Morre Jean-Claude Bernardet, crítico essencial do cinema brasileiro

Jean-Claude Bernardet, crítico e teórico fundamental do cinema brasileiro, morreu neste sábado (12.jul.2025), aos 88 anos, em São Paulo. O belga naturalizado brasileiro, autor de “Brasil em tempo de cinema” e ex-professor da Universidade de São Paulo (USP), convivia com HIV, câncer de próstata reincidente e degeneração macular. O velório será realizado na Cinemateca Brasileira, que confirmou a morte.

Bernardet construiu carreira de mais de 6 décadas transitando entre crítica, ensino, roteiro e atuação. Foi cassado e aposentado pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) durante a ditadura militar.

Nasceu em Charleroi, Bélgica, em 2 de agosto de 1936, e chegou ao Brasil em 1949, aos 13 anos. Naturalizou-se brasileiro em 1964 e fixou-se em São Paulo, onde integrou o movimento cineclubista. Destacou-se como crítico no suplemento literário do Estado de S. Paulo, sob orientação de Paulo Emilio Salles Gomes.

Em 1965, integrou a criação do curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB), projeto que reunia nomes como Paulo Emilio Salles Gomes, Pompeu de Souza e Nelson Pereira dos Santos.  Sua obra mais conhecida, “Brasil em tempo de cinema” (1967), nasceu dos poucos meses de mestrado na UnB, interrompido pela ocupação militar do campus.

O livro examinou filmes nacionais lançados de 1958 a 1966 e questionou o caráter revolucionário do Cinema Novo. Bernardet argumentava que o movimento expressava problemas da classe média e criticou o distanciamento de cineastas como Glauber Rocha, Ruy Guerra e Nelson Pereira dos Santos da problemática urbana em favor de filmes rurais e de cangaço como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Os Fuzis” e “Vidas Secas”.  Em entrevista à Folha de S. Paulo em 1979, Glauber Rocha chamou Bernardet de “canalha” e “crítico mais reacionário do Brasil”. Bernardet não reagiu publicamente aos ataques.

Como crítico, analisou filmes diversos e movimentos cinematográficos, desenvolvendo reflexões teóricas sobre cinema nacional. Sistematizou informações sobre a produção brasileira em “Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro” (1995). Publicou cerca de 25 obras, incluindo “Cineastas e imagens do povo”, “O que é cinema” e “Autoficções”.

Colaborou como roteirista e ator com cineastas como Luiz Sergio Person, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci e Adirley Queirós. Em 2008, atuou em “FilmeFobia”, de Kiko Goifman, filme que o aproximou de nova geração do cinema independente. O crítico também co-roteirizou “O Caso dos Irmãos Naves” (1967) e criou o brinquedo “Combina-cor”, lançado pela Grow.

Bernardet assumia publicamente sua homossexualidade, tema usado por adversários em ataques políticos. Escreveu “A Doença, uma Experiência” (1996), relato sobre viver com HIV/Aids.

O crítico, que morava no Edifício Copan, no centro de São Paulo, deixa uma filha, Lígia, do casamento com Lucila Ribeiro. A causa oficial da morte não foi divulgada.