AMAZÔNIA – O discurso da vítima já não basta

Márcio Macedo – Pesquisador e analista de dados *

Sim, é verdade: a Amazônia foi – e ainda é – explorada, saqueada e invisibilizada por quem a vê como entreposto de recursos e não como território vivo. Já fomos colônia de seringalistas, vítimas de políticas extrativistas, alvos de olhares de cima para baixo. E tudo isso ainda acontece. Mas… essa narrativa, embora justa, já não nos serve. Não nos move, não nos transforma. Ela virou escudo. Álibi. Um espelho rachado.

Porque enquanto apontamos o dedo para os outros — grileiros, latifundiários, multinacionais, governos do sul maravilha — deixamos de olhar o próprio umbigo amazônico. E é aí que mora o impasse: não haverá protagonismo amazônico sem responsabilidade amazônica.

A floresta é nossa. Mas será que a tratamos como tal?

Omissão sob as copas

Falta política pública? Sim.
Falta investimento? Claro.
Mas também falta organização econômica local, senso de pertencimento produtivo e, sobretudo, projeto de futuro.

Hoje, há comunidades inteiras que vivem ao lado de riquezas incalculáveis — biológicas, culturais, genéticas — mas continuam presas à pobreza estrutural. Não porque são incapazes, mas porque ninguém ensinou como transformar floresta em valor com inteligência, não com motosserra.

A floresta, para muitos de dentro, ainda é um recurso a extrair — não um ecossistema a ativar.

A saída está dentro, não fora

Chegou a hora de inverter o espelho. Parar de se ver como satélite. A Amazônia precisa se enxergar como centro de decisão, de inovação, de solução. Como ativo estratégico do presente e do futuro do planeta, não como eterno “passivo ambiental” nacional.

Mas esse novo protagonismo exige três pilares:

  1. Educação para o pertencimento:
    Não basta alfabetização ambiental. É preciso ensinar que a floresta é infraestrutura estratégica, tão valiosa quanto um porto ou uma refinaria.
  2. Empreendedorismo da floresta viva:
    Bioeconomia, turismo de base comunitária, sociobiodiversidade, créditos de carbono, SAFs. Há mil caminhos éticos e rentáveis para monetizar a floresta em pé — se houver apoio, formação e mercado.
  3. Narrativa de potência, não de lamento:
    A Amazônia não precisa de piedade. Precisa de investimento. De orgulho. De voz própria. Chega de sermos “tema” nas falas de Brasília. Está na hora de assumirmos sermos osautores da nossa história.

Temos força. Falta uso.

A Amazônia Legal é composta por nove estados e elege, junta, 91 deputados federais (17%) e 27 senadores (33%). Uma bancada expressiva, capaz de influenciar políticas nacionais com peso.

Temos também um território que abriga 30 milhões de pessoas(IBGE, 2022), múltiplas etnias, cidades vibrantes, saberes tradicionais, juventude conectada. Não somos poucos, nem fracos. Mas estamos dispersos, divididos, e muitas vezes, desmobilizados.

É preciso engajar a população amazônida para cobrar seus representantes. E mais do que isso: é preciso ocupar os espaços de poder com quem vive a floresta por dentro.

A degradação começa em casa

Segundo o InfoAmazonia (2024), 17% da floresta já foi desmatada e 38% degradada. Muitas dessas ações vêm de dentro — pecuária extensiva, exploração madeireira, garimpo ilegal. E não adianta fingir que isso é só culpa de forasteiro. Tem amazônida operando motosserra, sim. E tem governo estadual fingindo que fiscaliza, também.

Conflitos de terra explodem em uma região com mais de 20 mil imóveis em áreas indígenas ou de proteção ambiental onde a impunidade reina com crimes ambientais e assassinatos por disputa de território que seguem sem punição. A floresta, sem lei, vira terra de ninguém — ou pior: terra de quem grita mais alto (ou atira primeiro).(Agência Brasil, 2024; HumanRightsWatch, 2019).

A virada é nossa

A mudança real virá quando os amazônidas assumirem o próprio papel na equação. Quando deixarmos de ser vítimas e passarmos a ser protagonistas conscientes e ativos da preservação e do desenvolvimento sustentável.

Isso passa por:

  • Educação ambiental e política de base;
  • Incentivo à economia da floresta em pé;
  • Apoio às comunidades locais com autonomia e dignidade;
  • E uma narrativa nova, forte, orgulhosa — de dentro para fora.

A Amazônia é o maior símbolo do Brasil no mundo. Éhora da virada! Ela não será salvasomnte de fora. Nem com discurso, nem com pena. Ela precisa ser reconstruída de dentro, com inteligência, corageme vontade.Reconhecida, valorizada e protegida por quem mora nela.

Temos os recursos. Temos a população. Temos a representação. Falta o passo mais difícil: assumir a responsabilidade pela floresta e pelo futuro.

Não somos apenas o “tema do mundo”. Somos a chave dele.

E a chave precisa virar.

Para encerrar este segundo texto sobre verdades inconvenientes, recomendo leituras de autores paraenses que pensam uma Amazônia forte, sustentável e protagonista, consciente de seu valor: os Doutores Manoel Alves (Amazônia e Clima), Ligia Simonian (Gestão Pública e Populações Tradicionais), Fábio Castro (Cultura, Comunicação e Identidade) e Edna Castro (Decolonialidade e Crítica ao Desenvolvimento), além de textos dos publicitários Elizio Eluan,Herycles Horiguchi e Carlos Amorim.

O futuro da floresta depende de nós. E o tempo de agir é agora.

  • Marcio Macedo, paraense de Itaituba, Comunicador Social (UFPA), Pesquisador, Mestrado em Comunicação Empresarial (PUC/PR); Linguagens (UTP/PR); Estratégias e Pesquisas Político-Eleitorais (ABEP e IBPAD); Doutorado e Pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável (NAEA/UFPA). Analista de Dados na Análise Inteligência. 47 99603 5332  –www.analiseinteligencia.com.br  –  [email protected]  –  @analiseinteligencia

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