A presença dos personagens masculinos nos mais de 400 anos da História das Construção do Pará é esmagadoramente preponderante.
Achar uma mulher entre os homens que foram dando forma física ao nosso Estado, ao longo dos séculos, se constitui num desafio a ser encarado, com paciência, por meio de um exercício de investigação histórica detalhado.
Mas, quem se dispuser a enfrentar o desafio, aos poucos vai sendo recompensado.
Na saga dos construtores do Pará, a primeira mulher a ter seu nome citado foi o de Maria Cabral.
Ela apareceu no documento de 1617 em que requereu a propriedade de terrenos da primeira rua de Belém, a do Norte, atual Siqueira Mendes.
O requerimento dela obteve despacho favorável de seu próprio marido, Francisco Caldeira de Castelo Branco, comandante da expedição que havia fundado Belém, no ano anterior.
Como aquela, muitas outras propriedades, no Pará, seriam reivindicadas pela família de Castelo Branco, cuja atuação polêmica como capitão-mor terminaria com sua expulsão de Belém e, posterior, morte em prisões de Portugal.
Cerca de 140 anos depois, outras mulheres apareceram na saga de nossos construtores.
Desta vez, numa das cartas escritas pelo governador do Gram-Pará, Mendonça Furtado, a seu poderoso irmão Marquês de Pombal, secretário de Estado de Portugal.
Nela, Furtado manifestou, em 2 de novembro de 1752, sua profunda indignação com um privilégio que os religiosos da Amazônia haviam se autoconcedido: o monopólio da mão-de-obra indígena.
Irritado, Furtado revela que os franciscanos usavam índias em suas construções, como ajudantes de pedreiros.
E denuncia: as índias tomavam banhos, nuas, diante dos olhares de mercedários, carmelitas e franciscanos, nos poços das fazendas deles.
Quatro anos depois, entra em cena na saga dos nossos construtores Marianna Clara Schwebel.
Ela era filha de Adão Leopoldo de Breunning, engenheiro-militar alemão, companheiro de Antonio Giuseppe Landi, na comissão que demarcou os limites das terras portuguesas na Amazônia, após o Tratado de Madri, de 1750.
O pai de Marianna não suportou as extremas dificuldades pelas quais passaram na Amazônia dos anos de 1700 os profissionais da comissão demarcadora, provindos de centros culturais importantes da Itália, da Alemanha e de Portugal.
Morreu no alto Rio Negro.
Órfã de pai, com a obrigação de amparar sua mãe, Marianna casou-se com outro engenheiro-militar, também alemão e companheiro de Adão na comissão, João André Schwebel, que se destacaria como autor da primeira planta de Belém.
Nela, se podem ver os dois únicos bairros existentes na cidade, de então – Cidade (atual Cidade Velha) e Campina.
Devem-se a Schwebel também as únicas imagens, daquele período, nas quais aparecem as localidades e aldeias existentes entre Belém e Barcelos, no estado do Amazonas.
Estas imagens estão nos desenhos que ele fez por ordem de Mendonça Furtado.
E, hoje, pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
O nome de Marianna surgiu numa carta, guardada no Arquivo Público do Pará, de 27 de julho de 1756, dirigida ao rei de Portugal, em que ela invoca o sofrimento infringido à sua família pela morte de seu pai.
Marianna informa que seu marido estava sendo incomodado por dores no peito.
E, que, por duas vezes, tinha perdido sangue pela boca, “não havendo neste arraial os medicamentos precisos para a sua queixa”.
Marianna queria que o rei autorizasse Schwebel a se tratar na metrópole.
O rei atendeu-a, porém, o próprio engenheiro-alemão aceitou apenas uma licença para descansar em Belém.
Ainda no final dos anos de 1700, surgem nesta saga as duas esposas de Antonio Landi, das quais sequer os nomes foram retidos pelos historiadores.
Eram apenas “as filhas do capitão-mor de Gurupá, João Batista de Oliveira, e do sargento-mor João de Sousa de Azevedo”.
De ambas, Landi enviuvou.
Porém, de seu segundo casamento, ficou o nome de sua filha: Ana Teresa de Sousa Azevedo.
Os anos de 1800 transcorreram sem que se possa localizar algum nome de mulher em meio às suas construções.
O que apareceu, neste momento, com clareza, foi o papel subserviente da mulher da época.
Na Carta Pastoral de 1875 de dom Macedo Costa, o bispo do Pará diz que as esposas têm, entre outras obrigações, as de respeitar o marido como chefe, obedecer a ele e aos pais dele, servi-lo e tolerar seus defeitos.
Na longa fase de ausência das mulheres entre os construtores do Pará, no entanto, ainda cabe uma inesperada homenagem: a do engenheiro civil Francisco Bolonha, formado na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, à sua mulher, a pianista carioca Alice Tem Brink.
Em 1905, ele construiu para ela o belo Palacete Bolonha.
O imóvel foi objeto de estudo de três professores da UFPa.
Após 1931, contudo, as primeiras engenheiras civis do estado, formadas na Escola de Engenharia do Pará, atual Faculdade de Engenharia Civil, da UFPA, fundada naquele ano, começaram a abrir espaço para a atuação das mulheres como construtoras.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
Women in the History of Construction in Pará
The presence of male figures throughout the more than 400 years of construction history in Pará is overwhelmingly dominant.
Finding a woman among the men who physically shaped our state over the centuries is a challenge that must be faced patiently, through a detailed exercise in historical investigation.
However, those willing to take on the challenge are gradually rewarded.
In the saga of Pará’s builders, the first woman to have her name mentioned was Maria Cabral.
She appeared in a 1617 document in which she requested ownership of land along the first street in Belém—Rua do Norte, today known as Siqueira Mendes.
Her request was approved by her own husband, Francisco Caldeira de Castelo Branco, commander of the expedition that founded Belém the previous year.
Like hers, many other properties in Pará would be claimed by the Castelo Branco family, whose controversial actions under the captaincy of Francisco would end with his expulsion from Belém and later death in Portuguese prisons.
About 140 years later, other women began to appear in the story of our builders.
This time, in one of the letters written by the governor of Grão-Pará, Mendonça Furtado, to his powerful brother, the Marquis of Pombal, Secretary of State of Portugal.
In the letter, dated November 2, 1752, Furtado expressed deep outrage at a privilege the Amazonian clergy had granted themselves: the monopoly of Indigenous labor.
Angrily, Furtado revealed that Franciscan friars were using Indigenous women in their construction projects as mason’s assistants.
He also denounced that these women would bathe naked before the eyes of Mercedarians, Carmelites, and Franciscans, in the wells on their farms.
Four years later, Marianna Clara Schwebel entered the scene of our builders’ saga.
She was the daughter of Adão Leopoldo de Breunning, a German military engineer and companion of Antonio Giuseppe Landi on the expedition that marked the boundaries of Portuguese territory in the Amazon after the Treaty of Madrid in 1750.
Marianna’s father could not withstand the extreme hardships faced by members of the demarcation commission—professionals from culturally rich centers in Italy, Germany, and Portugal.
He died in the upper Rio Negro.
Orphaned and responsible for supporting her mother, Marianna married another German military engineer and fellow member of the expedition, Johann Andreas Schwebel, who would later be recognized as the author of the first known map of Belém.
This map shows the only two neighborhoods that existed in the city at the time—Cidade (now Cidade Velha) and Campina.
Schwebel also created the only images from that period depicting localities and villages between Belém and Barcelos, in the present-day state of Amazonas.
These drawings were produced by order of Mendonça Furtado and are now part of the collection of the National Library in Rio de Janeiro.
Marianna’s name appears in a letter dated July 27, 1756, preserved in the Public Archives of Pará. Addressed to the King of Portugal, it appeals to the suffering her family endured after her father’s death.
Marianna reports that her husband was being troubled by chest pains and had twice coughed up blood, “with no proper medicine for his condition available in this settlement.”
She asked the king to allow Schwebel to travel to the capital for treatment.
The king granted her request, but the German engineer chose instead to accept only a leave of absence to rest in Belém.
At the end of the 1700s, two wives of Antonio Landi appear in this saga, although even their names were not preserved by historians.
They were simply referred to as “the daughters of the captain-major of Gurupá, João Batista de Oliveira, and of sergeant-major João de Sousa de Azevedo.”
Landi became a widower in both marriages.
However, from his second marriage, the name of his daughter remains: Ana Teresa de Sousa Azevedo.
Throughout the 1800s, no female names can be found associated with construction.
What is clearly visible during this time, however, is the subservient role assigned to women.
In his 1875 Pastoral Letter, Bishop Macedo Costa of Pará stated that wives were obliged to respect their husbands as heads of the household, obey them and their parents, serve them, and tolerate their flaws.
In this long period during which women were absent from the construction history of Pará, an unexpected tribute still deserves mention: that of civil engineer Francisco Bolonha, a graduate of the Polytechnic School of Rio de Janeiro, to his wife, the Rio-born pianist Alice Tem Brink.
In 1905, he built the beautiful Bolonha Mansion for her.
The property has been the subject of scholarly study by three professors from UFPA.
After 1931, however, the first women to graduate as civil engineers from the Pará School of Engineering—today the Faculty of Civil Engineering at UFPA, founded that year—began to pave the way for women’s participation as builders.
*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: The book on the Bolonha Mansion)
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