Em Marabá, réu é absolvido: matou abusador de irmã e agressor da família por “relevante valor moral”

A promotora Cristine Magella, responsável pela acusação, não acolheu a tese da legítima defesa, mas reconheceu a plausibilidade do homicídio privilegiado.

Em uma decisão carregada de emoção, dilemas éticos e forte repercussão social, o Tribunal do Júri de Marabá absolveu, na noite da última quinta-feira (10), Carlos Eduardo Pereira da Silva, conhecido como “Caturi”, acusado de matar a facadas Juracy Cutrim Ribeiro, o “Açaí”, em um bar da Vila Rio Branco, no dia 26 de abril de 2022. O local do crime fica na conflituosa região do Contestado, entre Marabá e Parauapebas.

Embora tenha admitido a autoria do crime, o júri entendeu que Carlos Eduardo agiu movido por um relevante valor moral, tese jurídica prevista no artigo 121, §1º, do Código Penal Brasileiro. A decisão do Conselho de Sentença foi unânime: reconheceram o homicídio como privilegiado, com forte peso emocional e ético no contexto dos fatos apresentados.

A defesa de Carlos Eduardo apresentou um cenário de abusos contínuos cometidos por Juracy contra sua irmã — incluindo importunações sexuais constantes — além de agressões físicas contra o pai, o irmão e o próprio autor do crime. De acordo com os relatos, a violência de Juracy era uma ferida aberta na família, diante da qual o Estado, como tantas vezes acontece, parece ter sido omisso.

A promotora Cristine Magella, responsável pela acusação, não acolheu a tese da legítima defesa, mas reconheceu a plausibilidade do homicídio privilegiado. Para ela, os antecedentes de violência praticados por Juracy contra os familiares de Carlos Eduardo se encaixavam nos critérios legais para o reconhecimento da conduta movida por “relevante valor moral”.

Quando a moral fala mais alto que a lei

A tese de relevante valor moral, apesar de controversa, vem sendo cada vez mais analisada em tribunais brasileiros como forma de humanizar julgamentos em casos onde a frieza da letra da lei não dá conta da complexidade dos fatos. Nesse caso, o júri popular — formado por cidadãos comuns — decidiu olhar para além da tipificação penal, considerando o drama vivido pela família do réu.

A absolvição, portanto, não significou negar o crime, mas sim entender as motivações que o cercaram. Foi uma declaração pública de que, em certas situações, matar alguém — ainda que jamais seja a primeira ou melhor saída — pode ser, no mínimo, compreensível.

Um réu em liberdade, uma sociedade em reflexão

Após a sentença, Carlos Eduardo teve sua prisão preventiva revogada. Ele estava encarcerado há cerca de um ano. Com a pena reduzida e o reconhecimento do homicídio privilegiado, o réu deixou o fórum pela porta da frente, liberto, em um desfecho que gerou tanto alívio quanto inquietação.

Esse tipo de julgamento lança luz sobre a fragilidade das redes de proteção às vítimas de violência, especialmente em áreas vulneráveis. Quando o Estado falha, o desespero pode se transformar em tragédia — e o tribunal acaba sendo chamado a decidir não apenas sobre o que é legal, mas sobre o que é moral.

Justiça ou vingança?

É essa a pergunta que paira no ar. O júri viu em Carlos Eduardo um homem pressionado até o limite, não um assassino cruel. No entanto, o caso também expõe uma ferida profunda: a ausência de respostas institucionais eficazes para os abusos e violências diárias vividas por milhares de famílias brasileiras. Quando o crime é o único recurso percebido como possível, todos perdem.

Além da promotora Cristine Magella, atuaram na defesa os advogados Diego Adriano Freires, Kewin William, Jonatas Silva e Ortembeck Mendes, com a colaboração do estagiário Jhavas. A sessão, presidida pela juíza Alessandra Rocha da Silva Souza, foi transmitida ao vivo pelo site do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA).

A absolvição de “Caturi” entra para a crônica dos julgamentos que desafiam os limites entre o direito e a justiça. E nos obriga a pensar: quando a lei não protege, quem é o verdadeiro culpado?

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