“Impagáveis”, criticam representantes de credores de precatórios, sobre PEC de autoria do senador Jader Barbalho

As declarações foram na audiência pública da comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 66/2023) que altera as regras desse mercado

Brasília – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 66/2023), que busca alterar as regras do mercado de precatórios municipais, nos termos nos quais foi aprovada no Senado é “impagável”, criticaram representantes de credores desse mercado. As fortes críticas foram o tom de intensas discussões durante a última audiência pública da comissão especial da Câmara dos Deputados, na terça-feira (17), designada para analisar o texto. Representantes de credores manifestaram profunda preocupação com a possível postergação dos pagamentos devidos e apresentaram sugestões para aprimorar o texto em tramitação.

A PEC 66/2023, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), já aprovada no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, propõe estabelecer limites para o pagamento de precatórios pelos municípios, além de reabrir prazos para o parcelamento especial de débitos previdenciários municipais, tanto com regimes próprios quanto com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A medida, que visa definir limites para essas dívidas decorrentes de sentenças judiciais, agora segue para análise na comissão especial antes de ir a votação no Plenário da Câmara. O relator, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), indicou que seu relatório será apresentado na próxima semana, com a expectativa de votação em primeiro e segundo turnos no Plenário antes do recesso parlamentar de julho, conforme compromisso firmado pelo presidente da Casa, deputado Hugo Motta (REPUBLICANOS-PB).

A luta pela justiça social e o peso da dívida para os credores
Durante a audiência, a voz dos credores ressoou com a urgência do recebimento dos valores devidos. Gustavo Roberto Perussi Bachega, representante do Instituto Brasileiro de Precatórios, salientou que o pagamento dessas dívidas vai além de uma questão financeira, configurando um tema de fundamental importância para a justiça social. Segundo ele, cerca de 5 milhões de cidadãos aguardam o recebimento desses valores. Ele destacou o perfil majoritário desses credores: “Todos os credores de precatórios são idosos e vulneráveis porque 90% dos precatórios do Brasil são representados pelos chamados precatórios alimentares, que são de pessoas físicas idosas, não são de empresas.”

Essa caracterização dos credores reforça o impacto direto da demora nos pagamentos na vida de pessoas que, muitas vezes, dependem desses recursos para sua subsistência ou tratamento de saúde, dada a sua condição de idosos e vulneráveis.

Impagáveis
Uma das críticas mais contundentes apresentadas na audiência, refere-se à extensão do parcelamento previsto na proposta. Embora o texto da PEC detalhe um parcelamento de até 300 prestações mensais para dívidas previdenciárias, a preocupação externada pelo representante do Instituto Brasileiro de Precatórios, Gustavo Roberto Perussi Bachega, foi a de que um parcelamento tão longo tornaria os precatórios “impagáveis” na prática, caracterizando a proposta como um “retrocesso”. Em sua opinião, o parcelamento da dívida em até 300 parcelas mensais representa: “Retrocesso e torna os precatórios impagáveis na prática.”

Essa percepção dos credores de que a dívida se tornaria praticamente impossível de ser quitada em vida, especialmente para idosos, demonstra a gravidade da medida em sua perspectiva e a razão de sua forte oposição à forma como a proposta aborda a quitação desses débitos.

Busca por consenso e alternativas ao endividamento prolongado
Diante do cenário de postergação e das críticas ao parcelamento, outras propostas e visões foram apresentadas visando encontrar um caminho que não prejudique os credores. Vitor Boari, presidente da Comissão de Precatórios Judiciais da OAB São Paulo, defendeu a necessidade de se buscar uma solução de consenso. Ele ressaltou a importância de evitar que a dívida de precatórios seja mais uma vez prorrogada e sugeriu a criação de um grupo de trabalho para debater o tema: “Essa emenda merece uma reflexão maior. É preciso criar um grupo de trabalho onde todos possam contribuir para tentar chegar a um denominador comum para que se possa fazer esse pagamento com a situação atual.”

Boari também se manifestou contrário à proposta de mudança do indexador da dívida de precatórios. A Frente Nacional dos Prefeitos defende a alteração da Selic para o IPCA, argumentando que isso permitiria aos municípios reduzir seus custos com os precatórios. No entanto, do ponto de vista dos credores e de seus representantes, essa mudança significaria uma desvalorização dos valores a receber, impactando negativamente aqueles que aguardam há anos pelo pagamento.

Uma alternativa interessante para o pagamento dos precatórios municipais sem a necessidade de alterar a Constituição foi apresentada por Julio Bonafonte, representante da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP). Ele sugeriu a utilização de um montante significativo já depositado em bancos: “Segundo ele, seria possível usar o montante de R$ 500 bilhões depositados em bancos sob a rubrica de ‘depósitos judiciais’ para pagamento dessas dívidas.”

Bonafonte acredita que essa seria uma solução definitiva para a questão, ao contrário das moratórias e parcelamentos que apenas empurram o problema para o futuro. Ele expressou a urgência e a frustração com a situação atual e a perspectiva de novas prorrogações: “Tem que pagar o precatório, nós não podemos viver de moratórias, vamos para 2029, depois para 2050, ninguém vai estar vivo aqui.”

Essa fala reflete o sentimento de desesperança de muitos credores que veem o pagamento de suas dívidas sendo adiado sucessivamente.

Implicações da postergação com base na PEC 66/2023
A análise do texto da PEC 66/2023, revela os mecanismos propostos para lidar com a questão dos precatórios e das dívidas previdenciárias municipais. O cerne da proposta no que tange aos precatórios municipais é o estabelecimento de limites de pagamento baseados na Receita Corrente Líquida (RCL) apurada no exercício financeiro anterior. O § 23 do Art. 100 da Constituição Federal, conforme alterado pela PEC, define esses limites em percentuais que variam de 1% a 5% da RCL, dependendo do estoque de precatórios em mora em 1º de janeiro, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em relação à RCL.|

O senador Jader Barbalho propôs no texto da PEC as seguintes regras:

“§ 23. Os pagamentos de precatórios pelos Municípios, relativos às suas administrações diretas e indiretas, estão limitados, observados os §§ 24 a 26, a:

I – 1% (um por cento) da receita corrente líquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora não superar 2% (dois por cento) desse valor;
II – 2% (dois por cento) da receita corrente líquida se o estoque.for superior a 2%.e inferior ou igual a 20%;
III – 4%.se o estoque.for superior a 20%.e inferior ou igual a 25%;
IV – 5%.se o estoque.for superior a 25%.e inferior ou igual a 30% desse valor.”

Essa sistemática de limites, embora pretenda dar previsibilidade aos municípios, pode, na prática, resultar em postergação se o estoque de precatórios em mora for elevado ou se a receita corrente líquida do município não for suficiente para quitar a totalidade da dívida devida dentro dos limites percentuais. A possibilidade de aumento dos limites a partir de 2030 (§ 24) em caso de mora, embora busque ajustar a capacidade de pagamento, ainda assim confirma a perspectiva de que a quitação total pode levar anos ou até décadas, corroborando a crítica dos credores sobre a impagabilidade prática em prazos razoáveis para a maioria dos beneficiários.

O texto da PEC também prevê consequências severas para o Município que não liberar tempestivamente os recursos destinados aos pagamentos de precatórios, mesmo dentro dos limites estabelecidos. O § 27 do Art. 100, incluído pela PEC, estabelece que: “§ 27. Se os recursos destinados aos pagamentos de precatórios, observados os limites do § 23, não forem tempestivamente liberados, no todo ou em parte:
I – os limites de que trata o § 23 serão suspensos;
II – o Presidente do Tribunal de Justiça local determinará o sequestro.das contas do Município inadimplente;
III – o Prefeito.responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa;
IV – o Município ficará impedido de receber transferências voluntárias, enquanto perdurar a omissão.”

Essas penalidades, embora importantes para garantir a efetividade do pagamento dentro dos limites, também sublinham a dificuldade estrutural que alguns municípios podem enfrentar para cumprir suas obrigações com precatórios, levando a sanções que podem impactar outros serviços públicos.

Interessante notar que o Art. 100, § 28, também incluído pela PEC, prevê uma exceção:

“§ 28. Os Municípios, mediante dotação orçamentária específica, poderão efetuar pagamentos de precatórios que superem os limites dispostos no § 23.”

Essa disposição, embora pareça oferecer flexibilidade, depende da capacidade orçamentária específica do município para alocar recursos extras, o que pode não ser a realidade para aqueles com maior estoque de dívidas e menor receita.

A PEC também mexe profundamente com as regras previdenciárias municipais. O Art. 1º altera o Art. 40-A da Constituição para determinar que os regimes próprios de previdência social (RPPS) municipais devem seguir, no mínimo, as mesmas regras do RPPS da União. O Art. 3º dá um prazo de 18 meses para que Estados, DF e Municípios promovam essas alterações em suas legislações internas, sob pena de as regras da União passarem a vigorar automaticamente.

Além disso, os Arts. 115 e 116 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), alterados pela PEC, autorizam excepcionalmente o parcelamento de dívidas previdenciárias (RPPS e RGPS) dos municípios com vencimento até a data da promulgação da Emenda Constitucional, em um prazo máximo de 300 prestações mensais. É essa previsão de longuíssimo prazo para dívidas previdenciárias que parece ter sido a base da crítica dos credores de precatórios sobre a impagabilidade da dívida em 300 parcelas, mesmo que o texto da PEC aplique explicitamente as 300 parcelas às dívidas previdenciárias, e não diretamente aos precatórios nos termos do Art. 100, que estabelece limites percentuais de pagamento. No entanto, a lógica de estender a quitação de débitos por até 25 anos (300 meses) ilustra a abordagem da PEC em lidar com passivos financeiros de longo prazo.

O texto da PEC também detalha que a formalização desses parcelamentos previdenciários (Arts. 115 e 116 do ADCT) deve ocorrer em até 12 meses após a promulgação da Emenda e está condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para pagamento das prestações.

“Art. 117… a formalização dos parcelamentos de que tratam os arts. 115 e 116 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias deverá ocorrer em até 12 (doze) meses após a data da promulgação desta Emenda Constitucional e ficará condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios para fins de pagamento das prestações acordadas…”

Essa vinculação do FPM como garantia busca dar segurança ao credor (neste caso, os regimes de previdência) de que o pagamento será realizado, mas também pode ser vista como uma forma de restringir a autonomia municipal sobre parte de suas receitas.

Por fim, a PEC inclui disposições temporárias, como a desvinculação de receitas municipais (Art. 76-B do ADCT) até 31 de dezembro de 2032, em percentuais decrescentes (50% até 2025, 30% de 2026 a 2032), e a destinação de parte do superávit financeiro de fundos federais (Art. 4º) entre 2025 e 2030 para financiamento de projetos climáticos. Embora a desvinculação de receitas possa, em teoria, dar mais flexibilidade aos municípios, a regra que obriga a destinar até 40% da CFEM desvinculada para dívidas previdenciárias ou precatórios (Art. 76-B, § 3º) direciona parte desses recursos.

Diretor jurídico da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP), Julio Bonafonte. Foto: Vinicius Loures/ Ag. Câmara

Propostas e sugestões apresentadas na audiência
Com base nos depoimentos e críticas, a reportagem destaca as principais propostas e sugestões de ajustes ao texto da PEC 66/2023 que surgiram na audiência pública. São elas:

Evitar a postergação da dívida: Este foi o ponto central da crítica dos credores e seus representantes. Embora não apresentem uma alternativa legislativa específica no texto da audiência relatada, a própria crítica implica a necessidade de mecanismos na PEC que garantam pagamentos mais céleres e não empurrem a quitação para um futuro distante.

Considerar o pagamento como justiça social: A argumentação de Gustavo Roberto Perussi Bachega sobre os credores serem majoritariamente idosos e vulneráveis sugere que qualquer solução deve levar em conta essa realidade social e o impacto humanitário da demora.

Revisar o parcelamento longo: A crítica ao parcelamento em 300 parcelas, embora aparentemente relacionada ao parcelamento previdenciário previsto na PEC, levanta a necessidade de o texto da Emenda, ou soluções complementares, preverem formas de pagamento de precatórios que não sejam vistas como “impagáveis” ou um “retrocesso” para os credores. A implicação é que, se o limite percentual da RCL não for suficiente, outras fontes ou mecanismos de aceleração deveriam ser considerados.

Buscar uma solução de consenso: Vitor Boari, da OAB-SP, propôs explicitamente a necessidade de diálogo e consenso entre as partes. “É preciso criar um grupo de trabalho onde todos possam contribuir para tentar chegar a um denominador comum para que se possa fazer esse pagamento com a situação atual.” Essa é uma sugestão direta de procedimento legislativo ou de articulação política para aprimorar o texto.

Manter o indexador Selic: Vitor Boari também se posicionou contra a mudança do indexador da dívida de precatórios da Selic para o IPCA. Isso sugere um pedido para que a PEC ou legislações correlatas mantenham a correção pela Selic, garantindo o poder de compra do valor devido aos credores.

Utilizar “depósitos judiciais”: Julio Bonafonte, da CNSP, apresentou uma alternativa concreta que não dependeria diretamente da aprovação da PEC. A sugestão é usar os R$ 500 bilhões depositados em “depósitos judiciais” para quitar os precatórios municipais. Embora seja uma solução externa à PEC, foi apresentada no contexto do debate sobre como resolver o problema dos precatórios sem depender apenas das regras da PEC ou de novas moratórias. A ideia, como ele colocou, é uma “solução definitiva” que evita viver “de moratórias”.

Essas sugestões, refletem a insatisfação com os mecanismos atuais e propostos na PEC no que diz respeito à celeridade e justiça no pagamento dos precatórios, buscando alternativas ou ajustes que minimizem a postergação da dívida.

Calendário apertado para a PEC
Com a apresentação do relatório do deputado Baleia Rossi prevista para a próxima semana e a expectativa de votação no Plenário antes do recesso de julho, o debate sobre a PEC 66/2023 entra em uma fase decisiva. A comissão especial terá o desafio de ponderar as preocupações dos credores e as necessidades fiscais dos municípios, buscando um texto que avance na resolução da dívida de precatórios sem onerar excessivamente as finanças locais, mas garantindo a justiça social e o respeito às decisões judiciais para aqueles que aguardam há tanto tempo. A audiência deixou claro que a sociedade civil, representada pelos credores, continuará atenta e pressionando por um desfecho que, na visão deles, signifique o fim das moratórias e o efetivo pagamento da dívida dos precatórios.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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