Segundo o MPF, em disputa estão os direitos de comunidade quilombola ameaçada por agrotóxicos, desmatamento e demora na titulação de suas terras
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília (DF), suspendeu os efeitos de uma decisão da Justiça Federal no Pará que havia transferido para a Justiça Estadual uma ação civil pública sobre os impactos de um arrozal na comunidade quilombola do Rosário/Mangabal, em Salvaterra, no arquipélago do Marajó. A decisão do TRF1 atendeu a pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e garante que a competência para julgar o caso permaneça na esfera federal até análise definitiva do tribunal (Fonte: MPF no Pará).
O conflito teve origem quando a Justiça Federal no Pará excluiu a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do processo, alegando que não havia oposição desses entes às reivindicações e que a comunidade ainda não seria formalmente quilombola, devido à não conclusão do processo de regularização territorial iniciado em 2007. Com isso, o caso foi remetido à comarca de Salvaterra.
O MPF recorreu ao TRF1, argumentando que a omissão da União e do Incra na titulação das terras é uma das principais causas da insegurança jurídica e dos prejuízos sofridos pela comunidade, justificando sua permanência no processo (Fonte: MPF no Pará).
A desembargadora federal Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, do TRF1, concedeu efeito suspensivo à decisão, destacando a existência de uma ação civil pública de 2013, na qual a União e o Incra foram condenados pela demora na regularização de terras quilombolas no Marajó, incluindo Rosário/Mangabal. O tribunal também reconheceu a urgência da medida para evitar que o processo tramite em juízo potencialmente incompetente.
Assim, a tramitação na Justiça Estadual foi suspensa, mantendo a questão na esfera federal até o julgamento do mérito do recurso do MPF (Fonte: TRF1, Agravo de Instrumento nº 1023157-48.2022.4.01.0000).
Ilegalidades apontadas
A ação civil pública, ajuizada em 2020 pelo MPF e pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), denuncia irregularidades que ameaçam a sobrevivência das famílias quilombolas. As investigações indicam registros imobiliários e cadastros ambientais irregulares de duas fazendas vizinhas ao território quilombola, além de um licenciamento ambiental que autorizou o plantio de arroz sem considerar os impactos à comunidade ou realizar consulta prévia, livre e informada, conforme exigido por lei.
Também foi questionada a constitucionalidade de uma lei municipal que doou terreno para uma fábrica de beneficiamento de arroz e a omissão da União e do Incra na regularização fundiária (Fonte: MPF no Pará, Ação Civil Pública nº 1015684-19.2020.4.01.3900).
Os quilombolas relataram desmatamento, impactos de agrotóxicos (como problemas respiratórios em crianças), desvio de cursos d’água e contaminação de rios utilizados para pesca. Técnicos do Ministério Público constataram que áreas essenciais para a comunidade e outros territórios quilombolas foram apropriadas como parte das fazendas citadas na ação (Fonte: MPF no Pará).
Falta o mérito
A decisão do TRF1 é um passo importante para assegurar que os direitos das comunidades quilombolas sejam protegidos na esfera federal, onde a competência para questões envolvendo a União e o Incra é mais adequada, dado o contexto de omissão na regularização fundiária. A demora na titulação, que se arrasta desde 2007, evidencia uma falha estrutural que agrava a vulnerabilidade dessas comunidades frente a atividades econômicas, como o cultivo de arroz, que desrespeitam seus direitos constitucionais e os padrões internacionais, como a consulta prévia estabelecida pela Convenção 169 da OIT.
A suspensão da tramitação na Justiça Estadual evita decisões potencialmente inconsistentes e reforça a relevância do Judiciário federal em casos de violação de direitos coletivos de povos tradicionais. Contudo, a solução definitiva depende do julgamento do mérito pelo TRF1, que deve considerar a gravidade dos impactos socioambientais e a responsabilidade dos entes federais.
Fontes: Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA). Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Agravo de Instrumento nº 1023157-48.2022.4.01.0000. Justiça Federal no Pará, Ação Civil Pública nº 1015684-19.2020.4.01.3900.
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