Antes de Elvis Presley ser coroado rei, Sister Rosetta Tharpe já fazia o mundo tremer com sua guitarra elétrica, sua voz poderosa e seu espírito revolucionário. Negra, cristã e genial — foi silenciada por uma indústria racista, machista e ingrata.
Antes de Elvis, antes de Chuck Berry, antes de qualquer homem branco subir aos palcos com uma guitarra elétrica e ser alçado ao posto de “rei”, o rock já existia — e tinha nome, rosto, cor, fé e voz de mulher. Sister Rosetta Tharpe, nascida Rosetta Atkins, inventou o rock como o conhecemos. Criou o ritmo, o estilo, a atitude. E foi apagada da história.
Filha de uma líder religiosa e de um ambiente onde espiritualidade e música se entrelaçavam, Rosetta nasceu em 1915 no sul racista e empobrecido dos Estados Unidos, em Cotton Plant, Arkansas. Desde os quatro anos de idade já cantava e tocava guitarra nos cultos da Igreja de Deus em Cristo, uma das poucas denominações evangélicas que permitiam mulheres pregadoras. Ali começou uma trajetória revolucionária, embora poucos tenham lhe dado esse crédito em vida.
Rosetta desafiou tudo o que se esperava de uma mulher, ainda mais uma mulher negra cristã. Tocava guitarra elétrica com agressividade e virtuosismo numa época em que isso era exclusividade masculina. Unia o fervor do gospel com o swing do jazz e a crueza do blues. Criava uma música nova, vibrante, explosiva. Uma música que o mundo só mais tarde batizaria como rock and roll.
Foi ela, e não outro, quem primeiro mereceu a alcunha na Billboard, em 1942. A revista usou a expressão “rock and roll” para descrever uma de suas performances — seis anos antes de Elvis lançar seu primeiro single. Mas Rosetta era negra, mulher e cristã. E isso foi demais para uma indústria musical dominada por homens brancos e empresários dispostos a lucrar com talentos que pudessem controlar.
Sister Rosetta pavimentou o caminho que todos depois trilharam: Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin — todos a citaram como influência direta. Mas ela morreu pobre, doente, com uma perna amputada pelo diabetes, esquecida em um túmulo sem lápide.
Refém de gravadoras
Enquanto os homens que a copiaram ganhavam contratos milionários, prêmios e glórias, Rosetta enfrentava rejeição religiosa, preconceito racial, boicote institucional e invisibilidade histórica. Seus discos venderam bem, suas apresentações lotavam estádios, mas os lucros ficavam com as gravadoras. Era celebrada nos palcos, mas forçada a dormir em ônibus ou usar entradas separadas em hotéis por causa da segregação racial.
Além disso, sua vida pessoal também foi alvo de julgamento. Rosetta viveu amores com homens e mulheres, algo inconcebível para a moral da época, sobretudo vinda de uma artista que cresceu na fé cristã. Sua parceria intensa e afetiva com a também cantora Marie Knight foi vivida com discrição, mas marcou um período riquíssimo de sua carreira e de sua vida pessoal.
Quando morreu, em 1973, aos 58 anos, após um segundo derrame, não havia homenagens. Não havia aplausos. Não havia sequer uma lápide. Apenas o silêncio de uma indústria que já havia extraído tudo o que podia de sua genialidade — e a descartado.
Foi somente 36 anos depois, em 2009, que Rosetta Tharpe recebeu uma lápide. E só em 2018, entrou para o Hall da Fama do Rock and Roll, na categoria “influência precoce” — um prêmio tardio, mas necessário, para lembrar que antes dos reis, houve uma rainha, uma mãe, uma fundadora.
No Brasil não foi diferente
O caso de Sister Rosetta não é isolado. No Brasil, artistas como Elizeth Cardoso e Alaíde Costa, vozes fundadoras da bossa nova e do samba-canção, também foram empurradas para as margens de uma história que preferiu celebrar os homens. Mulheres negras foram frequentemente apagadas, mesmo sendo as primeiras a cantar, tocar e ousar. Mesmo sendo as primeiras a incendiar os palcos.
O que une essas mulheres não é só o talento extraordinário — é também o peso do apagamento, e a coragem de ter existido mesmo assim. De terem persistido mesmo quando a indústria, a crítica, a sociedade e os próprios fãs as quiseram fora do foco. Elas não foram notas de rodapé. Foram prólogo, fundação, gênese.
Hoje, quando se fala sobre rock, é preciso lembrar: sem Sister Rosetta Tharpe, o rock não teria alma. E se a história da música for contada com justiça, ela não começa com Elvis. Ela começa com ela.
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