A XVII Cúpula do BRICS, realizada no Rio de Janeiro com encerramento em 7 de julho, revelou um claro recuo do bloco quanto ao compromisso de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, mesmo após a voz ativa do Brasil e a crescente pressão global por ações climáticas efetivas.
Embora o Acordo de Paris e as COPs exijam reduções ambiciosas de emissões, o documento final da cúpula afirma que “os combustíveis fósseis ainda têm papel importante na matriz energética mundial, particularmente para mercados emergentes e economias em desenvolvimento”. Essa formulação marca um contraste com as metas firmadas na COP28, em 2023, que apontavam para a eliminação progressiva de petróleo, gás e carvão.
Chama atenção o fato de que um trecho semelhante já havia sido proposto pela Bolívia durante negociações anteriores da Convenção do Clima em Bonn — e que, desta vez, foi aceito pelos países do BRICS com menos resistência. Isso indica que o bloco está cada vez mais distante das recomendações científicas e da urgência imposta pela crise climática global.
Financiamento climático, transição justa e sensibilidades do Sul Global
Paralelamente ao recuo sobre os fósseis, a declaração final reforçou a necessidade de financiamento climático acessível e concessional, com ênfase na responsabilidade histórica dos países desenvolvidos em apoiar nações em desenvolvimento. O documento também menciona o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), iniciativa brasileira que será apresentada durante a COP30 em Belém, e encoraja doadores a realizarem contribuições significativas para sua efetivação.
O texto reafirma ainda o compromisso com transições energéticas justas, ordenadas e inclusivas, respeitando as particularidades de cada país, e defende o acesso universal a energia de qualidade e preços acessíveis. Contudo, sem metas claras de redução de emissões ou cronogramas de abandono dos combustíveis fósseis, o risco é perpetuar o modelo energético insustentável que hoje alimenta o agravamento da crise climática.
Tensões internas revelam divergências sobre clima e desenvolvimento
Durante a plenária dedicada a meio ambiente, COP30 e saúde global, o presidente Lula declarou que “é inadiável promover a transição justa e planejada para o fim do uso dos combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento”. Ele reforçou o papel do Sul Global na construção de um novo paradigma de desenvolvimento que não repita os erros históricos dos países industrializados.
No entanto, não está claro se todos os membros do BRICS compartilham essa visão. Economias altamente dependentes da exportação de petróleo e gás — como China, Índia, Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã — demonstram resistência à adoção de metas mais ousadas. A ausência dos presidentes da Rússia e da China nesta cúpula, inclusive, foi interpretada como um sinal das tensões geopolíticas e de prioridades distintas entre os países membros.
Oportunidades e desafios para a presidência brasileira do “ano climático”
Com a presidência do BRICS e a realização da COP30 em novembro, em Belém (PA), o Brasil ocupa posição estratégica para articular uma agenda climática mais ousada. A expectativa é que o país consiga conduzir o bloco rumo a compromissos mais concretos e condizentes com a urgência global. No entanto, observadores apontam que, sem cronogramas definidos para a transição energética e redução efetiva de emissões, o BRICS pode perder relevância como ator na governança climática.
Dados atualizados sobre aumento das emissões fósseis
Emissões globais em alta contínua
- Em 2024, as emissões globais de CO₂ relacionadas à energia atingiram 37,4 bilhões de toneladas, um aumento de 0,8% em relação a 2023, registrando um novo recorde histórico.
- A concentração de CO₂ atmosférico chegou a 422,5 partes por milhão (ppm), cerca de 52% acima dos níveis pré-industriais.
- No total de gases de efeito estufa (sem uso da terra – LULUCF), as emissões globais alcançaram 53 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente em 2023, com alta de 1,9% sobre 2022.
Combustíveis fósseis como principais responsáveis
- Em 2024, as emissões por uso de gás natural aumentaram 2,5%, sendo o principal fator de crescimento.
- As emissões por uso de carvão cresceram 0,9%, e as de petróleo, 0,3%, impulsionadas pela retomada da aviação e expansão do setor petroquímico.
- Em 2023, todas essas fontes fósseis também apresentaram crescimento: carvão (+1,1%), petróleo (+1,5%) e gás (+0,5%).
Distribuição geográfica
- Os países que mais contribuíram para o aumento foram China, Índia, Estados Unidos, além de produtores intermediários como Brasil e Rússia.
- A China liderou o crescimento absoluto, com aumento estimado de 784 milhões de toneladas de CO₂e em 2023.
- A Índia teve o maior crescimento proporcional: +6,1% em relação a 2022.
- Em contrapartida, a União Europeia reduziu suas emissões em cerca de 7% no mesmo ano, graças à aceleração da transição energética e fechamento de usinas a carvão.
Por que a transição energética é urgente e estratégica
Evitando colapsos climáticos
Pesquisadores reunidos na conferência de Exeter (Reino Unido) alertam que, para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, as emissões precisam ser reduzidas pela metade a cada cinco anos a partir de 2025. Isso exigirá cortes anuais de aproximadamente 12%, algo só possível com substituição acelerada dos fósseis por fontes renováveis.
Sem ação imediata, o mundo enfrentará eventos climáticos extremos com frequência e intensidade cada vez maiores, elevação do nível do mar, colapso de ecossistemas e agravamento de desigualdades sociais.
Benefícios econômicos e oportunidades
- O custo da geração solar e eólica caiu de forma expressiva: 86% da nova capacidade instalada em 2022 já era mais barata que fontes fósseis em diversos mercados.
- A adoção dessas tecnologias permitiu à União Europeia economizar €59 bilhões em importações de combustíveis fósseis nos últimos cinco anos, evitando a emissão de 460 MtCO₂.
- No setor de transportes, veículos elétricos produzem 73% menos emissões ao longo de seu ciclo de vida do que veículos a combustão.
Justiça climática e segurança energética
Para países do Sul Global, a transição energética precisa garantir acesso universal à energia limpa e acessível, com financiamento adequado, transferência de tecnologia e valorização de saberes locais. Fundos como o TFFF são estratégicos para alinhar conservação ambiental, justiça social e desenvolvimento sustentável.
Panorama final
A cúpula do BRICS no Brasil revelou uma contradição central: embora o grupo defenda uma transição energética justa e inclusiva, na prática optou por suavizar ou retirar compromissos com o abandono dos combustíveis fósseis. Essa postura reflete os interesses econômicos de curto prazo dos membros, mas entra em choque com os alertas da ciência e com os limites físicos do planeta.
Com a COP30 se aproximando, o Brasil tem a chance de exercer liderança regional e global, fortalecendo a coerência entre discurso e prática na agenda climática. O desafio será grande, mas o mundo observa — e espera mais que declarações simbólicas: exige ações estruturantes, metas firmes e alianças verdadeiras para frear o colapso climático e construir um futuro sustentável.
Referências
- Sumaúma. No Brasil, líderes do BRICS recuam no compromisso de eliminar combustíveis fósseis. 08 jul. 2025. Disponível em: https://sumauma.com/no-brasil-lideres-do-brics-recuam-no-compromisso-de-eliminar-combustiveis-fosseis/
- Global Carbon Budget. Fossil CO2 emissions increase again in 2024. Disponível em: https://globalcarbonbudget.org/fossil-fuel-co2-emissions-increase-again-in-2024/
- European Commission – EDGAR. Greenhouse gas emissions up to 2023. Disponível em: https://edgar.jrc.ec.europa.eu/report_2024
- Reuters. To win race against climate disaster, emissions must halve in five years. 08 jul. 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/sustainability/climate-energy/win-race-against-climate-disaster-we-need-halve-emissions-over-next-five-years-2025-07-08/
- The Conversation. Fossil CO₂ emissions hit record high yet again in 2023. 05 dez. 2023. Disponível em: https://theconversation.com/fossil-co-emissions-hit-record-high-yet-again-in-2023-216436
- Reuters. Battery electric cars produce 73% less emissions – research. 08 jul. 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/sustainability/climate-energy/battery-electric-cars-produce-73-less-emissions-research-2025-07-08/
- Agência Senado. COP30 será realizada em Belém do Pará. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/01/cop30-sera-realizada-em-belem-do-para
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