Juiz do Pará é alvo de pedido de investigação no CNJ por decisões “em série

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode abrir uma nova investigação contra o juiz Roberto Andrés Itzcovich, da 4ª Vara Cível e Empresarial de Belém (PA), após vir à tona um caso inusitado — e preocupante — de decisões judiciais emitidas em série, com textos praticamente idênticos, aplicados a processos completamente distintos. A revelação foi feita com exclusividade pelo portal JuriNews, em matéria publicada no último dia 9 de julho, e repercutiu fortemente no meio jurídico.

Com base nas informações, os conselheiros do CNJ, Ulisses Rabaneda, Marcello Terto e Rodrigo Badaró encaminharam nesta quarta-feira (10) um ofício ao corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, solicitando a apuração dos fatos. Segundo os conselheiros, se confirmada, a conduta do magistrado pode configurar grave violação dos deveres funcionais da magistratura, previstos na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e no Código de Ética.

De acordo com a apuração do JuriNews, o juiz Itzcovich teria adotado uma “sentença-modelo” — com pouco mais de uma página — para julgar, entre os dias 7 e 8 de julho, pelo menos 11 ações de naturezas diferentes, utilizando o mesmo relatório, a mesma fundamentação e o mesmo dispositivo decisório. As decisões, segundo a reportagem, não individualizam os casos e parecem ter sido redigidas com base em um único padrão genérico, sem qualquer análise substancial sobre os fatos e provas de cada processo.

A situação gerou espanto sobretudo após circular nas redes sociais a cópia de uma dessas decisões, na qual uma ação de valor estimado em R$ 36 milhões foi arquivada com base em uma sentença padronizada, de uma única página. No dia 10 de julho, segundo o ofício nº 160/2025, mais três sentenças semelhantes foram publicadas no Diário da Justiça Eletrônico.

A prática, considerada pelo portal como uma “usina de decisões”, escancara uma estratégia preocupante: atender às metas de produtividade da magistratura, muitas vezes exigidas pelos órgãos de controle, sem compromisso com a qualidade da prestação jurisdicional. Isso afronta diretamente os princípios constitucionais da motivação das decisões, da ampla defesa e do devido processo legal.

Histórico de punições

A atuação questionável do juiz Roberto Andrés Itzcovich não é um episódio isolado. Em 2013, ele foi punido com a pena de censura disciplinar pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), após a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que revelou condutas incompatíveis com a função que exerce.

Na ocasião, quando ainda atuava na 3ª Vara da Comarca de Barcarena, o magistrado foi acusado de tratar com descortesia mulheres vítimas de violência doméstica, e de influenciar diretamente para que desistissem de suas denúncias contra os agressores. Segundo relatos incluídos nos autos, ele reunia as vítimas em grupo e, antes mesmo das audiências, fazia comentários desestimulando a continuidade dos processos, afirmando, por exemplo, que “os casos não dariam em nada”.

O comportamento, conforme relatado pela promotora Vyllya Costa Barra Sereni, levou a desistência em massa das ações por parte das vítimas. O desembargador Leonam Godim da Cruz Junior, relator do PAD, foi contundente: considerou que o juiz violou o artigo 3º do Código de Ética da Magistratura, ao comprometer a dignidade humana e a autonomia das vítimas ao induzi-las à renúncia do direito de acesso à Justiça.

Além disso, a investigação revelou que o juiz deixou de realizar sessões do Tribunal do Júri por três anos consecutivos, alegando problemas administrativos. Contudo, documentos do Ministério Público comprovaram que os cancelamentos ocorriam por motivos genéricos, e não por obstáculos estruturais efetivos. Apesar disso, o TJPA aplicou apenas a pena de censura — punição mais branda, mas que pode impactar sua ascensão na carreira.

Reflexos sobre o sistema de justiça

O novo episódio envolvendo Itzcovich acende um alerta importante sobre os efeitos perversos das metas de produtividade quando não acompanhadas de critérios de qualidade, responsabilidade e compromisso ético. Sentenças genéricas que ignoram as peculiaridades de cada processo não apenas banalizam o trabalho da magistratura, mas também colocam em risco a confiança da sociedade na Justiça.

Aplicar uma mesma decisão para ações de família, indenizações, ações possessórias ou disputas empresariais, sem qualquer distinção, segundo juristas, é uma afronta à complexidade que o direito exige. Decidir é mais do que carimbar processos. É garantir que cada cidadão tenha seu caso analisado de forma justa, fundamentada e personalizada.

Agora, cabe ao CNJ investigar com rigor os indícios apontados no ofício e na matéria do JuriNews, para que a Justiça não se transforme em uma linha de montagem automatizada, mas volte a ser, de fato, um espaço de escuta, análise e entrega de direitos.

Confira aqui o pedido dos conselheiros.

Confira aqui a decisão do processo de R$ 36 milhões.

Confira aqui a relação dos processos com sentenças padronizadas.

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