Especialistas divergem sobre ação do governo no STF contra derrubada do IOF

A decisão do governo de acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) contra o decreto legislativo que derrubou o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) provocou reações distintas entre especialistas em direito constitucional ouvidos pelo Poder360. Enquanto uma parte vê a iniciativa como correta para preservar o equilíbrio entre os Poderes, a outra critica o movimento e alerta para riscos institucionais e para o papel da AGU (Advocacia-Geral da União).

Na ação protocolada nesta 3ª feira (1º.jul), a AGU argumenta que o Congresso violou a separação de Poderes ao sustar o decreto presidencial que elevava alíquotas do IOF. O governo alega que a prerrogativa de definir esse tipo de tributo é do Executivo e que a decisão legislativa causou insegurança jurídica e prejuízo à arrecadação federal.

Para o advogado, professor e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados, Lenio Streck, o governo agiu de forma correta ao recorrer ao Supremo. Ele afirma que a derrubada do aumento configura uma tentativa do Congresso de usurpar prerrogativas do Executivo.

“Há flagrante inconstitucionalidade. O Legislativo tenta dar um drible no presidencialismo. Se a moda pega, o governo para de governar e o Legislativo assume no lugar, em matéria de atos regulatórios como o decreto sobre o IOF”, disse Streck.

Ele criticou a atuação do Congresso: “Querem transformar o sistema de governo em um ornitorrinco, aquele bicho que não se sabe se é pato ou porco. O Legislativo deveria fazer o que lhe cabe: leis. E estas, ele não faz como deveria”, declarou.

Já o advogado e professor André Marsiglia considera que o Supremo não deveria acolher o pedido do governo. Segundo ele, a AGU deveria defender interesses da União, e não do governo, e lembra que o Executivo até tem competência para alterar o IOF, mas não de forma irrestrita.

“Essa alteração não pode ter finalidade arrecadatória. Ao agir assim, o Congresso pode e deve sustar o decreto. O STF não pode funcionar como instância recursal das derrotas políticas do governo no Parlamento”, avaliou Marsiglia.

No Supremo, o ministro Alexandre de Moraes será o relator da ação da AGU. Ele já é o responsável por outras duas ações sobre o IOF: uma do PL (Partido Liberal), contra o decreto do governo, e outra do Psol (Partido Socialismo e Liberdade), contra a derrubada da medida. Tanto o governo, quanto o Psol pedem que o ministro dê uma decisão liminar pela manutenção do aumento do imposto. A decisão deverá ser validada pela Corte.

O advogado e sócio da Nimer Advogados, Carlos Nimer, avalia que é provável que a liminar seja concedida para o governo, mas que a discussão no Supremo seja jogada mais para frente. Há ainda a possibilidade de as ações se tornarem um processo de conciliação, nos moldes do que foi feito com as ações sobre emendas de congressistas, sob relatoria do ministro Flávio Dino.

AÇÃO DA AGU

A judicialização foi anunciada pelo ministro da AGU, Jorge Messias, nesta 3ª feira (1º.jul). Na prática, o governo quer que o STF diga que o aumento do IOF é responsabilidade do Executivo, portanto não poderia ter sido derrubado pelo Congresso.

Não é a 1ª vez que Lula vai ao Supremo por causa de questões relacionadas à arrecadação. Ele pediu em 2024 que a desoneração (isenção ou diminuição de benefícios) da folha de pagamentos a 17 setores empresariais fosse considerada inconstitucional. O impasse terminou em um acordo com o Congresso pelo fim gradual da desoneração.

A AGU é o órgão responsável por representar a União em ações na Justiça e presta consultoria jurídica ao governo federal. Em um resumo simplificado, é como se fosse o “advogado” do Executivo.

O IMPASSE DO IOF

O governo Lula queria emplacar a alta no imposto financeiro para fortalecer a arrecadação, evitar mais bloqueios do Orçamento e assim cumprir o arcabouço fiscal. A Receita Federal estima que a alta do IOF traria R$ 12 bilhões para o Ministério da Fazenda de Fernando Haddad.

O Congresso e o empresariado reagiram contra a medida. A Câmara e o Senado decidiram derrubar o texto que aumentou o IOF na 4ª feira (25.jun). Na Casa Baixa, foram 383 votos a favor da revogação e 98 contra. Os partidos PT, PV, PC do B, Psol e Rede orientaram voto contra. União Brasil, PP, PSD, PDT, PSB, MDB e Republicanos, que têm 14 ministérios, votaram em peso a favor da proposta. A aprovação foi a pior derrota de Lula e Haddad na Câmara no atual governo.

Já no Senado, a votação foi simbólica –sem contagem nominal. Depois da votação, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) disse que a decisão foi uma “derrota para o governo construída a várias mãos”.

Eis a cronologia do caso IOF:

  • 22.mai – durante a tarde, equipe econômica aumenta IOF via decreto para fortalecer a arrecadação, com impacto estimado de R$ 20,1 bilhões em 2025;
  • 22.mai – perto da madrugada, o Ministério da Fazenda revê parte do decreto, reduzindo a potencial arrecadação para R$ 19,1 bilhões;
  • 28.mai – depois de uma reunião, o Congresso dá 10 dias para Haddad apresentar alternativas ao decreto do IOF;
  • 8.jun – Haddad anuncia redução da alta do IOF e envio de uma medida provisória com aumento de outros impostos para compensar;
  • 11.jun – Haddad lança medida provisória com aumento de outros impostos e com mudanças em compensação tributária, com potencial de arrecadação de R$ 10 bilhões em 2025;
  • 16.jun – Câmara aprova urgência para votação do projeto para derrubar a alta do IOF;
  • 24.jun – de surpresa, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anuncia votação do projeto às 23h35 em uma rede social;
  • 25.jun – Câmara aprova queda do decreto por 383 votos a favor e 98 contra;
  • 25.jun – Senado derruba em votação simbólica (sem contagem de votos);
  • 1º.jul – governo aciona oficialmente o STF para judicializar o impasse.