A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu uma investigação para apurar o envolvimento do deputado federal Antonio Doido (MDB) com um grupo suspeito de movimentar valores milionários em agências bancárias do Pará. De acordo com a PGR, há fortes indícios de que os recursos seriam provenientes de desvios de verbas públicas. Na verdade, são duas investigações contra o deputado, agora unificadas pela PGR no processo em andamento do STF. Doido goza do chamado foro privilegiado por estar no exercício do mandato.
Segundo as investigações, parte desse dinheiro teria sido usado para a compra de votos nas eleições municipais de 2024 e pagamento de propina para agentes públicos. A apuração começou após duas apreensões milionárias no estado, ambas relacionadas a pessoas ligadas ao parlamentar.
O caso mais emblemático aconteceu em 5 de outubro de 2024, na véspera do primeiro turno das eleições. Na ocasião, o policial militar Francisco de Assis Galhardo do Vale foi preso em Castanhal ao tentar sacar R$ 5 milhões em espécie em uma agência bancária.
A Polícia Federal encontrou então uma série de conversas no celular de Francisco Galhardo ao prendê-lo no momento do saque. As conversas e os dados enviados pelo Coaf revelaram um organizado esquema de saques milionários e posterior transporte de valores que os investigadores suspeitam ser de Antônio Doido.
Entre março de 2023 e outubro de 2024, o PM Francisco Galhardo fez 15 saques de dinheiro em espécie que totalizam R$ 48,8 milhões, de acordo com dados citados pela PGR. Os valores foram sacados em duas agências do Banco do Brasil, em São Miguel do Guama e Castanhal.
Apenas entre junho e outubro de 2024, nas proximidades do período de campanha eleitoral, o policial sacou R$ 26 milhões. De acordo com a PGR, os valores têm origem em uma empresa em nome de Andréia Dantas, esposa de Antônio Doido.
Em um saque de R$ 6 milhões realizado em 26 de setembro de 2024, por exemplo, o PM Francisco Galhardo escalou quatro policiais para “prestar auxílio operacional”, diz a PGR.Um deles, mandou um áudio para Galhardo em que detalha a logística da operação para o saque.
“Eu presumo que ele não vai sair, mas qual a logística. Tá aqui o, o, (ininteligível) Alves tá aqui né, aí fica pra dirigir pra ele qualquer situação. Noronha tá meio baqueado, vai ficar no carro de trás, inclusive, eu liberei ele pra ir lá resolver a situação dele na Alepa, do dinheiro, que caiu na conta salário da Alepa”, diz trecho do áudio transcrito pela PGR.
Em seguida, o policial continua: “Aí o Rairom tá lá no, no, no escritório, em Águas Lindas, aí no caminho a gente já pegava ele e as mochilas. Ele ia lá pra BR e aguardava a gente, ele embarcava com a gente com as mochilas, entendeu?”.
Em algumas dessas conversas, o próprio Antônio Doido aparece dando ordens de valores a serem entregues ou é citado pelo PM como ordenador dos pagamentos.
No saque de R$ 5 milhões que resultou na prisão do PM, por exemplo, há uma mensagem do deputado ordenando a entrega de R$ 380 mil para uma pessoa de nome Geremias.
A PF descobriu que no dia do saque, Geremias falou com Francisco Galhardo por mensagem. Às 11h47, ele envia ao PM: “Seu Antônio mandou pegar um dinheiro contigo em Castanhal ai. É.. que horas eu posso te encontrar em Castanhal ai?”.
Horas depois, às 14h20, o PM manda mensagem para o deputado: “Entregar quanto para o neguinho?”. E o deputado responde: “380k”.
Ao fazer o flagrante da apreensão dos R$ 5 milhões, a PF encontrou cerca de R$ 4,6 milhões com um homem dentro da agência do banco. Outros R$ 380 mil, valor citado na mensagem de Antônio Doido, foram encontrados em um carro na porta da agência em que estavam o tal Geremias e o PM Francisco Galhardo.
“Antônio quer 20 lá em Ourém”
Nas conversas sobre a operação em Ourém, o PM Francisco Galhardo mostra que a ação foi solicitada pelo próprio deputado Antônio Doido. Em um áudio, um PM avisa Francisco Galhardo sobre ter conseguido a confirmação de seis policiais para participar da ação.
“Em resposta, Galhardo informou que Antônio Doido exigia a presença de, no mínimo, vinte policiais na municipalidade na semana das eleições”, diz trecho de um relatório citado pela PGR.
No áudio enviado como resposta, Galhardo dizia: “Mano, tu manda seis amanhã logo. Serafim começa segunda-feira, aí tudo vai arrumando aí e a gente vai complementando. Mas, o Antônio disse que quer no mínimo vinte lá em Ourém nessa semana”.
Em 1º de outubro, dias antes do primeiro turno, Galhardo volta a falar sobre Ourém e manda mensagem para um PM em que demonstra insatisfação com a atuação dos policiais escalados para a ação.
“Ei, mano! Conversa com esses bichos aí, que 10 horas da noite em diante tem que tá na rua direto pô! Não é pra tá no alojamento, não! Os caras chegaram aqui tudo se espreguiçando já, pô! Foi na hora que bradou a missão, eles tiveram que voltar pra rua, dizendo que tava tudo tranquilo e a gente tá vendo o maior movimento de farol na rua.”
A PGR ainda aponta que, no fim da conversa, Galhardo sugere que a “operação de pagamento” já havia sido realizada e todos poderiam participar da missão.
“Já estão novamente aqui no igarapé das pedras (sic), põe o Cléo nessa, Gu. Já encerrou pagamento. Pode puxar todo mundo para a missão”, diz trecho da mensagem transcrita pela PGR.
As mensagens também mostram o PM Francisco Galhardo solicitando a liberação de um policial para atuar na operação em Ourém. Em uma mensagem enviada no dia em que foi preso ao sacar R$ 5 milhões, ele faz o pedido citando o deputado Antônio Doído.
O destinatário é um contato chamado Maj. Gilberto. “Ei, Gilberto. Esse polícia tá tirando um bico aqui em Ourém, com a gente, cara! O irmão do Antônio é candidato a prefeito aqui. Acho que dá Roçam ele, né? Aí ele foi escalado. Na verdade, ele tá permutando serviço, tá desenrolando para alguém tirar para ele, para não prejudicar a escala de vocês. Tu não tem como dispensar só esse aí pra nós?”, mostra a transcrição do áudio.
Condenação de envolvidos no esquema de compra de votos
Conforme já noticiado pelo Portal Ver-o-Fato, a Justiça Eleitoral da 41ª Zona de Ourém, condenou quatro pessoas por envolvimento em um esquema de compra de votos, impondo a todas a pena de inelegibilidade por oito anos. Dois dos envolvidos também receberam multa de R$ 30 mil cada por captação ilícita de sufrágio.
A sentença, assinada pelo juiz Cornélio José Holanda, atinge diretamente o irmão de Antônio Doido, Neto Leocádio (MDB), candidato derrotado nas últimas eleições municipais para prefeito de Ourém, o ex-vice-prefeito Júnior da Olaria (PSD), Dara Hellem de Oliveira Costa e Andréa Dantas (MDB), esposa do deputado.
A decisão impede que eles disputem cargos eletivos até, pelo menos, 2032. Andréa já anda percorrendo diversos municípios do Pará, acompanhada do marido, visando as eleições de 2026, em que pretende ser candidata a deputada estadual.
Conforme a decisão do magistrado, houve comprovação de violação à Lei Complementar nº 64/1990, que trata das hipóteses de inelegibilidade por práticas irregulares durante o processo eleitoral.
Além da inelegibilidade, Neto e Júnior da Olaria foram penalizados com multa de R$ 30 mil cada, por oferecerem vantagens em troca de votos, prática proibida pela legislação eleitoral.
A decisão foi publicada, registrada e as partes notificadas, mas ainda cabe recurso.
A defesa de Doido: repúdio ao vazamento
O portal Metrópoles procurou a Polícia Militar do Pará e enviou os nomes de todos os policiais citados pela reportagem. Como resposta, a PM enviou nota.
“A Polícia Militar do Pará informa que instaurou um processo administrativo para apuração do caso. A PM reafirma seu compromisso com a ética e a legalidade e destaca que todas as medidas necessárias estão sendo adotadas para apurar os fatos e responsabilizar os envolvidos”, diz a nota.
A defesa do deputado Antônio Doido disse, em nota, que “repudia o vazamento de informações sigilosas de investigações em curso no STF e adotará medidas destinadas à responsabilização dos responsáveis pelo criminoso vazamento”.
“Acerca dos questionamentos formulados, todos eles são fruto de ilações e já foram devidamente esclarecidos nos autos. O Deputado já se colocou à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos solicitados e tem tranquilidade em relação a todos os atos por ele praticados no curso do seu mandato parlamentar”, disse a defesa de Antônio Doido.
As investigações seguem em curso e podem ter repercussões profundas no cenário político paraense, especialmente com a proximidade de novas eleições e o aumento do rigor no combate à corrupção. (Do Ver-o-Fato, com informações do portal Metrópoles)
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