O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrentou, nesta terça-feira, um dos momentos mais aguardados do processo que investiga a suposta trama golpista para reverter o resultado das eleições de 2022. Em interrogatório conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro negou veementemente ter liderado um plano de golpe, mas admitiu ter cogitado a decretação de um estado de sítio após a derrota nas urnas.
Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o principal articulador de um esquema para anular o pleito e prender autoridades do STF e do Congresso, Bolsonaro foi confrontado com a chamada “minuta golpista”, documento que, segundo a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, teria sido recebido, lido e “enxugado” por ele. “Refuto qualquer possibilidade de falar de minuta de golpe que não esteja enquadrada dentro da Constituição brasileira”, declarou o ex-presidente, rejeitando a acusação. “Quando se fala em minuta, dá a entender que é algo do mal.”
Bolsonaro reconheceu, no entanto, que os “considerandos” do documento foram exibidos em uma reunião com a presença do então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, do comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. “Isso foi colocado numa tela de televisão e mostrado de forma rápida, mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força, de modo que nada foi à frente”, afirmou.
Estado de Sítio e GLO em Pauta
O ex-presidente admitiu ter recebido sugestões para decretar estado de sítio, medida que suspende direitos individuais e amplia os poderes do Executivo em situações de grave crise. Contudo, segundo ele, a ideia não prosperou por falta de um “fato” concreto e pela necessidade de convocação dos conselhos da Defesa e da República. “Em poucas reuniões, abandonamos qualquer possibilidade de ação constitucional. Enfrentamos o ocaso do nosso governo”, alegou.
Bolsonaro também confirmou discussões com os comandantes das Forças Armadas sobre uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para lidar com acampamentos golpistas em frente a quartéis e bloqueios de rodovias, como os realizados por caminhoneiros no Pará. “Nós estudamos possibilidades outras dentro da Constituição. Nada fora disso”, reforçou, negando qualquer intenção de agir contra a lei.
Um dos momentos de maior tensão ocorreu quando Moraes questionou Bolsonaro sobre a reunião de dezembro de 2022 com os comandantes da Marinha e do Exército, na qual, segundo a delação de Mauro Cid, o ex-presidente teria apresentado uma proposta de ruptura institucional. Bolsonaro refutou a acusação: “Em nenhum momento, eu, o ministro da Defesa ou os comandantes pensamos em fazer algo ao arrepio da lei ou da nossa Constituição.”
Fraudes nas Urnas e “Retórica”
Sobre as urnas eletrônicas, alvo recorrente de suas críticas, Bolsonaro afirmou que a desconfiança era parte de sua “retórica” desde a época de deputado federal, quando defendia o voto impresso. Questionado por Moraes sobre os fundamentos concretos para alegar fraudes, o ex-presidente admitiu: “Não tinha prova de nada no tocante a isso. Um desabafo meu, com toda certeza.” Ele justificou a reunião ministerial de 5 de julho de 2022, em que atacou o sistema de votação, como um momento reservado que não deveria ter sido gravado. “Alguém gravou, no meu entender, de má-fé”, disse.
Em um gesto inesperado, Bolsonaro pediu desculpas aos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, por acusá-los, na mesma reunião, de receberem entre US$ 30 e US$ 50 milhões para fraudar as eleições. “Era uma retórica. Se fossem outros três ocupantes, eu teria a mesma conduta. Me desculpe. Não tinha intenção”, explicou.
Reunião com Embaixadores e Inelegibilidade
Moraes também abordou a reunião de 18 de julho de 2022, quando Bolsonaro, então presidente, reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada para questionar a segurança das urnas, em evento transmitido pela TV Brasil. “Pode ter exagerado na forma, na entonação, mas a intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar”, justificou. Por essas declarações, o ex-presidente foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à inelegibilidade até 2030.
8 de Janeiro e Discurso “Pós-Golpe”
Sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores invadiram o Palácio do Planalto, o STF e o Congresso, Bolsonaro negou qualquer envolvimento. “Sem qualquer participação minha, sem Forças Armadas, sem armas, sem um núcleo financeiro. Isso não é golpe”, declarou, classificando o episódio como “baderna”. Ele justificou não ter desmobilizado os acampamentos em Brasília para evitar que manifestantes se dirigissem à Praça dos Três Poderes, o que, segundo ele, teria sido “pior ainda”.
Bolsonaro também negou autoria de um discurso “pós-golpe” apreendido em sua sala no PL, que detalhava supostos motivos para um estado de sítio e o uso de GLO. “O discurso não é meu. Alguém pegou em algum lugar esse discurso. Foi parte do inquérito e mandado para mim pelo doutor Paulo”, disse, referindo-se a seu advogado, Paulo Amador da Cunha Bueno.
“Joguei Dentro das Quatro Linhas”
Com a Constituição em mãos, Bolsonaro afirmou: “Eu joguei dentro das quatro linhas o tempo todo.” Ele negou ter pressionado o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para alterar o relatório da comissão eleitoral do ministério sobre as eleições de 2022, que não encontrou irregularidades. “O meu relacionamento com qualquer ministro nunca foi sob pressão ou autoritarismo”, garantiu.
Próximos Passos
O interrogatório de Bolsonaro, que durou cerca de três horas, é parte de uma série de depoimentos no STF. Os réus são ouvidos em ordem alfabética, e o ex-presidente foi o penúltimo a falar. O último será o ex-ministro Walter Braga Netto, que depõe por videoconferência do Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro, onde está preso desde dezembro de 2024.
Bolsonaro chegou ao STF prometendo falar por “horas” e exibiu interesse em apresentar vídeos, mas o pedido foi negado por Moraes, que considerou o momento inadequado para novas provas. Em um depoimento marcado por tensões e negativas, o ex-presidente buscou se defender das acusações, enquanto o processo segue sob intenso escrutínio público.
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