Landi é gente nossa!

Como é sabido, Belém tem longa tradição musical erudita e popular, variada produção literária, soberbo acervo arquitetônico, antiga História do Jornalismo, entre outras inúmeras manifestações da inesgotável criatividade da população amazônica.

Essa criatividade tem sido ressaltada com o revigoramento de suas produções cinematográfica, gráfica e fotográfica.

Além disto, a riqueza da nossa História da Cultura está estampada, de modo eloquente, nas edificações dotadas de valores históricos e artísticos que foram se espalhando em cerca de centena e meia de quadras do nosso Centro Histórico e de seu entorno, ao longo de quase quatro séculos de existência da cidade.

Garantir aos nossos cidadãos a possibilidade de preservarem sua rica identidade cultural, é, portanto, para nós uma questão essencial da sociedade paraense.

É algo que adquire ainda maior relevância ante as descaracterizadoras ondas de invasões culturais que atingem as cidades brasileiras colocadas fora dos eixos de controles das grandes redes de comunicação de massa.

Mas, a nossa identidade cultural fica vulnerabilizada também pelo desconhecimento do nosso passado.

Quantos de nós paraense sabemos que por mais de 150 anos, Belém foi capital de um estado independente do Brasil, dentro do reino português?

Numa fase inicial deste período, a comovente e impressionante saga dos jesuítas na Amazônia deixou para a cidade, já desde o século XVII, as primeiras construções do belo conjunto arquitetônico de Santo Alexandre.

Numa fase posterior, a cidade receberia o influxo de progresso trazido pela exportação da produção regional de cacau, sob o governo do déspota esclarecido Marquês de Pombal.

Somente uma cidade com tão maravilhosa História da Cultura, ligada aos ciclos econômicos pelos quais atravessou, poderia, hoje, – como o faz Belém – comemorar os mais de 270 anos da chegada nela do refinado arquiteto Antônio Giuseppe Landi, vindo de um dos mais eruditos centros culturais da Europa – Bolonha, da Itália do “século das luzes”.

Landi passou quase a metade de sua vida na Amazônia, quando a região atravessava um momento histórico – o da segunda metade do século XVIII – infelizmente, hoje, muito esquecido pelos nossos próprios conterrâneos.

Talvez porque dos currículos dos nossos cursos de ensino médio estiveram excluídas disciplinas nas quais havia estudos mais profundos da História do Pará.

Para muita gente, o passado da nossa região é associado apenas às riquezas do ciclo da borracha, iniciado nos meados do século XIX, ao longo do qual em Belém surgiram obras como as do Teatro da Paz, do Palácio Antônio Lemos, entre outras.

No entanto, foi Landi, quem, antes do ciclo da borracha, construiu sozinho em Belém, alguns dos mais admirados ícones da arquitetura da cidade.

Como as igrejas de Santana e São João, e, o Palácio dos Governadores, atual Museu do Estado do Pará.

Além de tem participado com outros construtores de mais de uma dezena de edificações importantes, como as da Catedral, do antigo Hospital Militar, hoje, Casa das Onze Janelas, e das igrejas do Carmo, das Mercês etc.

No livro Amazônia Felsínea, há uma vasta iconografia da obra do arquiteto.

No livro, Landi está estudado por uma prestigiada equipe de pesquisadores italianos, portugueses, paulistas e cariocas.

Porém, visto, como ocorre no livro, apenas por um ângulo externo ao da História da Cultura da Amazônia, o arquiteto tende a se tornar uma espécie de corpo estranho que paira sobre a cidade de Belém.

Falta, sem dúvida, na bibliografia de Landi obras que o enraízem na Amazônia.

E enraizá-lo significa enquadrá-lo no processo de desenvolvimento histórico de Belém, dentro do qual suas obras criaram um instante de beleza excepcional.

Não se pode, porém, perder de vista que este instante raro, foi isto mesmo: um instante.

Pois, a cidade já vinha sendo construída antes de Landi chegar a ela, havia 137 anos.

E depois que ele morreu, Belém continuou sendo levantada até hoje, 270 anos depois.

Lembrar isto em nada empequenece o artista.

Ao contrário, o engrandece, pois, nos relativamente poucos anos em que viveu na cidade, ele deixou nela marcas profundas e definitivas.

E ainda mostra que sua obra se inseriu de forma harmoniosa no desenrolar do processo histórico de uma cidade multicultural como Belém.

 Landi não esteve desvinculado, nem dos construtores que o antecederam, como os das ordens religiosas (mercedários, carmelitas), para as quais ele prestou serviços.

Nem dos que lhe foram contemporâneos (como os engenheiros-militares Gronsfeld, Galluzzi, Sturm), junto dos quais ele suportou uma sofrida adaptação à realidade econômica-social-cultural da Amazônia, tão diferente da que ele conhecia em Bolonha.

Nem dos que o sucederam, como os construtores do ciclo da borracha, que levantaram edificações suntuosas como as dele.

Sem este esforço de integração de Landi na História da Cultura Amazônica, sua produção resulta falsamente bizarra, inusitada, extravagante.

Mas, a integração dela terá de resultar da sua contextualização histórico-político-econômico-científico na Amazônia.

E da humanização do artista, na melhor recuperação possível de seu dia a dia na região.

Para isto, é necessário ir atrás de tudo o que de notável já foi publicado sobre ele e sobre a Amazônia do século XVIII.

Quem fizer isto, irá encontrar mais de 70 títulos.

Eles trataram diretamente do arquiteto ou do período em que ele atuou na região.

Alguns destes livros foram escritos por pesquisadores como Augusto Meira Filho, um intelectual tão ligado à cidade que criou uma Associação dos Amigos de Belém, e, num certo momento passou a ser tratado como “o namorado de Belém”.

A ele coube o mérito de descobrir em Portugal e divulgar os belos desenhos de animais, plantas e frutas da Amazônia, feitos por Landi, antes desconhecidos.

Assim como o mérito de deixar registrado, em outro livro, as obras de recuperação do Palácio dos Governadores.

Outro grande estudioso de Landi foi Donato Mello Júnior, arquiteto e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1966, passou pouco mais de 4 meses em Belém e se apaixonou pela obra do artista bolonhês.

Seria ainda justo mencionar outros nomes que, embora não sejam propriamente de pesquisadores de Landi, são de produtores de obras que ajudam a entendê-lo.

Embora tratem Landi indiretamente.

Entre eles:

Maria de Lourdes Sobral cujo livro sobre o barroco no Pará trata das igrejas do Carmo e das Mercês, as quais Landi ajudou a construir.

José Ubiratan Rosário, autor de obra, premiada nacionalmente, sobre o Grão-Pará do século XVIII.

Leandro Tocantins, que incluiu no seu agradável livro sobre Santa Maria de Belém do Grão-Pará, capítulos a respeito das edificações de Landi.

Marcos Carneiro Mendonça, que fez um precioso levantamento da correspondência mantida entre a corte portuguesa e o governo do Grão-Pará, na qual Landi foi citado várias vezes.

Outros autores que merecem atenção trataram do período no qual ele viveu:

Duaril Audreen estudou o significado da produção do cacau na Amazônia colonial.

Manuel Nunes Dias escreveu a melhor obra sobre a Companhia de Comércio do Grão Pará, a empresa proprietária da frota, de mais de 100 navios, através dos quais a produção cacaueira do Grao-Pará foi colocado em mercados externos. Dela, Landi era acionista.

Quase todos os livros produzidos por estes autores, porém, foram publicados há algumas décadas.

Muitos deles, lamentavelmente, só são estão disponíveis em poucas bibliotecas públicas do Pará.

Por outro lado, há duas décadas surgiu uma nova geração de pesquisadores para a qual foi sendo repassada a herança dos estudos mais antigos.

Nela se destacaram:

A arquiteta paraense Renata Malcher de Araújo que em Portugal se dedicou aos estudos da Engenharia Militar da Amazônica Colonial.

Edilson Nazaré Dias Mota, cuja monografia de mestrado, apresentada ao NAEA/UFPa, teve por título “Landi, na cidade do Grão-Pará”.

E, Arthur Leandro de Moraes que dedicou a Landi a sua monografia de conclusão de curso de Arquitetura, na UFPa.

Entre outros.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

As is well known, Belém has a long tradition of both classical and popular music, a varied literary production, a superb architectural heritage, a rich history of journalism, and countless other expressions of the inexhaustible creativity of the Amazonian population.

This creativity has been highlighted by the revitalization of its cinematic, graphic, and photographic productions. Moreover, the richness of our cultural history is eloquently displayed in the buildings endowed with historical and artistic value that have spread across roughly one hundred and fifty blocks of our Historic Center and its surroundings, over nearly four centuries of the city’s existence.

Ensuring that our citizens have the opportunity to preserve their rich cultural identity is, therefore, for us, an essential matter for Paraense society.This acquires even greater relevance in the face of the disruptive waves of cultural invasions that affect Brazilian cities outside the control axes of major mass communication networks.

However, our cultural identity is also made vulnerable by a lack of knowledge about our past. How many of us Paraenses know that for over 150 years, Belém was the capital of a state independent from Brazil, within the Portuguese kingdom?

In an initial phase of this period, the moving and impressive saga of the Jesuits in the Amazon left the city, as early as the 17th century, with the first constructions of the beautiful architectural complex of Santo Alexandre.In a later phase, the city would experience an influx of progress brought by the export of regional cocoa production, under the government of the enlightened despot Marquis of Pombal.

Only a city with such a marvelous cultural history, tied to the economic cycles it has passed through, could today—as Belém does—celebrate more than 270 years since the arrival of the refined architect Antônio Giuseppe Landi, who came from one of Europe’s most erudite cultural centers—Bologna, in Italy’s “Age of Enlightenment.”

Landi spent nearly half his life in the Amazon, during a historical moment—the second half of the 18th century—that is, unfortunately, largely forgotten by our own compatriots today.Perhaps because the curricula of our high school courses have excluded subjects that included deeper studies of the history of Pará. For many, the region’s past is associated only with the wealth of the rubber boom, which began in the mid-19th century, during which works such as the Teatro da Paz and the Antônio Lemos Palace emerged in Belém.

However, it was Landi who, before the rubber boom, single-handedly built some of the city’s most admired architectural icons in Belém.These include the churches of Santana and São João, and the Governors’ Palace, now the Pará State Museum. In addition, he collaborated with other builders on more than a dozen important structures, such as the Cathedral, the former Military Hospital (now Casa das Onze Janelas), and the churches of Carmo and Mercês, among others.In the book Amazônia Felsínea, there is an extensive iconography of the architect’s work.

In the book, Landi is studied by a prestigious team of Italian, Portuguese, São Paulo, and Rio de Janeiro researchers.However, when viewed, as in the book, solely from an external perspective on the Amazon’s cultural history, the architect tends to become a kind of foreign entity hovering over the city of Belém.There is undoubtedly a lack of works in Landi’s bibliography that root him in the Amazon.

Rooting him means placing him within the historical development process of Belém, within which his works created a moment of exceptional beauty.However, one must not lose sight of the fact that this rare moment was just that: a moment. For the city had already been under construction for 137 years before Landi arrived.

And after his death, Belém continued to be built up to the present day, 270 years later.Recalling this in no way diminishes the artist. On the contrary, it elevates him, for in the relatively few years he lived in the city, he left deep and lasting marks on it. It also shows that his work was harmoniously integrated into the historical process of a multicultural city like Belém.

Landi was not disconnected from the builders who preceded him, such as those of the religious orders (Mercedarians, Carmelites), for whom he provided services.

Nor from those who were his contemporaries (such as the military engineers Gronsfeld, Galluzzi, Sturm), alongside whom he endured a challenging adaptation to the economic-social-cultural reality of the Amazon, so different from what he knew in Bologna. Nor from those who succeeded him, such as the builders of the rubber boom, who erected sumptuous buildings like his.Without this effort to integrate Landi into the Amazon’s cultural history, his production appears falsely bizarre, unusual, extravagant.But integrating it requires contextualizing it within the historical, political, economic, and scientific framework of the Amazon.And humanizing the artist, by recovering as much as possible of his daily life in the region.

To do this, it is necessary to explore everything notable that has already been published about him and about the 18th-century Amazon.Those who do so will find more than 70 titles.These address the architect directly or the period in which he worked in the region.Some of these books were written by researchers like Augusto Meira Filho, an intellectual so connected to the city that he founded an Association of Friends of Belém and, at one point, came to be called “the lover of Belém.”

He deserves credit for discovering and publicizing in Portugal the beautiful drawings of animals, plants, and fruits of the Amazon made by Landi, previously unknown. As well as for documenting, in another book, the restoration work of the Governors’ Palace. Another great scholar of Landi was Donato Mello Júnior, an architect and professor at the Federal University of Rio de Janeiro.

In 1966, he spent just over four months in Belém and fell in love with the work of the Bolognese artist.It would also be fair to mention other names who, while not strictly researchers of Landi, are producers of works that help understand him.Although they address Landi indirectly. Among them:Maria de Lourdes Sobral, whose book on the Baroque in Pará discusses the churches of Carmo and Mercês, which Landi helped build.

José Ubiratan Rosário, author of a nationally awarded work on 18th-century Grão-Pará.Leandro Tocantins, who included in his delightful book on Santa Maria de Belém do Grão-Pará chapters about Landi’s buildings. Marcos Carneiro Mendonça, who conducted a valuable survey of the correspondence between the Portuguese court and the government of Grão-Pará, in which Landi was mentioned several times.

Other authors worthy of attention addressed the period in which he lived:Duaril Audreen studied the significance of cocoa production in colonial Amazonia. Manuel Nunes Dias wrote the best work on the Grão-Pará Commerce Company, the company that owned a fleet of over 100 ships through which the cocoa production of Grão-Pará reached foreign markets. Landi was a shareholder in it.However, most of the books produced by these authors were published decades ago.Many of them, regrettably, are only available in a few public libraries in Pará.

On the other hand, two decades ago, a new generation of researchers emerged, to whom the legacy of older studies was passed.Among them: The Paraense architect Renata Malcher de Araújo, who in Portugal dedicated herself to studying the Military Engineering of Colonial Amazonia.Edilson Nazaré Dias Mota, whose master’s thesis, presented at NAEA/UFPA, was titled “Landi, in the city of Grão-Pará.” And Arthur Leandro de Moraes, who dedicated his architecture course final monograph at UFPA to Landi.

Among others.

  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

(Illustration: image of Landi on Alchetron, The Free Social Encyclopedia)

The post Landi é gente nossa! appeared first on Ver-o-Fato.