Juízes ‘sem rosto’, Estado sem medo

TJ-SC cria vara que preserva identidade de magistrados que punem integrantes de facções

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) acabou de criar uma Vara Estadual de Organizações Criminosas na qual a jurisdição será colegiada e anônima. Essa unidade terá cinco juízes, que tomarão conjuntamente decisões sobre processos do Estado que versem sobre crimes praticados por integrantes de facções criminosas. Para isso, serão escalados magistrados “sem rosto” para que possam desempenhar seu trabalho. Onde na sentença deveria estar a assinatura de um juiz, constará “Vara Estadual de Organizações Criminosas”.

Acertadamente, a Justiça catarinense apostou na tecnologia. Um software desenvolvido em parceria com uma empresa norte-americana vai distorcer o rosto e a voz do juiz, e não será possível identificar nem o sexo do interlocutor. Com isso, evita-se que o criminoso em julgamento tenha conhecimento de quem é o agente do Estado que o processa, julga e eventualmente venha a condená-lo. Nem mesmo a identidade dos 35 servidores alocados para trabalhar nessa vara será revelada. E a ferramenta tecnológica vai usar da inteligência artificial para fazer o reconhecimento facial das testemunhas e transcrever audiências.

A complexidade dos delitos cometidos por integrantes de facções criminosas, e não raro a violência que empregam para impor seu poder, justificam essa cautela e a preocupação do Judiciário catarinense. Integrantes de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), presentes em todo o País e no exterior, dominam territórios, espalham o terror nas ruas, atuam no bilionário tráfico internacional de drogas e se infiltram em uma série de setores econômicos legais para lavar dinheiro oriundo de suas atividades ilícitas extremamente lucrativas.

A audácia dos integrantes das organizações criminosas exige dos Poderes do Estado respostas inteligentes e bem articuladas, como a iniciativa adotada pelo TJ-SC. Inspirado em iniciativas já implementadas em países como Colômbia, México e Peru, e amparado na lei e em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário catarinense reage de forma adequada no combate ao crime organizado ao mesmo tempo em que garante a segurança dos seus magistrados e servidores.

Não à toa, o presidente em exercício do TJ-SC, desembargador Cid Goulart, afirmou ao Estadão que chama a iniciativa de “verdadeiro sonho de Justiça” por promover “segurança, tranquilidade e, sobretudo, saúde mental” dos seus funcionários.

De fato, não é possível exercer uma atividade jurisdicional em sintonia com as expectativas da sociedade quando se temem ameaças ou retaliações. Ao adotar a colegialidade, garantir o anonimato e recorrer à tecnologia contra esse bandidos, a Vara Estadual de Organizações Criminosas catarinense acelera a promoção da justiça e encurta o caminho na direção da pacificação social.

Essa estratégia institucional se mostra necessária e promissora no enfrentamento das facções e, por tudo isso, deveria servir de exemplo a todo o Poder Judiciário brasileiro. (Editorial do Estadão deste domingo, 13)

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