Debate sobre a judicialização de atos executivos e a necessidade de cortar gastos pautou a sessão que liberou fundos para desastres e reconheceu o impacto do trabalho doméstico
Brasília – A Câmara dos Deputados realizou uma sessão deliberativa nesta terça-feira, (1/7), marcada por debates intensos sobre a política fiscal, a relação entre os Poderes e a inclusão social. Sob a condução rotativa dos deputados Paulo Folletto (PSB-ES), Charles Fernandes (PSD-BA), Elmar Nascimento (UNIÃO-BA) e Gilberto Nascimento (PSD-SP) — o presidente Hugo Motta (REPUBLICANOS-PB), cumpre compromisso em Portugal —, os parlamentares aprovaram um crédito extraordinário para ações de integração regional e um projeto de lei que visa reconhecer a economia do cuidado no sistema de contas nacionais. A sessão teve início às 13h56 e foi encerrada às 20h23.
Aberta a Ordem do Dia, a pauta principal com cinco projetos na pauta, só analisou dois deles. A primeira, a Medida Provisória (MP) nº 1.299, de 2025, propôs a abertura de um crédito extraordinário de R$ 520 milhões em favor do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. A relatora da MP na Comissão Mista, senadora Professora Dorinha Seabra, emitiu parecer favorável, atestando a relevância e urgência da matéria.
O debate sobre a MP foi precedido por um requerimento de retirada de pauta apresentado pela oposição. O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), pela Oposição, defendeu a retirada como uma “obstrução política” ligada à “pauta da anistia”, embora afirmasse ser favorável à matéria em si. Em contraste, a maioria das bancadas, incluindo o MDB, a Federação PT/PCdoB/PV (representada pelo deputado Bohn Gass), o PDT, o PSD e o Partido Novo (pelo deputado Marcel van Hattem), manifestou-se contra a retirada, enfatizando a urgência dos recursos para auxiliar estados e municípios em situações de calamidade. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) ressaltou que a medida é essencial para socorrer municípios afetados por eventos climáticos extremos. O requerimento de retirada de pauta foi rejeitado por 221 votos a 69.
Após a rejeição, a MP 1.299/2025 foi submetida à discussão e votação. Parlamentares como o deputado Eli Borges (PL-TO) criticaram a previsibilidade orçamentária do governo, enquanto outros, como o deputado Bohn Gass (PT-RS), defenderam que os gastos se destinam a auxiliar os municípios e estados em dificuldades e que o governo busca responsabilidade fiscal aliada à social. O deputado Bibo Nunes (PL-RS) apoiou a medida para o Rio Grande do Sul, mas considerou o valor insuficiente e criticou a demora do Senado em aprovar a PEC 44, que destinaria mais recursos para calamidades. A Medida Provisória foi aprovada em votação simbólica tanto em seu parecer quanto em seu texto final e segue para exame e votação no Senado Federal.
A segunda matéria de destaque foi o Projeto de Lei (PL) nº 638, de 2019, de autoria da deputada Luizianne Lins (PT-CE), que trata da inclusão da economia do cuidado no sistema de contas nacionais. A relatora, deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), apresentou um substitutivo que visa quantificar e dar visibilidade ao trabalho não remunerado de cuidado, predominantemente realizado por mulheres, sem que isso implique na sua inclusão direta no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB).
A discussão sobre o PL 638/2019 também gerou debate. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) defendeu o projeto como essencial para valorizar o trabalho da mulher e criar políticas públicas de cuidado. Por outro lado, Bibo Nunes expressou receio de que a medida pudesse “deturpar o PIB”, utilizando a metáfora do “cachorro mordido por cobra” para expressar ceticismo. Marcel van Hattem ecoou essa preocupação, criticando o risco de “demagogia” e “maquiagem” dos números econômicos, além de questionar a credibilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Contudo, a relatora Talíria Petrone e o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) anunciaram um acordo. O texto do projeto seria modificado para esclarecer que as atividades não remuneradas da economia do cuidado, embora reconhecidas para indicadores e políticas públicas, não seriam consideradas para efeito do cálculo do PIB. Este acordo levou à retirada da obstrução por parte do Bloco PL.
O projeto foi aprovado em votação simbólica, com o Partido Novo se manifestando contrariamente. Um destaque (requerimento para votação em separado) sobre o Art. 5º do substitutivo, apresentado pelo Partido Novo, que permitiria a participação de “organizações sociais” na análise da economia do cuidado, foi discutido. Marcel van Hattem defendeu o destaque, expressando preocupação com a possível “instrumentalização” por grupos como o MST e a CUT. Embora o Partido Novo tenha votado contra a manutenção do texto (a favor do destaque), o destaque foi rejeitado por 274 votos a 73, mantendo a redação original que permite a participação das organizações sociais. O PL 638/2019, em sua redação final, foi aprovado e seguirá para o Senado Federal.
Panorama dos debates
Desde a abertura, a sessão foi permeada por diversas manifestações dos parlamentares nas “Breves Comunicações”, abordando temas variados:
Política fiscal e relação entre os Poderes
O tema fiscal foi central. deputados do PT, como Tadeu Veneri e Ivan Valente, defenderam a tributação de “banqueiros, bilionários e bets” e apoiaram a iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a derrubada da majoração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso, argumentando que o Executivo tem a prerrogativa constitucional de ajustar alíquotas. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) e Alencar Santana (PT-SP) reforçaram a legalidade da medida do IOF e a necessidade de o Executivo defender suas prerrogativas.
Contraditando, parlamentares da oposição, como o Coronel Chrisóstomo (PL-RO), Carlos Jordy (PL-RJ), Mauricio Marcon (PODE-RS) e Capitão Alberto Neto (PL-AM), criticaram veementemente a ação do governo no STF, classificando-a como uma “declaração de guerra” ao Congresso e uma violação da separação de Poderes. Eles argumentaram que o IOF, sendo um imposto regulatório e não arrecadatório, não deveria ser usado para cobrir rombos fiscais e que seu aumento impacta principalmente os mais pobres. Também lamentaram o que consideraram um “desrespeito” à decisão da Câmara, que derrubou o aumento do IOF por “acachapante” maioria (383 votos a 98). A deputada Any Ortiz (CIDADANIA-RS) apontou que o governo “não sabe perder” e recorre ao STF quando suas decisões não são acatadas pelo Congresso, citando também a desoneração da folha. O deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR) chegou a prever que o STF “vai mostrar seu desprezo pelo Congresso Nacional e vai declarar ilegal a nossa decisão, além de ser pelego do Governo”.
Economia e Políticas Sociais
O deputado Charles Fernandes (PSD – BA) levantou preocupações sobre a mão de obra no mercado de trabalho e o impacto do Bolsa Família na formalização do emprego. Deputados do PT, como Marcon e Zé Neto, celebraram o lançamento do “Plano Safra” com volumes recordes de recursos para a agricultura familiar e o agronegócio, além de citarem a queda do desemprego e a instalação da BYD (Fábrica de carros elétricos chinesa) na Bahia como sinais positivos da economia. Em contrapartida, o deputado Daniel Agrobom (PL-GO) expressou preocupação com cortes em subsídios do seguro rural e a necessidade de “securitização” para produtores rurais endividados.
Infraestrutura e Meio Ambiente
O deputado Ricardo Ayres (REPUBLICANOS -TO) manifestou preocupação com a suspensão das obras do Pedral do Lourenço, fundamental para a hidrovia do Tocantins. O deputado Bebeto (PP-RJ) abordou a revitalização da ferrovia e a duplicação da Presidente Dutra. O deputado Átila Lins (PSD-AM) trouxe à pauta a preocupação das famílias do Município de Boca do Acre com operações de fiscalização ambiental que ele considera excessivas, mencionando os acontecimentos em Apuí. O deputado Hildo Rocha citou problemas de infraestrutura em empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida. O deputado Sidney Leite (PSD-AM) destacou a relevância da COP30 em Belém para a Amazônia, defendendo que o evento não deve ser romantizado e que o desenvolvimento da região deve considerar a dignidade e qualidade de vida de sua população.
Houve também manifestações sobre o “Julho das Mulheres Negras” (deputada Jack Rocha), a necessidade de segurança para vigilantes privados (deputado Sargento Gonçalves), a implementação do primeiro Samu Indígena (deputado Geraldo Resende), projetos de lei para coibir “bailes inferninhos” e regulamentar a criação de cães como pitbulls (deputada Clarissa Tércio), a morte do cartunista Jorge Braga (deputado Célio Silveira), e a defesa da Trensurb e dos Correios (deputado Pompeo de Mattos).
A sessão refletiu a polarização política e as disputas sobre as agendas econômica e social, com o Congresso Nacional reafirmando seu papel nas deliberações sobre o futuro fiscal e social do país em meio a crescentes tensões com o Poder Executivo e Judiciário.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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