Em dois anos (2023 e 2024), 37 casamentos homoafetivos foram realizados em Marabá. O número pode parecer pequeno em comparação aos dados dos enlaces heteroafetivos, que somam 2.697 no mesmo período. No entanto, para a comunidade LGBTQIAPN+, o direito de ter o relacionamento validado legalmente é recente e ainda cercado de preconceitos.
No ano de 2023, a terra de Francisco Coelho teve 21 casamentos homoafetivos realizados no Cartório de Registro Civil do município. No ano seguinte, esse número caiu 76,19% e foi para 16. Mas a diminuição nos números não deve ser lida como uma regressão dos direitos LGBTQIAPN+, e sim como sinal de que a luta da comunidade ainda não está ganha. Ela deve ser fortalecida em todas as frentes, principalmente naquelas que garantem os direitos de cidadania à população.
E foi em dezembro de 2024 que Zeus Bandeira, filho de Marabá e jornalista, e Matheus Sodré, natural de Capanema e médico, transformaram amor em direito e assinaram a união estável. A ideia da união formal foi plantada quando Matheus, que estava se formando no curso de Medicina e pretendia continuar morando em Marabá, convidou Zeus para morarem juntos. Foi assim que, com dois anos e meio de namoro, foram até o cartório para selar o relacionamento de maneira legal.
Ainda que o estado civil de quem vive em união estável seja “solteiro”, a lei a equipara ao casamento e reconhece a união estável como entidade familiar, garantindo os mesmos direitos e deveres. Mas, apesar de validada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a união de pessoas do mesmo sexo não está isenta de preconceitos.
“Já houve campanhas, inclusive com apoio de políticos, contra esse tipo de união. Mas, hoje em dia, graças à luta de muitos grupos, coletivos, movimentos e também de políticos que passaram a apoiar a união entre pessoas do mesmo sexo, a gente pode se casar, pode formalizar uma união estável. Isso faz com que a gente se sinta visibilizado. A gente se sente visto, representado diante da sociedade”, desabafa Zeus para a reportagem deste CORREIO.
Para ele, vivenciar o processo de documentar o relacionamento em cartório é também uma forma de encorajar outros casais da comunidade LGBTQIAPN+ a seguirem o mesmo caminho. Contudo, a informação não chega para todos. Muitos não sabem que o casamento e a união estável de pessoas do mesmo sexo são um direito.
“Eu acredito que, a gente mostrando para a sociedade que fizemos a nossa união estável em cartório, outras pessoas fiquem sabendo e também criem coragem para formalizar seus relacionamentos. É um direito conquistado por vários anos de lutas dos ativistas. Antes, nós éramos invisibilizados, e hoje em dia, não”, diz com veemência.
Os dados e os relatos mostram que o reconhecimento legal das relações homoafetivas em Marabá avança, mas ainda enfrenta obstáculos. A formalização da união estável por casais como Zeus e Matheus evidencia conquistas importantes, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de ampliar o acesso à informação e combater o preconceito. O direito já existe — falta garantir que ele chegue a todos.
MAIS DADOS
A regulamentação do casamento homoafetivo no Brasil foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, por meio de uma resolução que tornou possível a realização de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, seja por habilitação direta ou conversão de união estável. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal equiparou as uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça publicou uma resolução autorizando o casamento civil.
Dados consolidados pelo Portal da Transparência do Registro Civil, base de dados nacional administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), mostram um total de 381 matrimônios entre pessoas do mesmo sexo e outras 56 alterações de gênero realizados em 2024 entre os paraenses. Os 381 casamentos homoafetivos registrados em 2024 correspondem a um aumento de 220,2% em relação a 2020, quando foram realizados 119 casamentos.
Há ainda outro dado simbólico: 136 alterações de gênero foram realizadas desde 2020 nos Cartórios de Registro Civil do Pará. Em Marabá, foram seis mudanças registradas em 2023 e sete em 2024.
O número de casamentos homoafetivos consolidados no último ano é 215% maior que os 183 registrados em 2023 e 556,90% superior aos 58 realizados em 2014. Somente nos cinco primeiros meses de 2025, 173 casamentos entre pessoas do mesmo sexo já foram realizados no estado.
Regulamentadas nos cartórios desde 2018, as 56 mudanças de nome e sexo registradas no Pará em 2024 representam um crescimento de 180% em relação a 2023, quando foram registrados 20 atos, e 1.020% de aumento em comparação a 2019 (5 atos), primeiro ano completo após a edição do Provimento nº 73/2018 do CNJ, que estabeleceu o procedimento. De janeiro a maio de 2025, 35 mudanças de gênero já foram registradas, indicando novo recorde ao fim do ano.
Para realizar o casamento civil, é necessário que os noivos, acompanhados de duas testemunhas (maiores de 18 anos e com seus documentos de identificação), compareçam ao Cartório de Registro Civil da região de residência de um dos noivos para dar entrada na habilitação do casamento. É preciso apresentar:
– Certidão de nascimento (se solteiros);
– Certidão de casamento com averbação de divórcio (para os divorciados);
– Certidão de casamento averbada com óbito do cônjuge (para os viúvos);
– Documento de identidade e comprovante de residência.
O valor do casamento é tabelado em cada estado da Federação e pode variar de acordo com a escolha do local da cerimônia — na sede do cartório ou fora dela (em diligência).
Para a alteração de nome e gênero, é necessário apresentar todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e certidões dos distribuidores cíveis e criminais (estaduais e federais) dos últimos cinco anos, além das certidões de execução criminal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Após análise documental, o oficial de registro realiza uma entrevista com a pessoa interessada.
A Arpen-Brasil disponibiliza uma cartilha completa com orientações para o público. Importante: não é necessário laudo médico ou psicológico para a realização do ato. Eventuais apontamentos nas certidões não impedem a mudança, cabendo ao cartório comunicar os órgãos competentes sobre a alteração realizada. A emissão dos demais documentos (como RG e CPF) deve ser solicitada diretamente aos órgãos responsáveis.
(Luciana Araújo com informações da Ascom ANOREG/PA)
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