O Brasil, que já foi um dos países com maior população de jumentos, viu seu número despencar de 1,37 milhão em 1999 para cerca de 78 mil em 2025, uma redução de 94%,
A crescente demanda por ejiao, um produto tradicional chinês fabricado a partir do colágeno extraído da pele de jumentos, tem gerado uma crise global de proporções alarmantes, com impactos devastadores no Brasil e em outros países. Esse produto, amplamente utilizado na medicina tradicional asiática por suas supostas propriedades de aumento da vitalidade, é responsável pelo abate anual de mais de 5,9 milhões de jumentos em todo o mundo, segundo estimativas de organizações de bem-estar animal.
No Brasil, a situação é particularmente grave: entre 2018 e 2024, cerca de 248 mil jumentos foram abatidos apenas no estado da Bahia, onde operam os únicos três frigoríficos licenciados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) para esse fim. Além disso, denúncias de maus-tratos, comércio ilegal e impactos socioeconômicos negativos em comunidades rurais intensificam a urgência de ações para conter essa prática, que muitos classificam como uma verdadeira matança.
O ejiao, amplamente consumido na China e em outros países asiáticos, é promovido como um elixir para a saúde, com alegações de benefícios como rejuvenescimento, fortalecimento imunológico e melhoria da circulação. No entanto, a ciência moderna questiona essas propriedades, e a produção do ejiao tem um custo ambiental e ético elevado.
A extração do colágeno requer o abate de jumentos em larga escala, o que pressiona populações desses animais em diversas regiões do mundo, especialmente na África e na América Latina. O Brasil, que já foi um dos países com maior população de jumentos, viu seu número despencar de 1,37 milhão em 1999 para cerca de 78 mil em 2025, uma redução de 94%, segundo dados da FAO, IBGE e Agrostat. Essa queda drástica coloca o jumento nordestino, uma raça geneticamente única e adaptada ao semiárido, em risco iminente de extinção.
A matança de jumentos não é apenas uma questão de bem-estar animal, mas também de preservação cultural e socioeconômica. No Nordeste brasileiro, esses animais historicamente desempenharam papéis cruciais na agricultura familiar e no transporte em comunidades rurais. Apesar de muitos terem substituído os jumentos por máquinas ou outros meios, a eliminação desses animais representa a perda de um patrimônio genético valioso e de uma peça fundamental na identidade cultural da região.
Seminário internacional e campanha global
Para enfrentar essa crise, uma força-tarefa global, composta por pesquisadores, órgãos públicos e organizações de proteção animal, está mobilizando esforços para interromper o abate indiscriminado de jumentos. No Brasil, um marco importante será a terceira edição do seminário internacional Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável, que ocorrerá em Maceió, Alagoas, que começou no dia 26, prossegue hoje, 27, e termina amanhã, 28.
Promovido pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em parceria com a organização britânica The Donkey Sanctuary, o evento reúne especialistas, ativistas e legisladores para discutir estratégias de preservação dos jumentos e lançar a campanha global Stop The Slaughter (“Parem o Abate”). Durante o seminário, será apresentado um relatório inédito sobre a matança de jumentos na África, destacando os impactos globais dessa prática.
A campanha Stop The Slaughter busca sensibilizar a sociedade e pressionar governos a adotarem medidas concretas contra o abate. No Brasil, a The Donkey Sanctuary, em conjunto com universidades, veterinários e ONGs, está promovendo a aprovação de legislações que proíbam a matança de jumentos. Dois projetos de lei são destaque nesse esforço: o PL nº 2.387/2022, em tramitação no Congresso Nacional, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara e aguarda votação, e o PL nº 24.465/2022, na Assembleia Legislativa da Bahia, também aprovado na CCJ.
A população pode apoiar essas iniciativas por meio do site www.fimdoabate.com.br, enviando cartas aos parlamentares para pressionar pela aprovação dessas leis.
Impactos socioeconômicos e soluções sustentáveis
A matança de jumentos não afeta apenas os animais, mas também as comunidades que dependem deles. Em muitas regiões rurais do Brasil, os jumentos ainda são usados como animais de carga, transporte e apoio na agricultura familiar. A redução drástica de sua população tem impactos diretos na subsistência de famílias vulneráveis, além de comprometer a biodiversidade e o equilíbrio ecológico do semiárido nordestino.
Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil, enfatiza que a preservação dos jumentos vai além do bem-estar animal: “Estamos falando de um patrimônio genético único, adaptado ao semiárido do Nordeste brasileiro. A substituição desses animais por máquinas não justifica sua matança. Eles podem viver livres na natureza, continuar apoiando a agricultura familiar ou serem valorizados como animais de companhia.”
Essa visão é reforçada por pesquisas que confirmam o perfil genético distinto do jumento nordestino, tornando sua preservação uma questão de urgência.
Uma solução promissora para reduzir a dependência do ejiao é o investimento em alternativas tecnológicas. Roberto Arruda, doutor em Economia Aplicada pela USP, destaca a fermentação de precisão como uma tecnologia capaz de produzir colágeno em laboratório, eliminando a necessidade de abate de jumentos. “Investir em inovações como essa é essencial para proteger a espécie e promover práticas mais sustentáveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto socioeconômico”, afirma.
O papel do Brasil no contexto global
O Brasil tem a oportunidade de se alinhar a um movimento internacional de proteção aos jumentos. Em fevereiro de 2024, a União Africana aprovou uma moratória sobre o abate de jumentos para exportação, medida já implementada em países como Quênia, Nigéria e Tanzânia. Uma reunião nas próximas semanas definirá se essa proibição será estendida a todo o continente africano.
Caso o Brasil aprove legislações semelhantes, como os projetos de lei em tramitação, o país pode se posicionar como líder Global na promoção da sustentabilidade e do bem-estar animal.
Pierre Barnabé Escodro, professor da UFAL, alerta: “Não podemos continuar sendo o elo frágil de uma cadeia internacional que lucra com a morte de um animal essencial para comunidades vulneráveis. É urgente que o Brasil alinhe sua legislação às boas práticas já adotadas por outros países.” A aprovação dos projetos de lei em tramitação seria um passo significativo nesse sentido, reforçando o compromisso do país com a proteção de seu patrimônio genético e cultural.
JUMENTOS ABATIDOS NO BRASIL
Entre 2010 e 2014: 1.000
Entre 2015 e 2018: 91.000
Entre 2018 e 2024: 248.000
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