Audiência pública discute justiça tarifária, abertura de mercado e desafios da transição energética propostos em Medida Provisória do governo (MP 1300/2025)
Brasília – Uma audiência pública promovida pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados na quarta-feira (9), colocou em pauta o futuro do setor elétrico brasileiro, com foco nas mudanças propostas pela Medida Provisória 1300/2025, proposta pelo governo federal. O evento, requerido pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e outros cinco parlamentares, contou com a presença do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira de Oliveira, e de sua equipe, demonstrando a relevância do tema para o cenário nacional. Sob a condução do deputado Diego Andrade (PSD-MG), presidente da comissão, o debate buscou esclarecer os impactos e desdobramentos da MP, considerada um instrumento fundamental para a modernização do setor.
A Medida Provisória 1300/2025 tem como objetivo principal limitar os encargos pagos pelos consumidores na conta de luz, restringindo o montante destinado à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Conforme a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as receitas da CDE podem atingir R$ 40,6 bilhões em 2025, financiando desde descontos tarifários para grupos de baixa renda até a geração de energia solar e eólica, além de incentivar a utilização do gás natural e do carvão mineral nacional.
O Ministro Alexandre Silveira defendeu a medida, afirmando que “não são admissíveis custos tão altos” e que não se pode “pagar mais caro pela energia para ampliar uma matriz que já é 90% limpa e renovável”. Segundo o deputado Arnaldo Jardim, a MP se baseia em três pilares essenciais: a tarifa social, o desconto do fio e a abertura do mercado livre de energia. Em relação à tarifa social, o ministro destacou que a MP aborda o tema “de forma vigorosa”, resultando na isenção para 17,4 milhões de unidades consumidoras, beneficiando cerca de 60 milhões de pessoas.
Debates
A discussão na audiência foi marcada por questionamentos e ponderações dos parlamentares, com respostas e esclarecimentos do Ministro Silveira e dos secretários Gentil (Energia), Pietro (Petróleo e Gás) e Ana Paula (Mineração).
O deputado Arnaldo Jardim expressou preocupação com a operacionalização da tarifa social e a supervisão da Aneel, além de questionar a transição do “desconto do fio”, instrumento que, em sua visão, tem causado distorção e preponderância para algumas fontes. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) reforçou que a “isenção do fio” encarece a conta de luz para a maioria e sugeriu que o subsídio à tarifa social, atualmente custeado pela CDE, poderia ser substituído por financiamento de pequenas usinas solares, uma proposta já em tramitação no Senado.
Ainda sobre o mercado livre, o Ministro Silveira reiterou que a medida busca permitir que “todo consumidor brasileiro possa, tanto quanto a grande indústria, comprar energia de que fonte quiser”, visando reduzir o preço para a classe média e todos os consumidores. Atualmente, apenas 90 mil comunidades consumidoras têm essa liberdade, obtendo energia 22% mais barata em média.
Um ponto de consenso levantado pelos deputados foi a preocupação com a não instalação da comissão especial para analisar a MP 1300/2025, cujo prazo final é 18 de setembro. O deputado Diego Andrade enfatizou a necessidade de agilidade para discutir, avançar e melhorar a medida.
O ministro Alexandre Silveira abordou o desafio da integração de renováveis no sistema, mencionando que a entrada de mini e microgeração distribuída tem criado instabilidade. Ele apontou o armazenamento (baterias) como solução, anunciando o primeiro leilão de baterias do país no segundo semestre. Também criticou a derrubada de vetos presidenciais em sessão conjunta do Congresso Nacional sobre energia eólica em alto-mar (offshore), prevendo impactos negativos na conta de luz.
O deputado Danilo Forte (União-CE) destacou a “paralisia dos investimentos na geração” no Nordeste, atribuindo-a à falta de linhas de transmissão e aos cortes de energia (curtailment) patrocinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que prejudicam geradores e a perspectiva econômica da região.

Já o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), expressou sua preocupação com a CDE, que ele descreveu como uma “lata de lixo”, e questionou a destinação de 4,5 bilhões de reais adicionais para ela. Ele também levantou questões sobre a fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM) e o novo Código de Mineração, que ele relatou e está pronto para ser votado.
O deputado Tião Medeiros (PP-PR) questionou o impacto da tarifa social na competitividade do setor produtivo e a especulação financeira no programa RenovaBio, onde os bancos, especialmente o Santander, teriam se apropriado do mercado de créditos de descarbonização (CBios), levando 20% das distribuidoras a enfrentar dificuldades.
Que também se manifestou foi o deputado Marx Beltrão (PP-AL) que expressou otimismo com a tarifa zero para 17 milhões de pessoas e a abertura de mercado, salientando, porém, sua preocupação com o aumento do custo da energia para os consumidores, dado que a Aneel tem concedido aumentos de tarifas às concessionárias acima da inflação.
O secretário nacional de Energia Elétrica do MME, Gentil Nogueira de Sá Junior, esclarecendo questionamentos dos deputados, explicou que o aumento da tarifa social (R$ 3,6 bilhões) na CDE é compensado pela potencial redução de subsídios com a abertura de mercado, que pode chegar a R$ 10 bilhões. Ele também abordou as “perdas não técnicas” (furtos e fraudes, os chamados ‘gatos’), que custaram R$ 10,3 bilhões em 2024, e a importância da digitalização dos medidores para a abertura de mercado.
Também respondendo à perguntas dos deputados, a secretária nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral – substituta- , do MME, Ana Paula Lima Vieira Bittencourt, reconheceu o “descasamento abissal” entre o potencial do Brasil como segundo maior detentor de reservas de terras raras (23%) e sua produção efetiva (apenas 1%). Destacou a oportunidade de o Brasil, como amigo de todos os países, se tornar uma alternativa à concentração de produção e refino de minerais críticos em países asiáticos.
Impactos e cenários da MP 1300/2025
A MP 1300/2025 é vista como uma oportunidade para modernizar o setor elétrico, reduzir custos para a classe média, e aumentar a produtividade agrícola com incentivos à irrigação. O deputado Diego Andrade projetou que a modernização do licenciamento ambiental poderá destravar R$ 60 bilhões em investimentos. O ministro Silveira posicionou o Brasil como protagonista na descarbonização e na exportação de energia limpa, incluindo hidrogênio verde e biocombustíveis. A implementação do primeiro leilão de baterias é um passo para estabilizar a rede e integrar melhor as energias renováveis.
No entanto, o caminho apresenta desafios. A alta carga da CDE, as perdas não técnicas e a manipulação do mercado de CBios são preocupações significativas. A falta de infraestrutura de transmissão e o fenômeno do curtailment resultam em desperdício de energia limpa, especialmente no Nordeste. A desestruturação de agências reguladoras como a ANM e a ANP, devido a cortes orçamentários, dificulta a fiscalização e o combate a fraudes, como a importação clandestina de nafta que causa uma evasão fiscal estimada em R$ 4 bilhões, que estaria sendo utilizado por organizações criminosas como o PCC para o comércio ilegal de combustíveis. O setor de mineração, apesar de seu vasto potencial, enfrenta o desafio da baixa produção e da ausência de refino interno de minerais críticos.
A audiência pública revelou a complexidade e a urgência das transformações no setor elétrico brasileiro. A Medida Provisória 1300/2025 foi apresentada pelo governo “como um divisor de águas”, que busca equilibrar justiça social com a viabilidade econômica do sistema. A tarifa social e a abertura do mercado livre são pontos de consenso que prometem beneficiar diretamente o consumidor. Contudo, desafios como a gestão da CDE, o curtailment, a estrutura das agências reguladoras e o desenvolvimento do setor mineral crítico demandam atenção contínua e ações coordenadas entre o Executivo e o Legislativo. A necessidade de acelerar a instalação da comissão especial para a MP 1300/2025, antes de seu vencimento em 18 de setembro, é um clamor unânime dos parlamentares, ressaltando a importância de um debate aprofundado para garantir que a modernização do setor elétrico traga os benefícios esperados para a nação.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), ainda não indiciou aos líderes partidários a criação da comissão especial. A demora é atribuída, por deputados ouvidos pela reportagem do Ver-o-Fato, como “efeito colateral” da relação, cada pior entre Legislativo e Executivo, uma vez que a matéria é uma das bandeiras do atual governo.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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