Deputados aprovam PEC de Socorro a Municípios em sessão marcada por confronto sobre Trump e Bolsonaro

Enquanto o parlamento conclui a votação da PEC 66/2023, deputados de diferentes blocos confrontam-se sobre a responsabilidade pelas sanções econômicas dos EUA e os desdobramentos judiciais do ex-presidente

Brasília – No segundo dia do “esforço concentrado”, a sessão deliberativa extraordinária semipresencial desta terça-feira (15), na Câmara dos Deputados, concluiu a votação de 8 de um total de 34 projetos pautados. O destaque foi a aprovação em dois turnos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 66/2023, visando reorganizar as finanças municipais. A pauta do dia, no entanto, foi amplamente dominada por intensos debates entre os parlamentares sobre as recentes sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil e suas repercussões na política interna. Além da PEC municipalista, foram aprovados requerimentos de urgência e projetos de lei relacionados a temas como segurança pública, direito do consumidor e localização de pessoas desaparecidas.

Alívio financeiro para os Municípios
A principal matéria em votação foi a PEC 66/2023, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), que institui limites para o pagamento de precatórios pelos Municípios e abre um novo prazo de parcelamento especial para os débitos municipais com seus regimes próprios e o Regime Geral de Previdência Social. O Deputado Baleia Rossi (MDB-SP), relator da PEC na Comissão Especial, foi amplamente elogiado por seu “brilhante parecer” e por ter conduzido a construção de um texto que buscou consenso.

A proposta foi defendida por diversos parlamentares como um instrumento essencial para a sustentabilidade fiscal dos Municípios. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) afirmou que a PEC “visa salvar os Municípios das dificuldades financeiras” ao permitir o parcelamento de dívidas previdenciárias em até 300 meses e dar previsibilidade ao pagamento de precatórios, com porcentagens que variam de 1% a 5% da receita corrente líquida do ano anterior. Segundo ele, isso “vai sobrar dinheiro para fazerem investimento em educação, para a construção de escolas, para melhorarem os postos de saúde, para fazerem um atendimento melhor nas unidades básicas de saúde”.

O deputado Gabriel Nunes (PSD-BA) corroborou, destacando a importância da PEC para a bancada municipalista, que luta para “solucionar, de uma vez por todas, a questão dos débitos previdenciários e de precatórios”. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) e seu presidente, Paulo Ziulkoski, foram citados como grandes articuladores da proposta, que busca dar aos gestores “certidão” e “segurança” para o planejamento orçamentário.

O deputado Ricardo Ayres (REPUBLICANOS-TO) enfatizou que a PEC tem a mesma estatura da reforma tributária e das novas regras fiscais, sendo essencial para que as “políticas públicas possam se desenvolver a contento na educação, na saúde”. No entanto, a PEC 66/2023 também enfrentou forte oposição, principalmente sob a alegação de que a medida configurava um “calote” institucionalizado.

O deputado Kim Kataguiri (UNIÃO-SP) classificou a proposta como “outro roubo aos aposentados e aos pensionistas”, argumentando que a medida “condena os próprios filhos e os próprios netos a pagar uma dívida de R$ 1 trilhão e 500 bilhões de reais”. Ele criticou a permissão para “pedalar precatório”, o que, segundo ele, desincentiva a boa gestão fiscal e gera insegurança jurídica.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) reforçou que a PEC “institui na prática um calote aos precatórios alimentares” e que o prazo para o recebimento dos valores, que antes ia até 2029, poderia ser “extinto”, prejudicando pessoas idosas que dedicaram “a vida inteira a serviço público”.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) reiterou que “precatório não é favor nem é algo que possa se inscrever naquele famoso ‘devo, não nego, pago quando puder’”, classificando a PEC como uma “legitimação do calote”.

Durante a tramitação da PEC, a Emenda nº 05, que buscava impor aos Municípios um prazo de 18 meses para realizar a reforma da Previdência, foi rejeitada em votação separada (117 SIM x 335 NÃO). O deputado Rogério Correia (PT-MG) celebrou a rejeição, afirmando que a emenda era “muito perigosa e absurda” e feria o pacto federativo, pois impunha uma reforma sem discussão nas Câmaras Municipais. Em contrapartida, o deputado Gilson Daniel (PODE-ES), autor da Emenda 05, defendeu-a como uma medida para a “sustentabilidade” dos Municípios que ainda não adequaram seus regimes de previdência.

Outro destaque de bancada, relacionado à expressão “considerados os créditos suplementares e especiais incorporados ao limite de despesa de 2025” do §18-A do art. 165, também foi rejeitado (144 SIM x 318 NÃO). Deputados como Gilson Marques (NOVO-SC) argumentaram que o dispositivo era uma “manobra” para permitir que o Governo Federal gastasse R$ 12 bilhões adicionais em ano eleitoral, fora do arcabouço fiscal. Já o deputado Hildo Rocha defendeu a manutenção do trecho, afirmando que ele “dá conforto ao mercado” e “sustentabilidade à economia brasileira”, além de estar em sintonia com o arcabouço fiscal.

A PEC 66/2023 foi aprovada em primeiro turno por 404 votos a 67 e em segundo turno por 367 votos a 97. A redação final também foi aprovada por 353 votos a 76, e a matéria segue para o Senado Federal.

Sanções dos EUA foi o ponto de tensão da sessão
Grande parte da sessão foi dedicada às “Breves Comunicações”, com a discussão sobre as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, com tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, dominando o plenário. O deputado Cobalchini (MDB-SC) abriu o debate, expressando preocupação com as medidas anunciadas por Donald Trump, que representam um “verdadeiro bombardeio à nossa economia”. Ele destacou que Santa Catarina, seu estado, exportou “R$ 1,74 bilhão de dólares para os Estados Unidos” em 2024, e as tarifas podem levar à “perda de aproximadamente 75 mil empregos” no estado. Ele apelou para a diplomacia e para a tradição do Itamaraty como “ilha de excelência” para mediar um acordo.

A maioria dos parlamentares governistas e de centro-esquerda ligou as sanções à situação política interna do Brasil, criticando a suposta interferência externa nos processos judiciais brasileiros. O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) afirmou que a medida agressiva de Trump tinha como fundamento “uma tentativa de intromissão absolutamente descabida e indevida no sistema de Justiça do nosso País”, visando proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro de prestar contas à Justiça.

O deputado Merlong Solano (PT-PI) endossou a posição, mencionando uma nota da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos que condena as tarifas. Ele também criticou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por, supostamente, “tramar contra o Brasil” a partir dos Estados Unidos, buscando “pressionar as instituições” para impedir a “condenação, que parece inevitável, do seu pai pelos crimes que cometeu”.

O deputado Luiz Couto (PT-PB) chamou o governo americano de “novo Hitler” por sua suposta tentativa de “influenciar nossa Nação brasileira e nossa Justiça brasileira”.

Já a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) classificou a postura da extrema-direita como “hipocrisia patriótica”, afirmando que “nunca essa turma bolsonarista (…) defendeu o Brasil” e que a “chantagem” de Trump de impor tarifas caso o julgamento de Bolsonaro não fosse encerrado era uma “intervenção absurda”.

O deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) reiterou que a ação de Trump buscava o “encerramento do julgamento do Bolsonaro”, destacando o papel do filho do ex-presidente em “manipular e tentar fazer com que haja sanções sobre a economia brasileira”. Enquanto o deputado Jorge Solla (PT-BA) chegou a afirmar que a família Bolsonaro é composta por “entreguistas, vira-latas e criminosos” que “tramaram um golpe de Estado” e tentaram “assassinar o Presidente eleito”.

Em contrapartida, parlamentares da oposição criticaram a política externa do Governo Lula e defenderam Jair Bolsonaro. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) ironizou a reação do Governo Lula às tarifas, afirmando que “Lula arregou” e que as sanções americanas, juntamente com advertências da OTAN, seriam consequência do “financiamento da Rússia” pelo Brasil. Ele classificou o governo atual como “tão podre, tão ruim” que não consegue nem mesmo usar a questão das tarifas para melhorar sua aprovação.

O deputado Coronel Ulysses (UNIÃO-AC) chamou Lula de “símbolo da destruição da Nação brasileira” e atribuiu as tarifas americanas às “atitudes” e “irresponsabilidade” do atual presidente.

O deputado Rodrigo da Zaeli (PL-MT) questionou a lógica do PT de se opor às tarifas externas enquanto o próprio governo teria criado “24 novos impostos ou aumentos de impostos” internamente.

O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), embora crítico às tarifas, também criticou a “autofagia do bolsonarismo” contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REPUBLICANOS), reforçando que a direita não deve ceder a “chantagens”.

Outras deliberações e debates relevantes
A sessão também abordou outras matérias e discussões importantes:

Licenciamento Ambiental (PL da Devastação): Parlamentares como Nilto Tatto (PT-SP), Clodoaldo Magalhães (PV-PE), Maria Arraes (SOLIDARIEDADE-PE), Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Alice Portugal (PCdoB-BA) manifestaram-se contra o Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como “PL da devastação”. Eles alertaram para os “retrocessos sociais e ambientais muito graves” que a aprovação do projeto traria, como a destruição da Mata Atlântica e facilidade para aprovar barragens como as de Brumadinho e Mariana, além de prejudicar o comércio internacional do Brasil.
O deputado Sidney Leite (PSD-AM), contudo, argumentou que a lei é necessária para destravar investimentos e obras essenciais, como a BR-319, e que a atual política ambiental “punia” e era “equivocada”.

PEC da Segurança Pública (PEC 18/2025): O deputado Pedro Aihara (PRD-MG) expressou posição contrária à PEC 18/2025, criticando a centralização de competências na União e a falta de atenção às condições de trabalho dos agentes de segurança. O deputado Delegado da Cunha (PP-SP) também se opôs, afirmando que a PEC “não resolve o problema da segurança pública no Brasil” e não ataca questões como a reincidência criminal.

Taxação de Super-Ricos e Jornada de Trabalho: O deputado Waldenor Pereira (PT-BA) destacou o lançamento de um plebiscito popular que consulta a população sobre a redução da jornada de trabalho (de 44 para 40 horas semanais, com potencial de gerar 3,6 milhões de empregos) e a proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil reais, com taxação para rendas acima de R$ 50 mil reais, visando “justiça tributária”.

Outros projetos aprovados:
Urgência do PL 1978/2025: Que estabelece aumento de pena para maus-tratos contra pessoas com deficiência. Aprovada.

Urgência do PL 1881/2025: Que cria o Fundo de Fortalecimento do Acesso à Justiça, Promoção dos Direitos Fundamentais e Estruturação da Defensoria Pública da União. Aprovada, apesar das críticas do deputado Gilson Marques (NOVO-SC) sobre a criação de novos gastos estatais.

Urgência do PL 2795/2023: Que institui o Programa Saúde da Criança nas Escolas e determina a distribuição de lentes corretivas e aparelhos auditivos. Aprovada.

PL 1765/2019 (Adicional ao Frete): Que prorroga o prazo de vigência da não incidência do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante. As emendas do Senado foram aprovadas, mantendo a prorrogação até 8 de janeiro de 2027.

PL 9348/2017 (Alerta Amber Brasileiro): Que determina alerta imediato em caso de desaparecimento de criança ou adolescente por empresas de telefonia e sites de redes sociais. Aprovado, com emenda que expande a abrangência para idosos e pessoas com deficiência.

A sessão, que se estendeu até a madrugada, demonstrou as profundas divisões ideológicas e as prioridades divergentes entre os blocos parlamentares, com um forte foco nas questões econômicas e na soberania nacional em face das tensões diplomáticas.

O “esforço concentrado” para limpar a pauta deste primeiro semestre, prossegue nesta quarta-feira (16). Constam 26 projetos que podem ser votados. A sessão deliberativa foi convocada para às 10hs.

Iniciada às 9h24, ocorre neste momento no Plenário, uma Comissão Geral para debater a Semana do Meio Ambiente a COP 30 e seus desafios. Confira aqui, a lista dos oradores inscritos. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), estado anfitrião da COP30, será um dos oradores da sessão.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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