Em um julgamento que reacende o debate sobre a crise do sistema penitenciário brasileiro, Dhonlleno Nunes Amaral, apontado como um dos líderes do brutal motim no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará, foi condenado a 403 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado. A sentença, proferida nesta quarta-feira (5) pelo Tribunal do Júri no Fórum Criminal de Belém, também incluiu 2 anos de detenção e 490 dias-multa. O caso, conhecido como o Massacre de Altamira, ocorrido em 29 de julho de 2019, chocou o país pela barbárie: 62 detentos morreram, 58 dentro do presídio — a maioria por asfixia, com 16 decapitados — e 4 durante transferência. É a segunda maior tragédia do sistema carcerário brasileiro, superada apenas pelo massacre do Carandiru, em 1992, que deixou 111 mortos.
O julgamento, que durou cerca de dois dias, foi transferido de Altamira para Belém por questões de segurança e imparcialidade, após a defesa alegar que a repercussão local poderia influenciar os jurados. A sessão, iniciada na terça-feira (4), contou com 16 testemunhas — 10 da acusação e 13 da defesa, embora três testemunhas da acusação não tenham comparecido, uma delas por óbito. As oitivas, realizadas por videoconferência, reforçam o clima de cautela em torno do caso.
Durante o interrogatório, Dhonlleno negou qualquer envolvimento no motim, alegando estar preso por um crime de trânsito, que ele diz ter sido distorcido como tentativa de homicídio. A narrativa, porém, não convenceu os jurados, que o consideraram culpado por homicídios triplamente qualificados, decapitações e participação em organização criminosa. A absolvição veio apenas para as acusações de dano ao patrimônio e incêndio, mas isso pouco aliviou a pena, uma das mais severas já aplicadas no Pará.
A sombra do sistema prisional
O Massacre de Altamira expôs as feridas abertas do sistema carcerário brasileiro. Relatos da investigação apontam que o motim foi desencadeado por conflitos entre facções criminosas rivais, com cenas de violência extrema. A maioria das vítimas morreu asfixiada, e 16 foram decapitadas, números que traduzem a desumanidade do episódio.
Chama atenção que 26 dos 62 mortos eram presos provisórios, ainda sem julgamento definitivo, o que levanta questionamentos sobre a gestão penitenciária e a superlotação das unidades.
A unidade de Altamira foi desativada após a tragédia, e os detentos remanescentes foram transferidos para o Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu. A imagem de uma escavadeira abrindo covas no cemitério São Sebastião, em Altamira, para sepultar as vítimas, permanece como um símbolo da falência do sistema.
Outros julgamentos e o peso da justiça
Dhonlleno é o segundo condenado pelo massacre. Em setembro de 2024, Luziel Barbosa já havia recebido uma pena de 396 anos de prisão pelos mesmos crimes. Outros três réus ainda aguardam julgamento, com datas a serem definidas pelo Tribunal de Justiça do Pará. A expectativa é que as próximas sessões mantenham o mesmo rigor, mas também reacendam o debate sobre como prevenir tamanha violência dentro dos presídios.
A condenação de Dhonlleno, embora represente um marco na busca por justiça, não apaga as cicatrizes de Altamira. A pena de mais de quatro séculos, ainda que simbólica — já que, na prática, ninguém cumpre tal tempo no Brasil —, reflete a gravidade do crime e o clamor por resposta. No entanto, é impossível ignorar que o massacre foi, em grande parte, fruto de um sistema penitenciário colapsado, onde superlotação, falta de segurança e a influência de facções criminosas criam um barril de pólvora.
Enquanto a justiça avança na punição dos responsáveis, fica a pergunta: o que está sendo feito para evitar que tragédias como Altamira e Carandiru se repitam? A resposta, por ora, parece tão distante quanto a possibilidade de cumprir 403 anos atrás das grades.
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