MPs acusam “falhas legais e violação de direitos” em consultas sobre programa ambiental do Pará

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) recomendaram formalmente, nesta sexta-feira (27), que o governo do Pará suspenda imediatamente o processo que chama de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) junto a povos e comunidades tradicionais, relativo ao Sistema Jurisdicional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.

A medida foi endereçada diretamente ao governador Helder Barbalho e ao secretário de Meio Ambiente, Raul Protázio Romão.

Segundo os dois órgãos, o procedimento conduzido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) apresenta sérias irregularidades, fere normas legais federais e, sobretudo, viola direitos fundamentais de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais.

De acordo com a recomendação, a Semas iniciou o processo de CPLI sem apresentar de forma prévia os documentos mais relevantes que embasariam a consulta, como o anteprojeto de lei sobre o REDD+ e a proposta de como seriam distribuídos os benefícios financeiros gerados pelo programa. Para o Ministério Público, é ilógico — e ilegal — esperar que comunidades possam decidir como querem ser ouvidas sem sequer saberem do que se trata exatamente o conteúdo a ser debatido.

O próprio governo estadual, segundo ofício da Semas datado de 5 de maio, admitiu que o escopo da consulta ainda estava em fase de “revisão final” e não havia sido publicado. Na prática, isso impede que as comunidades tenham condições reais de participar de maneira informada e respeitando seus protocolos próprios, como exige a Convenção 169 da OIT e a legislação brasileira.

Incompatibilidades com a legislação federal

O Ministério Público identificou ainda que a proposta do Pará entra em choque com a nova Lei Federal nº 15.042/2024, que estabelece diretrizes para o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Entre os pontos mais críticos estão:

Modelo de repartição de benefícios: O projeto da Semas propõe percentuais fixos para diferentes grupos (52% para comunidades tradicionais, 14% para agricultores familiares, etc.), com base em uma lógica de “estoque-fluxo”. No entanto, a lei federal determina que, nos programas de mercado, a distribuição deve seguir o critério de estoque de vegetação remanescente — ou seja, os recursos devem ir proporcionalmente às áreas que conservaram floresta, e não a categorias sociais definidas previamente.

Direito de exclusão dos territórios: A proposta paraense exige que um território comprove titularidade da terra e regularidade ambiental para sair do programa. A lei federal, no entanto, é clara ao garantir que qualquer proprietário ou usufrutuário possa se retirar a qualquer tempo e sem condicionantes.

Falta de clareza no modelo proposto: Os documentos da Semas misturam abordagens de mercado (venda de créditos de carbono) com políticas públicas não vinculadas ao mercado, o que confunde as comunidades e dificulta a compreensão do que está realmente em jogo.

Comunidades se manifestam contra

A recomendação do MP também menciona que, em 8 de maio, lideranças de comunidades quilombolas e ribeirinhas encaminharam uma representação às autoridades ambientais criticando o modelo de consulta adotado pelo governo. Para essas lideranças, o processo imposto pela Semas desconsidera os protocolos autônomos de consulta e apresenta uma “metodologia única”, incompatível com a diversidade cultural e decisória dos povos afetados. Além disso, reclamaram que nunca receberam formalmente a apresentação do conteúdo que seria objeto de discussão.

O que o Ministério Público recomenda

Diante das ilegalidades e incoerências constatadas, os Ministérios Públicos recomendam que o governo estadual:

Divulgue publicamente e de forma acessível o conteúdo integral da proposta do REDD+ aos povos e comunidades tradicionais;

Assegure que os planos de consulta só sejam definidos após que esses grupos compreendam plenamente os documentos e impactos do programa;

Corrija nos materiais oficiais todas as informações que contrariem a legislação federal;

Explique claramente às comunidades quais são os limites legais para a repartição de benefícios e o direito de exclusão do programa;

Detalhe como será feito o cálculo e a transferência dos recursos gerados pelos créditos de carbono diretamente às comunidades cujos territórios conservam floresta;

Interrompa de imediato qualquer atividade de CPLI relacionada ao REDD+, até que a recomendação seja integralmente atendida.

O que é uma recomendação do MP?

A recomendação é um instrumento extrajudicial utilizado pelo Ministério Público para tentar resolver conflitos ou corrigir irregularidades sem precisar recorrer ao Judiciário. Embora não tenha caráter obrigatório, ela serve como advertência formal: se não for acatada, ou se a justificativa do poder público para não seguir as orientações for considerada frágil, o MP pode entrar com ações cíveis ou penais contra os gestores responsáveis.

Íntegra da recomendação

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