Audiência pública na Câmara dos Deputados detalha preparativos e desafios financeiros e logísticos da COP30 em Belém

Representante do governo federal detalha onde está sendo investido R$ 5 bilhões, enquanto hospedagem em Belém impõe custos ‘fora da curva’

Brasília – Uma audiência pública promovida pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, realizada na quarta-feira (2), lançou luz sobre a complexa teia de organização, gestão e gastos públicos que envolvem a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Solicitada pelo deputado Junio Amaral (PL-MG), a sessão buscou esclarecimentos diante da “magnitude do evento e dos recursos públicos envolvidos”, destacando o compromisso do Brasil em sediar a conferência em Belém (PA) em novembro de 2025. O principal convidado a prestar contas foi Valter Correia da Silva, Secretário Extraordinário para a COP30, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, que apresentou um panorama detalhado dos avanços, desafios e mecanismos de controle fiscal adotados para garantir a realização do evento.

Ao longo da audiência, os três autores do Requerimento nº 133/2025, de iniciativa do deputado Junio Amaral (PL-MG), subscrito pela deputada Adriana Ventura (NOVO-SP) e pelo deputado Jorge Solla (PT-BA), sem qualquer justificativa, sequer compareceram  à sessão, que foi presidida pelo deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA). Com isso, o que transcorreu foi uma apresentação de um arquivo em formato photoshop, pelo principal e único convidado, que em nenhum momento foi contraditado ou perguntado sobre os problemas que se acumulam e são de conhecimento público, que estão ocorrendo nessa fase de preparação do evento, a quatro meses de sua realização.

Pré-COP
Iniciada a audiência, Valter Correia da Silva contextualizou a preparação para a COP30 em Belém, Pará, que ocorrerá de 10 a 21 de novembro de 2025, com a pré-COP em Brasília em 13 e 14 de outubro, e a Cúpula de Chefes de Estado em Belém de 6 e 7 de novembro, que se trata de um “empreendimento de vasta escala que envolve consideráveis investimentos e um meticuloso planejamento logístico.”

Análise de custos e orçamentos
O governo federal, ciente da envergadura da COP30, reservou R$ 1 bilhão no Orçamento de 2025. Conforme o parlamentar Junio Amaral, autor do requerimento, mas ausente da audiência, esses recursos são destinados a “projetos de infraestrutura, pesquisa e outros investimentos envolvendo a COP 30”. A gestão central desses fundos e a coordenação geral dos preparativos estão a cargo da Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop), criada em março de 2024 e com previsão de encerramento em junho de 2026. “Esta secretaria atua como ponto focal entre o governo federal e as Nações Unidas, com uma estrutura provisória e focada na coordenação interministerial e interfederativa”, explicou Valter da Silva.

Para a concretização dos planos, a Secop estabeleceu uma parceria estratégica com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), formalizada em dois projetos de cooperação no final de 2024. Um desses projetos, de menor vulto, com um custo de aproximadamente R$ 20 milhões, é dedicado ao planejamento interno das ações da própria Secretaria, estando ainda em fase de execução. O segundo projeto, de maior alcance, visa a realização de “diversas contratações para a estruturação, para a logística, para a realização da COP” em Belém. A escolha da OEI para essas parcerias não foi aleatória; a organização possui “experiência já bastante consolidada na realização de eventos internacionais e atuação com delegações estrangeiras”, tendo participado da organização de eventos como o G20 e o BRICS. Adicionalmente, a OEI é reconhecida por conduzir “processos licitatórios transparentes, convergentes com a nossa legislação nacional”, um ponto indispensável para a fiscalização.

Além do investimento federal direto, a COP30 está impulsionando aportes significativos em infraestrutura local. O governo do Pará, em colaboração com o governo federal, está investindo cerca de R$ 4 bilhões em obras estruturantes,”principalmente nas áreas de rios, de córregos, de calha, que precisam ser de saneamento básico”. Essas obras, que ficarão como legado permanente para a cidade, têm o potencial de beneficiar “diretamente ou indiretamente mais de 800 mil pessoas numa cidade que tem em torno de 1.400.000 habitantes”, o que representa “um pouco mais da metade” da população total. Outro investimento de peso é o Parque da Cidade, local principal do evento, que está sendo trabalhado com base em uma “compensação ambiental da companhia mineradora Vale S/A” no valor de R$ 1 bilhão, garantindo que a estrutura construída para a conferência se transforme em um espaço público duradouro para a comunidade. A construção de três novos hotéis, que somarão quase mil novos apartamentos, também representa um legado, sendo que um deles, com 405 apartamentos, será posteriormente convertido em sede administrativa do governo do estado após o término da COP.

Secretário Extraordinário da Casa Civil para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) – Casa Civil da Presidência da República, Valter Correia da Silva. Foto: Bruno Spada/Ag. Câmara

Desafios e gargalos logísticos/estruturais
O secretário extraordinário para a COP30, disse que apesar do planejamento avançado, a logística de um evento do porte da COP30 em Belém apresenta desafios consideráveis. Um dos “temas mais agudos da logística da viabilização da COP em Belém” é a hospedagem. O principal gargalo reside na “questão do custo das hospedagens em Belém, que alguns momentos realmente chegaram e ainda chegam em alguns momentos a pontos até bastante fora da curva, bastante dimensionado”. Para mitigar este problema, a Secop tem trabalhado intensamente, e a oferta atual de acomodações na cidade já supera as necessidades da ONU, que estimava 24 mil quartos. Atualmente, a cidade já conta com “pouco mais de 28 mil” quartos, totalizando 55 mil leitos disponíveis. Esta capacidade é diversificada e distribuída entre a rede hoteleira existente (7,9 mil quartos/14,3 mil leitos), a utilização de navios (3,9 mil cabines/5 mil leitos), o aluguel de curto prazo via plataformas como Airbnb e Booking (16,5 mil quartos/25 mil leitos) e “outras soluções” (1,3 mil quartos/10,5 mil leitos), que incluem a reforma de locais de hospedagem das Forças Armadas e a adaptação de escolas. O objetivo é oferecer “hospedagens para todos os públicos, desde os públicos mais exigentes, como chefes de Estado, ministros, etc., até a população, a sociedade, que deseja uma acomodação mais simples e, consequentemente, mais barata”. Há também negociações avançadas para a acomodação de povos originários.

Vistos
Outro ponto de atenção é a questão dos vistos para participantes internacionais. Historicamente, o Brasil não possuía um sistema eletrônico de emissão de vistos, o que representava uma burocracia potencial. Em resposta, um “e-Visa especial para a COP30 já está sendo implementado gratuitamente”, baseado no credenciamento pela UNFCCC (Secretariado da ONU). O portal oficial para inscrição já está disponível em cop30.br. Contudo, é crucial que os participantes solicitem o visto previamente, pois “não serão emitidos na chegada aos aeroportos em território brasileiro”.

Na esfera de logística e alfândega, os Correios foram contratados como o transportador oficial da COP, com a disponibilização de um centro logístico dedicado e uma central de vendas e relacionamento. Em relação à infraestrutura aeroportuária, um trabalho intenso tem sido feito com a concessionária do Aeroporto Internacional de Belém (NOA), que já possuía obras de ampliação e reforma previstas até 2026. A negociação resultou na antecipação da conclusão dessas reformas para outubro deste ano, otimizando o acesso à cidade. Esforços também estão em curso para ampliar o número de voos internacionais diretos para Belém, complementando as várias opções de conexão já existentes no Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Manaus, Recife, Guarulhos, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte e Campinas).

Parque da Cidade, local da COP30. Foto: Secop

Parque da Cidade
O local do evento, o Parque da Cidade, um antigo aeródromo federal cedido ao governo do estado, está em fase de montagem das estruturas para a Zona Azul (território da ONU) e a Zona Verde (área pública). A Zona Azul ocupará 240 mil metros quadrados, o equivalente a “34 campos de futebol”, dentro de uma área total de 500 mil metros quadrados. A Zona Azul será segmentada em áreas específicas para entrada, pavilhões e delegações, eventos paralelos, salas de negociação, escritórios de mídia (para mais de 3 mil profissionais), tecnologia, plenárias e um centro gastronômico. Este último, um prédio permanente, já está em fase final de construção e será um legado para a cidade.

Zoneamento Macro COP30:

Oportunidades e potenciais benefícios
Valter da Silva salientou que a COP30 representa uma “oportunidade bastante estratégica para reforçar a imagem internacional do Brasil”, colocando a Amazônia “no centro desse debate global” e reiterando o protagonismo do país na agenda climática. O evento já “impulsionou fortemente o turismo, não só de Belém, mas de toda a região”, gerando benefícios diretos para setores como rede hoteleira, alimentação e transporte, e conectando o desenvolvimento com a valorização das comunidades tradicionais. Esse crescimento do turismo de negócio e lazer tem sido “vertiginoso” desde o anúncio de Belém como sede.

SUS
No âmbito da saúde, uma oportunidade destacada é o acesso gratuito dos participantes ao Sistema Único de Saúde (SUS) em casos de urgência e emergência, um diferencial notável em comparação com outras COPs onde os delegados dependem de seguros privados e hospitais particulares. O SUS é reconhecido como “um dos maiores sistemas de saúde do planeta”, e sua gratuidade para os participantes é uma “novidade”. Belém também possui uma ampla rede privada de saúde. Recomenda-se a vacinação contra febre amarela e sarampo para os visitantes.

Prédio em construção – Centro Gastronômico. Imagem: Secop

Alimentação
A alimentação na COP30 será um reflexo da diversidade e sustentabilidade brasileiras. Haverá uma oferta “bastante saudável, inclusiva e culturalmente diversa”, com cardápios que respeitam diferentes dietas e tradições alimentares. Bebidas e alimentos estarão disponíveis gratuitamente e continuamente em locais acessíveis, com destaque para produtos locais e sazonais. Notavelmente, 40% das opções de alimentação serão vegetarianas ou veganas, e 30% dos alimentos serão provenientes da agricultura familiar e agroecologia. A iniciativa visa uma “baixa pegada de carbono”, com uso de utensílios compostáveis e recicláveis, separação e gestão de resíduos, e rastreabilidade da origem dos gêneros alimentícios.

Comunicação e emissões neutras
Em termos de comunicação, serão disponibilizados serviços de tradução e interpretação nas seis línguas oficiais da ONU, além do português, com opção de tradução multilíngue comercial e intérpretes de sinais internacionais. A acessibilidade também é um pilar, com todos os espaços projetados para serem acessíveis e com atendimento personalizado para necessidades específicas dos participantes, desde a chegada ao aeroporto até o local do evento.

O secretário extraordinário da COP destaca: “Um compromisso fundamental da COP30 é a busca pela neutralidade de carbono, seguindo a norma internacional PAS 2060. Todas as emissões geradas serão “cuidadosamente calculadas, reduzidas sempre que possível e de forma transparente”, utilizando o protocolo GHG, um padrão internacionalmente reconhecido.

Pontos de fiscalização e controle
A audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle reitera a prioridade do acompanhamento e fiscalização dos gastos públicos. O Secretário Valter Correia da Silva enfatizou a “transparência absoluta, total e com auditoria permanente sobre as licitações e contratações” realizadas tanto pela Secop quanto pela OEI. A Controladoria-Geral da União (CGU) é um “parceiro fundamental” nesse processo, com consultas “quase que diárias” e a formação de um grupo de trabalho com a Advocacia-Geral da União (AGU). Essa colaboração é essencial para navegar por “ações bastante diferentes do que a administração pública está acostumada a fazer”, como a contratação de navios-cruzeiro para hospedagem.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também está ativamente envolvido na supervisão. O próprio Secretário Valter Correia da Silva declarou ter visitado o TCU “pelo menos três vezes” para discutir projetos, o relacionamento com organizações internacionais, as contratações e as consultorias. Todas as licitações e contratações estão “disponibilizadas de forma bastante transparente e pública no site da Presidência da República” [https://www.gov.br/planalto/pt-br/agenda-internacional/missoes-internacionais/cop28/cop-30-no-brasil].

Segurança
De acordo com Valter da Silva, a segurança do evento é outra área sob rigoroso controle. Uma operação integrada está sendo planejada cuidadosamente, com a realização de “10 oficinas reunindo todos os órgãos de segurança do país”. Estão envolvidos Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Secretaria de Segurança Institucional da Presidência da República, e as Secretarias de Segurança Pública do Estado do Pará e da cidade de Belém. Uma “matriz de responsabilidade” foi definida, e os “planos tático-operacionais” estão sendo aprofundados para garantir segurança aérea, marítima, territorial e cibernética. A distinção entre Zona Azul (responsabilidade da ONU) e Zona Verde (responsabilidade do Brasil) na segurança é um ponto primordial, com o Brasil assumindo a segurança de toda a área urbana e dos pontos críticos.

Expectativas
Os preparativos para a COP30 em Belém, conforme detalhado na audiência pública, revelam um esforço coordenado e multifacetado do governo brasileiro e de seus parceiros. Embora desafios logísticos, como o alto custo da hospedagem, estejam sendo, como afirmou o secretário extraordinário “diligentemente abordados através de soluções inovadoras e expansão da oferta”, o foco primordial recai sobre a criação de um evento de impacto global com um legado duradouro para a região amazônica.

Os substanciais investimentos, incluindo o R$ 1bilhão federal e os R$ 4 bilhões transferidos ao governo do Pará em saneamento básico, bem como a obra do Parque da Cidade com compensação ambiental da Vale, demonstram um compromisso com a modernização da infraestrutura local que transcende a duração da conferência. A ênfase na sustentabilidade da alimentação, na acessibilidade e na oferta do SUS aos participantes sublinha a preocupação com a inclusão e o bem-estar. A audiência reforçou a importância da fiscalização rigorosa, com a atuação ativa da CGU, AGU e TCU, e a publicização de todas as contratações, assegurando a transparência na gestão dos recursos públicos. “A COP30, assim, se posiciona não apenas como um palco para debates climáticos decisivos, mas como um catalisador para o desenvolvimento regional e a projeção internacional da Amazônia e do Brasil”, sublinhou Valter da Silva.

Em quatro meses, a comunidade doméstica e internacional comprovará qual a distância entre planejamento e execução durante a conferência, o maior evento no país neste ano.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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