A rua deserta: entre o assalto e a fofoca

21 horas, rua deserta, Belém do Pará. Só eu e Deus. Lá no fim, um homem. Assaltante? Preciso de uma feição, um andar, uma aura não assaltável. Quem vai assaltar sou eu! Ou melhor, se ele olhar pra trás de novo, eu corro. Na verdade, não! Eu fico e reajo.

Mas e se eu morrer aqui? Nessa rua sem saneamento? O Pimenta anunciando que foi acerto de contas? Esse maluco precisa saber quem é que manda nessa cidade. Sabe andar igual malandro, eu sei também. Não confio nem na minha própria sombra.

Calma. Vai passar, vai passar, passou. Ufa, ainda nem terminei de pagar esse celular. Não posso morrer antes de ter um filho. Belém tá demais.

Já no interior, 21h, rua deserta. Só eu e as visagens. Lá no fim, uma senhora. Ela sabe de tudo da minha, da sua, da vida de todo mundo. Nessa hora me vendo na rua? O que será que amanhã a comunidade vai saber? Deve ser bem mulher! Preciso fugir ou de uma feição, um andar, uma aura não fofocável.

E se na verdade eu estiver vindo da igreja? Ou seria melhor só ter ido comprar um lanche? Ela vai perguntar! Tá tentando enxergar pra ver quem é. Mas e se eu perguntar primeiro? Com olhar de quem sabe que o irmão dela trai a esposa com a moça da igreja; que ela mesma já venceu o alcoolismo, o tabaco e foi testemunha de Jeová enquanto morava no Maranhão?

– Oi dona Maria? Na rua essa hora? Olha o sapo!

– Ui, Oi!

Ufa, aparentemente no máximo vai espalhar que sou o caipora.

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