Brasil avança, mas ainda está longe das metas do saneamento básico

O Brasil completou nesta semana 5 anos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, estabelecido pela lei 14.026 de 2020. A legislação determinou metas ambiciosas: garantir o acesso de 99% da população à água potável e de 90% ao esgotamento sanitário até 2033. Mas, a julgar pelo ritmo atual de investimentos e pela implementação desigual entre os municípios, essas metas estão longe de ser cumpridas no prazo.

Segundo um estudo do CLP (Centro de Liderança Pública), se mantida a tendência dos últimos anos, a universalização do saneamento deve ser alcançada apenas em 2070, um atraso de quase 4 décadas em relação ao estimado.

A defasagem é resultado de décadas de estagnação no setor e de disparidades regionais persistentes. Em 2023, 65,4% da população brasileira tinha acesso simultâneo à água encanada e rede de esgoto, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O índice era de apenas 30% em áreas não metropolitanas do Norte e do Nordeste. Segundo o CLP, mais de 32 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso à água potável, e 90 milhões não têm esgoto tratado.

COMPARAÇÕES INTERNACIONAIS

O desempenho do Brasil contrasta com o de países em desenvolvimento. De acordo com dados do Banco Mundial citados pelo CLP, nações como México, China e Índia superaram o Brasil em cobertura de esgoto nos últimos anos.

De acordo com a organização, apenas 49,6% da população brasileira tinha acesso a esgoto tratado em 2022. A diferença com o número do IBGE ocorre porque a instituição brasileira considera o uso de fossas sépticas, que, apesar de aumentar a cobertura, não significa que o esgoto esteja sendo tratado de forma adequada.

AVANÇOS COM PPPS, ENTRAVES COM FLEXIBILIZAÇÕES

As causas para o atraso são conhecidas: baixa segurança jurídica, ausência de regulação externa obrigatória até 2007 e a concentração do setor em estatais sem metas de eficiência.

“Eu diria que o que atrasou o Brasil foi a falta de segurança jurídica para o investimento e barreiras à entrada para o setor privado. Até 2007, não havia obrigatoriedade de regulação externa. Ou seja, era um setor marcado pela autorregulação […] quem regulava era diretamente o prefeito, o governador etc. Isso politizava demais e tornava quase que impossível ter investimento”, disse Gesner Oliveira, economista e ex-presidente da Sabesp, ao Poder360.

A lei de 2020 promoveu mudanças estruturais no setor. Entre as principais, estão:

  • a exigência de comprovação de capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviço;
  • o estímulo à concorrência com o fim dos chamados “contratos de programa”, que permitiam a renovação automática de acordos entre municípios e empresas estatais;
  • o fortalecimento da ANA (Agência Nacional de Águas), que passou a atuar como supervisora regulatória do setor.

Essas medidas foram desenhadas para atrair investimentos privados por meio de concessões e PPPs (parcerias público-privadas). A partir de então, houve avanços expressivos em Estados como Alagoas, Espírito Santo e Amapá, com melhoria na cobertura e nos indicadores de qualidade.

No entanto, um decreto editado em 2023 pelo governo federal criou controvérsias ao flexibilizar parte das exigências da lei. A norma (decreto 11.598) dispensou cerca de 1.700 municípios da obrigação de comprovar viabilidade econômico-financeira. Segundo o CLP, isso colocou em risco o princípio da segurança jurídica e regulatória, considerado fundamental para atrair investimentos privados.

ENTRAVES ESTRUTURAIS E OPORTUNIDADES

Além disso, outros obstáculos dificultam o avanço da cobertura. Entre eles, estão gargalos na execução de obras, como falta de mão de obra qualificada e escassez de insumos, e a alta de juros, que encarece o custo do capital investido.

Ainda assim, Gesner vê o momento atual como uma janela de oportunidade, com um cenário mais aberto a participação da iniciativa privada.

“Tem um problema sempre, as licitações demoram, mas eu vejo um aspecto muito positivo que, hoje, não há mais a resistência que havia no passado às parcerias e concessões. No passado, havia muita resistência. Uma verdadeira campanha contra as parcerias. Ao passo que, hoje, não. Você vê o governo federal, os governos estaduais, os municípios, todos agindo em prol das parcerias e concessões”, declarou.

Para ele, 3 frentes são essenciais para que o país consiga avançar:

  • Estabilidade macroeconômica

“Tem havido uma elevação de taxa de juros que naturalmente encarece o capital a ser aplicado, o que é bastante grande”, afirmou o ex-presidente da Sabesp.

  • Fortalecimento das agências reguladoras

“Já demos passos muito importantes, mas é preciso assegurar que as agências reguladoras tenham recursos humanos, tenham recursos materiais, sejam independentes.

“Precisa haver um contínuo fortalecimento das agências reguladoras para que haja uma regulação independente de boa qualidade que dê segurança para o investimento”, declarou.

  • Planejamento público

“[É importante] mostrar de maneira clara quais são as metas, fazer planos diretores, integrar os segmentos do saneamento, como água e esgoto, também resíduos sólidos urbanos e o manejo das águas pluviais. […] Também é importante haver o apoio à inovação para que você possa atender áreas remotas com tecnologias adequadas, mais baratas, para que você possa também desenvolver o atendimento de áreas informais, de comunidades”, disse.

O CAMINHO ATÉ A UNIVERSALIZAÇÃO

A avaliação dos especialistas é que, embora as metas de 2033 sejam desafiadoras, ainda são possíveis num cenário otimista. Para isso, será preciso dobrar os investimentos e ampliar os modelos de concessão e regionalização, estratégia que agrupa municípios para criar escala e atrair investidores.

“Ao agruparem-se em blocos regionais, os municípios conseguem ganhos de escala, eficiência operacional e sustentabilidade econômica, facilitando o acesso a recursos e aumentando as chances de cumprimento das metas estabelecidas”, diz a nota técnica da entidade.

Em leve discordância com a nota da CLP, Gesner Oliveira avalia que o Brasil não pode ser julgado só com base na média dos últimos anos.

“É uma análise que olha muito pelo retrovisor […] se você fizer a suposição de que não vai mudar o ritmo [de investimento], de fato, vai demorar muito mais tempo. Mas o que a gente tem observado é que tem aumentado muito o investimento”, afirmou.

Embora os investimentos ainda não tenham alcançado o patamar desejado, os números mostram um crescimento significativo. Segundo ele, o volume investido saltou de aproximadamente R$ 22 bilhões para algo próximo de R$ 30 bilhões em 2023. No entanto, para atingir os objetivos de longo prazo, a meta é chegar a uma média anual de R$ 44 bilhões.

“Nós ainda não vimos o aumento necessário, ainda é insuficiente. Mas eu acho que os indicadores apontam para um ramp-up (aceleração) do investimento”, afirmou.


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