Mais um escândalo de proporções alarmantes abala o Brasil, desta vez envolvendo o seguro-defeso, programa do INSS destinado a apoiar pescadores artesanais durante o período de reprodução dos peixes. Segundo investigação publicada pelo portal UOL, o benefício, que deveria amparar trabalhadores da pesca, está sendo desviado em esquemas fraudulentos na região Norte, com pagamentos milionários a pessoas que nunca lançaram uma rede ao mar.
O caso é um retrato gritante da fragilidade dos controles públicos e da audácia de esquemas que sangram os cofres do país.
Em Mocajuba, no Pará, a situação beira o absurdo: em 2024, quase toda a população adulta foi registrada como pescadora, um número que desafia qualquer lógica, já que a cidade não tem estrutura pesqueira para justificar tal volume. O mesmo padrão se repete em municípios como São Sebastião da Boa Vista (PA), Boa Vista do Gurupi (MA), Cedral (MA) e Ponta de Pedras (PA), onde mais de 30% dos adultos estão inscritos como pescadores, conforme cruzamento de dados do Ministério da Pesca e do IBGE.
Em Cametá (PA), pasmem, 44 mil pessoas — um terço da população — aparecem como beneficiárias, com 31,9 mil novos registros apenas em 2024.
O crescimento artificial de cadastros no Registro Geral da Pesca (RGP) é igualmente estarrecedor. De 1 milhão de inscritos em 2022, o número saltou para 1,7 milhão até maio de 2025, um aumento de 500 mil em menos de um ano. O Maranhão lidera com 590 mil registros, seguido pelo Pará, com 347,5 mil.
Contudo, a produção pesqueira não acompanha essa explosão: o Maranhão, com apenas 50,3 mil toneladas em 2022, é o sexto em produção nacional, enquanto o Pará, com 25,1 mil toneladas, fica ainda mais atrás. Para comparação, o Paraná, líder em pesca, produziu 194,1 mil toneladas. No Maranhão, a discrepância é ainda mais escandalosa: o estado possui apenas 621 embarcações cadastradas e nenhuma empresa pesqueira, contra 218 em Santa Catarina.
PF na cola
As investigações apontam para entidades conveniadas ao INSS como peças centrais do esquema. No Maranhão, o deputado estadual Edson Cunha de Araújo (PSB), presidente licenciado da Federação dos Pescadores, é alvo da Polícia Federal por movimentar R$ 5,4 milhões entre maio de 2023 e maio de 2024, segundo o Coaf.
No Pará, José Fernandes Barra, presidente da Fetape-Pará e da colônia de Cametá, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por irregularidades entre 2020 e 2021. A PF estima que as fraudes no Pará gerem um prejuízo mensal de até R$ 130 milhões, com práticas que incluem o uso indevido de senhas de servidores públicos e a retenção de parte dos benefícios pelas entidades.
O governo federal, pressionado pelo escândalo, anunciou medidas como validação biométrica obrigatória para novos registros, formalizada por decreto em 25 de junho, e a exigência de homologação pelas prefeituras, estabelecida por medida provisória de 11 de junho. O Ministério da Pesca promete cruzamentos de dados com outras bases governamentais, enquanto o TCU conduz uma auditoria sigilosa para apurar o rombo.
Crime reincidente
O que choca, porém, é a reincidência. Em 2015, a Operação Enredados já havia desmantelado um esquema semelhante, reduzindo os beneficiários em 45%. Abrão Lincoln, então presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA), foi preso e virou réu por corrupção e lavagem de dinheiro.
Hoje, incrivelmente, ele segue no comando da CBPA e, em 2024, participou da inauguração da nova sede da entidade ao lado do ministro da Pesca, André de Paula (PSD). Lincoln nega irregularidades, mas sua declaração ao UOL é um tapa na cara da sociedade: “Todo mundo avacalhou, todo mundo tirou carteira de pescador para ter acesso aos benefícios sociais”. Ele ainda critica a validação por prefeituras, chamando-a de “instrumento político”. A desfaçatez é revoltante.
Este escândalo é mais um capítulo na crônica de desmandos que assolam o Brasil. A facilidade com que entidades e políticos manipulam programas sociais para enriquecimento ilícito expõe a fragilidade de um sistema que parece feito para falhar.
Enquanto trabalhadores genuínos lutam para sobreviver, milhões de reais engrossam os bolsos de oportunistas. Até quando o Brasil tolerará tamanha afronta?
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