Delegados globais reagem a preços ‘inaceitáveis’ em Belém e exigem solução imediata para COP30

Críticas de países africanos e europeus escancaram risco de cúpula climática esvaziada e de exclusão de nações mais pobres, enquanto setor hoteleiro bate de frente com governo

Brasília – A realização da COP30 em Belém, capital do Pará, em novembro de 2025, está sob séria ameaça. A polêmica em torno dos preços exorbitantes e da incerteza na disponibilidade de hospedagem na cidade levou o Büro, o órgão composto por representantes de todas as regiões geográficas da ONU, a alertar o governo brasileiro sobre a possibilidade de a convenção ser transferida para outra cidade. Fontes do próprio governo federal confirmaram que o aviso foi dado durante a 62ª reunião dos Órgãos Subsidiários da ONU (SB62), que ocorreu em Bonn, na Alemanha, na semana passada.

A irritação de delegados de mais de 190 nações, ambientalistas e membros da sociedade civil internacional atingiu um ponto crítico. Segundo a imprensa alemã e européia, o clima “azedou nos últimos dias” com a falta de informações claras sobre acomodações, seus custos e a logística de mobilidade. As delegações manifestaram “preocupação com a falta de informações sobre onde se hospedar, a que preços e como será a mobilidade durante a conferência”.

O alerta da ONU
A mensagem do Büro é clara: se a questão da hospedagem não for resolvida rapidamente, o Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima (UNFCCC) poderá emitir um pedido formal de mudança de sede. Embora a prerrogativa final de mudar o local seja exclusivamente do Brasil, tal cenário seria um golpe devastador para a imagem do país, tanto no âmbito doméstico quanto internacional. Mais do que isso, representaria um desperdício do vultoso investimento já feito: o governo federal destinou cerca de R$ 4,5 bilhões para a COP em Belém.

O problema central reside nos valores cobrados pelos hotéis. Uma chefe de delegação europeia revelou que as diárias em Belém estariam custando pelo menos cinco vezes o valor concedido pela ONU, que é de US$ 145. Enquanto em COPs anteriores, como Dubai (2023) e Baku (2024),a União Europeia pagou entre US$ 250 e US$ 300 por diária, o valor oficial para o Brasil seria de US$ 700. Contudo, relatos indicam que os preços de mercado estão “cinco vezes mais altos do que nossos orçamentos permitem”, segundo um negociador europeu, chegando a US$ 1.000 ou mais, e em alguns casos, US$ 2 mil.

Clamor por inclusão e equidade
A questão da hospedagem transcende a mera logística, tornando-se um ponto sensível de inclusão e equidade. Representantes de países em desenvolvimento, especialmente da África, das Pequenas Ilhas (Aosis) e do Timor Leste, foram os mais vocais. O delegado das Maldivas, em nome da Aosis, exigiu clareza sobre custos. O de Timor Leste enfatizou a necessidade da presença de todos os países para uma COP de implementação, criticando os preços que “não são aceitáveis para os países da Aosis”.

O representante da Tanzânia foi ainda mais direto, afirmando que, se a COP30 for em Belém com esses valores, eles “não irão”. O delegado do Chile, representando a América do Sul e Caribe, ecoou o sentimento: “Se continuar assim, não iremos”. A diretora-executiva da CAN (Climate Action Network), Tasneem Essop, rede global com mais de 1.900 organizações ambientalistas, ressaltou em Bonn que “acomodação é uma questão de equidade, de inclusão e de direito”, sendo aplaudida por sua veemência. Segundo os acalorados debates no campus da ONU em Bonn, Alemanha, na semana passada, que sediou a reunião do Büro, órgão da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima (UNFCCC), “esta é a primeira vez que a delegação da CAN chega ao evento preparatório em Bonn sem ter lugar reservado para a COP.”

Governo na defensiva e setor hoteleiro na resistência
Diante do cenário de pressão internacional, o governo brasileiro, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) do Ministério da Justiça, notificou formalmente 24 estabelecimentos de hospedagem e o Sindicato de Hotéis e Restaurantes dos Municípios de Belém e Ananindeua. A ação tem “caráter preventivo” para apurar “práticas abusivas e aumentos atípicos nos preços”. A Senacom solicitou dados sobre valores cobrados nos últimos cinco anos, especialmente no período do Círio de Nazaré – um grande evento que anualmente atrai 2,5 milhões de pessoas à cidade – e as justificativas para os preços atuais.

O setor hoteleiro, no entanto, reagiu com veemência. Em ofício à Senacom, o sindicato afirmou que a solicitação “ultrapassa os limites legais de sua atuação institucional, representando tentativa de intervenção indevida na autonomia da iniciativa privada”. Eduardo Boullosa Júnior, presidente do sindicato, negou boicote e atribuiu o problema à “falta de diálogo” entre a organização da conferência e o setor, além de um “excesso muito grande de imposição” do poder público.

Boullosa Júnior defendeu a liberdade de cada hotel para cobrar o preço que desejar e criticou a comparação dos preços da COP com o Círio de Nazaré, que dura apenas dois dias, enquanto a COP são 15. A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-PA) também afirmou que “não aceita ameaças em nenhum tipo de negociação”.

Implicações políticas
A possibilidade de mudança de sede não é inédita. Em 2019, o Chile transferiu a COP25 de Santiago para Madri, na Espanha, a apenas três meses do evento, devido a manifestações internas. A hospedagem também gerou incertezas em COPs anteriores, como a COP26 em Glasgow, no Reino Unido.

Pavilhão Pará COP30, no Parque da Cidade. Foto: Bruno Cecim/Ag.Pará

A situação em Belém, contudo, ganha contornos dramáticos no cenário político brasileiro. A escolha da capital paraense pelo presidente Lula tem forte simbolismo, sendo a primeira COP na Amazônia. O governador Helder Barbalho (MDB-PA), aliado de Lula na região, tem a COP30 como o maior evento no Brasil em 2025, um ano antes da eleição presidencial. Para o Planalto, o evento “não pode dar errado”.

O secretário extraordinário da COP30 Valter Correia: declarações otimistas de que a situação será contornada pelo governo brasileiro. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O Secretário Especial da COP30, Valter Correia, responsável pela logística, tentou transmitir otimismo em Bonn, garantindo que “ninguém ficará sem hospedagem de qualidade e a preços decentes”, e que a cidade terá 30 mil opções de hospedagem, com as primeiras 2.500 disponíveis em junho. No entanto, o Observatório do Clima, através de Claudio Angelo, já classifica a “logística da COP30 como uma bomba-relógio pronta a explodir, por causa da falta de preparo do governo federal”.

A comunidade internacional levanta três riscos claros: uma COP não inclusiva (“onde só ricos poderão participar”), uma COP esvaziada em um momento de urgência climática, e a perda da oportunidade de limitar o aquecimento global a 1,5°C devido a problemas logísticos. Como lamentou um negociador: “O Brasil, na presidência da COP30, vive uma tempestade perfeita.”

Apesar das garantias oficiais, o ceticismo persiste entre as delegações, que cobram ações concretas e rápidas. O futuro da COP30 em Belém pende de um fio, enquanto a tensão entre governo e setor hoteleiro promete novos capítulos.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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