, named Rua de São João, now Rua Tomázia Perdigão.

In turn, the settlement’s four parallel streets were soon intersected by other parallel paths. One of these became Rua Atalaia (now Joaquim Távora). Thus, a grid of streets formed, creating Belém’s first neighborhood, the Cidade district, now known as Cidade Velha.

  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
    (Illustration: The first street grid of Belém, drawn by geographer Miranda Rocha)

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