Nem Bolonha, nem Landi. O mais talentoso arquiteto paraense foi Francisco de Paula

Quatro grandes expoentes da Arquitetura Mundial Contemporânea visitaram o Rio de Janeiro entre os anos de 1951 e 1954, a convite de instituições culturais da cidade.

Walter Gropius, o fundador da Escola Bauhaus, um marco da História da Arquitetura e da Arte Moderna.

Max Bill, um dos mais importantes e influentes designers nos últimos dois séculos, o festejado protagonista do “Swiss Style”.

Siegfried Giedon, o secretário-geral do Congrès International d´Architecture Moderne.

E, Ernesto Rogers, o editor de “Domo”, revista italiana especializada em Arquitetura.

Os quatro, na contramão da admiração generalizada por Oscar Niemeyer, abriram um caloroso debate, de repercussão mundial.

Sustentaram que o arquiteto brasileiro usava de modo caprichoso e gratuito, em suas obras, as formas arquitetônicas.

E que isto redundava em prejuízo da lógica estrutural que deveria presidir a construção daquelas obras.

Eles surpreenderam também ao defenderem outro ponto de vista.

O de que o arquiteto mais importante do Brasil, naquele momento era Afonso Eduardo Reidy, um profissional de comportamento retraído, oposto ao de Niemeyer.

Era Reidy – afirmaram eles – quem perseguia, com brilhantismo, a verdadeira finalidade da Arquitetura: a de se tornar um veículo de sociabilidade humana.

Isto Reidy havia demonstrado no modo como atuava na direção do Departamento de Habitação Popular – DHP, do Rio de Janeiro.

Sobretudo, na construção de um conjunto habitacional, o Pedregulhos, admirado pelos quatro estrangeiros.

Aquele debate ganhou tanta importância que, meio século depois, foi reconstituído logo na apresentação de uma publicação editada, em 2003, pelo Departamento de Projetos de Arquitetura da Universidade Politécnica da Catalunha, inteiramente dedicada à carreira de Reidy.

Nas obras que realizava através do Departamento de Habitação Popular – DHP, Reidy contava com a colaboração que lhe dava um jovem paraense, formado em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Francisco de Paula Lemos Bolonha.

O paraense havia sido admitido no departamento de Reidy, cinco anos antes, com apenas 23 anos de idade.

 Mas, desde os 19 anos de idade, ele já era conhecido entre grandes artistas e arquitetos como Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Carlos Drummond Andrade, Oscar Niemeyer e Reidy, devido à ousadia com que, como estudante de Arquitetura, havia enfrentado o conservadorismo da Escola Nacional de Belas Artes.

Junto com quatro colegas, ele tinha afrontado o apego ao velho estilo Neocolonial, mantido pela escola, inscrevendo projetos modernistas, numa de suas Exposições Anuais.

Seus projetos causaram muita irritação e chegaram a ser vandalizados.  

Mas, isto só serviu para levantar um clamor público pela imprensa em defesa deles.

O que lhes rendeu o apoio, a solidariedade pública e o reconhecimento de seus talentos por parte daquele grupo de artistas e arquitetos mencionado.

Naquela empreitada, um dos companheiros de Bolonha foi o jovem Alfredo Cesquiatti.

Coube a Cesquiatti, mais tarde, esculpir as peças instaladas por Niemeyer, na Igreja de Pampulha, em Minas Gerais, no Palácio da Alvorada, no Palácio do Itamaraty, na Câmara dos Deputados e na Catedral, de Brasília. 

Quanto a Francisco de Paula, vindo da família de um antigo construtor de Belém, seu tio, Francisco Bolonha, logo foi aceito, na condição de estagiário, nos escritórios do mais avançado grupo da arquitetura brasileira, e, um dos elaboradores do plano geral da Cidade Universitária do Rio de Janeiro.

Do qual participavam Niemeyer, Burle Marx e Aldari Toledo.

Naqueles escritórios, o jovem paraense se firmou profissionalmente.

Seus conceituados chefes confiavam nele a ponto de levá-lo para Araxá e Cataguases, em Minas Gerais, onde todos eles – inclusive Francisco de Paula, ainda nos anos de 1940, criariam outro momento importante da História da Arquitetura Moderna, no Brasil.

Deste modo, Francisco de Paula, um ano depois de formado, com 23 anos de idade, pôde preparar, em 1946, o projeto da Fonte Andrade Júnior, construída, em Araxá, dentro de um conjunto paisagístico criado por Burle Marx.

Sobre esta fonte, dizem, em um artigo, professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia:

“Num contexto histórico em que vigorava as construções neoclássicas advindas da Europa, a obra do arquiteto Francisco de Paula Bolonha para a Fonte Andrade Junior se destaca por trazer uma nova concepção, tanto técnica quanto formal, a uma tipologia de edifício típica das construções europeias, mostrando sensibilidade e ousadia ao adaptá-lo ao contexto brasileiro”.

Ainda aos 23 anos de idade, Bolonha construiu o Conjunto Habitacional de Paquetá, para o departamento chefiado por Reidy.

Esta sua obra foi considerada como “uma das mais felizes experiências de habitação social no Brasil”, por Márcia Poppe, do Documentation and Conservation Modern Movement, órgão da consultoria da UNESCO.

Como arquiteto do Departamento de Habitação Popular, Bolonha iria construir também mais de 250 escolas, no Rio de Janeiro, fazendo uso de apenas cinco módulos criados por ele mesmo, os quais podiam ser utilizados em quaisquer terrenos.

No caso destas obras, diz a Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais:

“A Arquitetura não é mais concebida como Arte, mas como Ciência”.

Aos 25 anos de idade, Bolonha começou a se projetar internacionalmente.

Um projeto que ele tinha preparado para o Jockey Clube do Rio de Janeiro não foi construído.

Mas, era tão belo que apareceu estampado na capa da Arquitetura L’Architecture D’Aujourd’Hui, revista especializada francesa.

A carreira produtiva e criativa de Francisco de Paula estendeu-se até 1987, quando também já havia trabalhado como consultor do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e como curador de museus.

Para sua cidade, ele deixaria o Projeto do Monumento a Lauro Sodré construído em frente ao Mercado de São Brás.

Merecidamente, ele deve ser visto como o mais talentoso arquiteto nascido em Belém.

Afinal, seu tio Francisco Bolonha, também nascera em Belém, mas era engenheiro civil e não arquiteto.

E, Landi, embora fosse arquiteto, como Francisco de Paula, não era paraense, mas italiano.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

Neither Bolonha nor Landi. The Most Talented Architect from Pará Was Francisco de Paula

Between 1951 and 1954, four leading figures of contemporary world architecture visited Rio de Janeiro at the invitation of the city’s cultural institutions.

Walter Gropius, founder of the Bauhaus School — a milestone in the history of architecture and modern art.

Max Bill, one of the most important and influential designers of the last two centuries, celebrated protagonist of the “Swiss Style.”

Siegfried Giedion, secretary-general of the Congrès International d’Architecture Moderne.

And Ernesto Rogers, editor of Domus, the renowned Italian architecture magazine.

Going against the widespread admiration for Oscar Niemeyer, these four launched a heated debate that resonated worldwide.

They argued that Niemeyer’s use of architectural forms was whimsical and gratuitous, undermining the structural logic that should govern architectural design.

They also surprised many by defending another viewpoint: that the most important Brazilian architect at the time was Afonso Eduardo Reidy — a reserved professional, the opposite of Niemeyer.

According to them, Reidy brilliantly pursued architecture’s true purpose: to serve as a vehicle for human sociability.

This, they said, was evident in his leadership of Rio de Janeiro’s Department of Public Housing (DHP), especially in his work on the Pedregulho housing project — a development admired by all four foreign visitors.

The debate became so significant that, half a century later, it was revisited in the introduction of a 2003 publication by the Department of Architectural Projects at the Polytechnic University of Catalonia, entirely dedicated to Reidy’s career.

In his work at the DHP, Reidy relied on the collaboration of a young architect from Pará, a graduate of Rio de Janeiro’s National School of Fine Arts — Francisco de Paula Lemos Bolonha.

Bolonha had joined Reidy’s department five years earlier, at just 23 years old.

But even at 19, he was already known among renowned artists and architects like Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, and Reidy himself, thanks to the bold way he had challenged the conservatism of the National School of Fine Arts as a student.

Together with four fellow students, he defied the school’s attachment to the outdated Neocolonial style by presenting modernist projects at one of its annual exhibitions.

His works stirred outrage — some were even vandalized.

Ironically, this only sparked a public outcry in the press in their defense.

The controversy earned them support, public solidarity, and recognition from that circle of prominent artists and architects.

One of Bolonha’s companions in that endeavor was the young Alfredo Ceschiatti, who would later sculpt pieces for Niemeyer’s projects at Pampulha Church, the Palácio da Alvorada, the Itamaraty Palace, the Chamber of Deputies, and Brasília Cathedral.

As for Francisco de Paula, coming from a family of builders – his uncle, Francisco Bolonha, was a well-known constructor in Belém – he soon landed an internship with Brazil’s leading architectural group, which was responsible for the general master plan of Rio de Janeiro’s University City.

The group included Niemeyer, Burle Marx, and Aldary Toledo.

In their offices, the young architect from Pará quickly made a name for himself.

His respected mentors trusted him enough to take him to Araxá and Cataguases, in Minas Gerais, where they – along with Francisco de Paula, still in the 1940s – contributed to another landmark moment in the history of Brazilian modern architecture.

Just one year after graduating, at the age of 23, Bolonha designed the Andrade Júnior Fountain in 1946, in Araxá, within a landscaped setting created by Burle Marx.

On this work, professors from the Faculty of Architecture and Urbanism at the Federal University of Uberlândia wrote:

“In a historical context dominated by European neoclassical architecture, Francisco de Paula Bolonha’s design for the Andrade Júnior Fountain stands out for introducing a new concept — both technically and formally — to a building typology rooted in European traditions, showing sensitivity and boldness in adapting it to the Brazilian context.”

Also at age 23, Bolonha designed the Paquetá Housing Complex for Reidy’s department.

This project was later described by Márcia Poppe of the Documentation and Conservation Modern Movement (DoCoMoMo), a UNESCO advisory body, as “one of the most successful examples of social housing in Brazil.”

At the DHP, Bolonha would go on to design more than 250 schools in Rio de Janeiro, using only five modular designs he had created — adaptable to any site.

Regarding these works, the Itaú Cultural Visual Arts Encyclopedia notes:

“Architecture was no longer conceived as Art, but as Science.”

At 25, Bolonha began to gain international recognition.

A project he designed for the Jockey Club of Rio de Janeiro was never built, but it was striking enough to appear on the cover of L’Architecture d’Aujourd’hui, the renowned French architectural magazine.

Francisco de Paula’s productive and creative career extended until 1987. He also served as a consultant for the Rio de Janeiro Museum of Modern Art and as a museum curator.

For his hometown, he left the design of the Lauro Sodré Monument, erected in front of the São Brás Market.

He rightfully deserves recognition as the most talented architect born in Belém.

After all, his uncle Francisco Bolonha — though also born in Belém — was a civil engineer, not an architect.

And Landi, although an architect like Francisco de Paula, was not from Pará, but from Italy.

  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: Francisco de Paula and his wife, Regina)

The post Nem Bolonha, nem Landi. O mais talentoso arquiteto paraense foi Francisco de Paula appeared first on Ver-o-Fato.