Um pirata francês ajudou a fundar Belém

O desconhecimento da presença de piratas no início da História de Belém só não é mais surpreendente porque, afinal, quase todo o passado do Pará é, hoje, ignorado pelos paraenses

Esta é uma aberração produzida na nossa cultura pela ausência de maior espaço reservado, nos currículos escolares, aos estudos da História Regional.

Infelizmente, hoje, o passado da Amazônia se tornou assunto reservado para especialistas.

Fosse outro o nosso processo educativo, uma figura aventureira, como a do pirata francês Charles Des-Vaux, certamente, despertaria curiosidade nos jovens pelas circunstâncias da fundação de Belém, em 1616.

Ele tinha chegado ao Maranhão, por volta de 1606, clandestinamente, com outro pirata, seu companheiro, Jacques Riffaut

Os dois naufragaram, por volta de 1606, em frente à Ilha de Santana, próxima de São Luís.

Depois do naufrágio, resolveram permanecer na região.

E, à medida em que a foram conhecendo, em constantes deslocamentos, mais sonhavam com um entreposto comercial da França, cuja finalidade seria o envio para o país deles, das riquezas da Amazônia.

Jacques Riffaut chegou a retornar à França com o objetivo de tentar convencer o rei Henrique IV a enviar para a Amazônia algum mensageiro de confiança dele.

A fim de que este mensageiro pudesse confirmar a existência daquelas riquezas, descobertas por ele e Des-Vaux. E o rei, então, enviasse para a Amazônia a expedição com propósito de instalar nela o entreposto comercial sonhado pelos dois. 

Riffaut, porém, por algum motivo, não atingiu seu objetivo.

Coube, então, a Des-Vaux fazer nova tentativa. 

E, na sua vez, teve sucesso.

Provavelmente, porque argumentou com o conhecimento detalhado da Amazônia que ele havia adquirido.

À região o pirata havia se adaptado tão bem, que chegou a aprender a língua de uma comunidade indígena.

E até a exercer um papel de liderança nela.

De qualquer forma, após ouvi-lo, Henrique IV, preventivamente, mandou ao Maranhão Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, com a incumbência de confirmar as boas notícias anunciadas por Des-Vaux.

La Touche chegou ao Maranhão, acompanhado de Des-Vaux.

E, os dois viajaram juntos pelo Gram-Pará, até alcançarem um sítio – ocupado, mais tarde, pela cidade de Vigia – a 160 quilômetros do lugar onde Belém seria fundada, poucos anos depois.

La Touche, então, retornou à França com a confirmação do que Des -Vaux tinha dito ao rei.

Mas, Henrique IV foi assassinado.

Quem assumiu o lugar dele foi a rainha católica Maria de Médicis, regente da menoridade de Luís XIII.

Ela concordou com a organização da expedição, desde que fossem satisfeitas duas exigências suas.

Primeira, as despesas teriam de ser divididas entre o próprio La Touche e dois empresários calvinistas interessados na exploração do futuro entreposto comercial, o banqueiro Nicola de Harlay – barão de Sancy, e, François de Razilly.

Segunda, à expedição deveriam ser incorporados religiosos católicos, para que nela não preponderasse a religião dos empresários calvinistas.

Em 1612, a expedição foi organizada.

Integraram-na 500 aventureiros, quatro frades e dois historiógrafos, todos sob o comando de Daniel de La Touche.

Assim, no dia 8 de setembro de 1612, como os dois piratas haviam planejado, os franceses fundaram o povoado de São Luiz e passaram a dominar a capitania do Maranhão.

O domínio deles, contudo, só durou dois anos.

Em 1614, eles foram expulsos do Maranhão, pelas tropas portuguesas comandadas por Jerônimo de Albuquerque.

La Touche e Des-Vaux ficaram retidos em São Luís pelos portugueses exatamente porque ambos tinham percorrido o caminho marítimo até onde Belém deveria ser fundada.

De sua parte, La Touche havia empenhado sua palavra, para tranquilizar os portugueses, garantindo  que eles não encontrariam outros estrangeiros naquela área.

Quanto a Des-Vaux, era quem detinha o conhecimento da navegação na região.

Na realidade, deveu-se a Des-Vaux, em boa parte, o êxito da viagem empreendida a partir de São Luís, no Maranhão, pela esquadra comandada por Francisco Caldeira Castelo Branco, cujo objetivo foi fundar nossa cidade.

Sem o pirata, a viagem poderia ter sido, no mínimo, dificultada, enormemente.

Isto porque os pilotos portugueses que estavam em São Luís não sabiam como navegar na direção do Pará.

Charles Des-Vaux orientou a viagem dos três barcos, sob o comando de Castelo Branco, com 150 soldados, alimentos e equipamentos militares, na condição de prisioneiro das tropas lusitanas.

Estes serviços, essenciais ao êxito da frota comandada por Castelo Branco, deveriam ter sido suficientes para garantir alguma espécie de anistia aos dois franceses.

Em vez disto, ocorreu, na realidade, que os dois, ainda prisioneiros, foram enviados para as masmorras de Portugal.

E, lá, morreram. 

Com eles, contudo, não se esgotaram os fatos que tiveram a presença de piratas, naquele período da nossa história.

Cerca de 40 anos depois, surgiu no Gram-Pará outro pirata – desta vez, um holandês.

Num papel bem inferior.

O de assaltante do padre Antônio Vieira.

Em 1654, Vieira viajava para Portugal.

Mais notícias de piratas, no Gram-Pará, apareceram 35 anos mais tarde.

Embora, no ano anterior, o rei de Portugal tivesse determinado ao governador do Estado que só liberasse os navios no porto de Belém, quando eles fossem viajar em comboios.

Supostamente, portanto, com maior segurança.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

A French pirate helped found Belém

The ignorance of pirates’ presence in the early history of Belém is only less surprising because, after all, nearly all of Pará’s past is, today, overlooked by its people.

This is an aberration produced in our culture by the lack of greater space reserved, in school curricula, for the study of regional history.

Unfortunately, today, the Amazon’s past has become a subject reserved for specialists.

If our educational process were different, an adventurous figure like the French pirate Charles Des-Vaux would surely spark curiosity among young people about the circumstances of Belém’s founding in 1616.

He had arrived in Maranhão around 1606, clandestinely, with another pirate, his companion, Jacques Riffaut.

The two were shipwrecked around 1606 off Santana Island, near São Luís.

After the shipwreck, they decided to stay in the region.

As they explored it through constant travels, they increasingly dreamed of a French trading post aimed at sending the Amazon’s riches to their country.

Jacques Riffaut returned to France to try to convince King Henry IV to send a trusted envoy to the Amazon.

This envoy was to confirm the existence of the riches discovered by him and Des-Vaux, so the king could then send an expedition to establish the trading post they envisioned.

Riffaut, however, for some reason, failed to achieve his goal.

It then fell to Des-Vaux to make another attempt.

And, in his turn, he succeeded.

Likely because he argued with the detailed knowledge of the Amazon he had acquired.

The pirate had adapted so well to the region that he learned the language of an indigenous community.

He even assumed a leadership role within it.

In any case, after hearing him, Henry IV cautiously sent Daniel de La Touche, Lord of La Ravardière, to Maranhão to confirm the promising news reported by Des-Vaux.

La Touche arrived in Maranhão accompanied by Des-Vaux.

Together, they traveled through the Gran-Pará until they reached a site—later occupied by the city of Vigia—160 kilometers from where Belém would be founded a few years later.

La Touche then returned to France with confirmation of what Des-Vaux had told the king.

But Henry IV was assassinated.

His place was taken by the Catholic queen, Marie de Médicis, regent during the minority of Louis XIII.

She agreed to organize the expedition, provided two conditions were met.

First, the costs had to be shared between La Touche himself and two Calvinist entrepreneurs interested in exploiting the future trading post: the banker Nicolas de Harlay, Baron of Sancy, and François de Razilly.

Second, Catholic clergy had to be included in the expedition to ensure the Calvinist entrepreneurs’ religion did not predominate.

In 1612, the expedition was organized.

It included 500 adventurers, four friars, and two historiographers, all under the command of Daniel de La Touche.

Thus, on September 8, 1612, as the two pirates had planned, the French founded the settlement of São Luís and took control of the Maranhão captaincy.

Their control, however, lasted only two years.

In 1614, they were expelled from Maranhão by Portuguese troops led by Jerônimo de Albuquerque.

La Touche and Des-Vaux were detained in São Luís by the Portuguese precisely because both had traveled the maritime route to where Belém would later be founded.

For his part, La Touche had given his word to reassure the Portuguese, guaranteeing they would not encounter other foreigners in that area.

As for Des-Vaux, he was the one with knowledge of navigation in the region.

In reality, the success of the journey undertaken from São Luís, Maranhão, by the fleet commanded by Francisco Caldeira Castelo Branco, aimed at founding our city, was largely due to Des-Vaux.

Without the pirate, the journey could have been, at the very least, greatly hindered.

This was because the Portuguese pilots in São Luís did not know how to navigate toward Pará.

Charles Des-Vaux guided the journey of the three ships under Castelo Branco’s command, carrying 150 soldiers, food, and military equipment, as a prisoner of the Portuguese troops.

These services, essential to the fleet’s success under Castelo Branco, should have been enough to grant some form of amnesty to the two Frenchmen.

Instead, both, still prisoners, were sent to Portugal’s dungeons.

And there, they died.

However, the presence of pirates in that period of our history did not end with them.

About 40 years later, another pirate appeared in the Gran-Pará—this time, a Dutchman.

In a much lesser role.

That of an assailant of Father Antônio Vieira.

In 1654, Vieira was traveling to Portugal.

More news of pirates in the Gran-Pará emerged 35 years later.

Although, the previous year, the king of Portugal had ordered the state governor to only release ships from Belém’s port when they traveled in convoys.

Supposedly, for greater safety.

  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

(Illustration: Image of a pirate from the 1600s)

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