Código protege arte brasileira de tarifaço, mas setor fica em alerta

Obras de arte devem ficar isentas das tarifas de 50% que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), aplicará aos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto de 2025. Isso porque um código da IEEPA (Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional) garante isenções específicas a certos tipos de bens quando sanções ou tarifas emergenciais são impostas.

O Poder360 apurou que donos de galerias e organizadores de feiras confiam na manutenção da proteção legal, mas acompanham os desdobramentos da política comercial norte-americana com atenção. Os EUA são o principal destino de exportações de peças de arte do Brasil: 56% de tudo o que vai para fora têm o mercado norte-americano como destino.

Quando não há sanções ou sobretaxas, o HTS (Harmonized Tariff Schedule), tabela oficial da USITC (Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos), garante a desoneração de pinturas, esculturas, desenhos originais e antiguidades. Quando há “ameaça incomum e extraordinária; declaração de emergência nacional”, o código 50 USC 1702(b) da IEEPA é acionado. Ele garante proteção a livros, filmes, fotografias e obras de arte, classificados como “materiais informativos“. Mobiliário contemporâneo, design autoral e joias não estão incluídos na proteção e ficam sujeitos ao aumento de custos.

Mercado em alerta

No fim de abril de 2025, o Financial Times reportou que galerias pelo mundo adotaram comportamento defensivo, inclusive reduzindo envios de obras para feiras norte-americanas, por causa da série de anúncios de tarifas de Trump que atingem inúmeros países.

A feira Frieze New York emitiu um alerta aos expositores sobre possíveis mudanças tarifárias. O jornal britânico também citou o cancelamento da venda de uma obra de US$ 90.000 de Londres para os EUA. Consultores especializados começaram a trabalhar em regime de emergência para decifrar o cenário.

Segundo a 7ª Pesquisa Setorial do Mercado de Arte, o Brasil exportou em 2023 US$ 31 milhões em obras de arte, equivalentes a 0,87% do mercado global. Depois dos EUA, principal destino das obras brasileiras (56%), vêm Reino Unido (21%), França (7%), Suíça (4%) e Bélgica (2%).

Márcia Fortes, sócia fundadora da Fortes D’Aloia & Gabriel, afirmou ao Poder360 que está “monitorando com atenção e preocupação os recentes movimentos do governo norte-americano”. Para ela, as isenções previstas pelo sistema tarifário dos EUA para importações são “um exemplo que poderia ser considerado pelo governo brasileiro, que taxa em cerca de 42% as importações de obras de arte.”

Renato Magalhães, da Magalhães Gouvêa e membro da AGAB (Associação de Galerias de Arte do Brasil), disse a este jornal digital que houve preocupação inicial com o tarifaço, mas afirmou estar confiante na manutenção das isenções. “Conversei com alguns galeristas, mas ninguém tinha certeza do que aconteceria. A AGAB, através do nosso advogado, está estudando o caso, mas ao que tudo indica, obras de arte não serão afetadas”, disse.

“As galerias estrangeiras participantes das feiras de arte nos Estados Unidos não serão prejudicadas. Porém, o clima instável pode afastar visitantes estrangeiros e colecionadores, afetando os resultados das feiras. Vamos conferir em dezembro”, disse Marília Razuk, da galeria homônima.

Efeitos no design

No design, o cenário ainda é desconhecido. Duas grandes empresas, uma de móveis e outra de revestimentos cerâmicos autorais, preferiram não se manifestar oficialmente, mas acreditam na normalização da situação. Ambas têm grandes operações nos EUA, com executivos norte-americanos.

Elcio Gozzo, CEO da SysGroup e sócio da MADE (Mercado, Arte, Design, 1ª feira internacional de design colecionável do Brasil), afirmou ver a possibilidade de que os móveis de design autoral sejam aceitos como obras de arte, mas, para isso, “será necessário comprovar a autenticidade e autoria, demonstrar valor artístico e histórico da peça e se possível obter binding ruling da CBP (uma análise e autenticação oficial da alfândega americana)”.

Sem este reconhecimento formal, diz Gozzo, as peças, que hoje têm tarifa zero, serão tratadas como mobiliário comum e sofrerão a tarifa cheia. “Neste momento, sentimos entre nossos clientes um ambiente de incerteza e cautela com relação à continuidade das operações comerciais nesse segmento”, diz.

Se peças autorais de design e joias não forem isentas das tarifas, “um aumento nos custos pode afetar a competitividade desses produtos, a participação de galerias e designers brasileiros e o fluxo de negócios nesses eventos”, diz Thierry Chemalle, economista da arte e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O impacto se estende às feiras internacionais que contam com expositores brasileiros, especialmente aquelas que abrangem múltiplas categorias de bens culturais e de luxo, afirma.

Cenários

Ainda que obras de arte originais continuem isentas de tarifas de importação nos Estados Unidos, o impacto das novas sobretaxas pode ser sentido de forma indireta em diversas frentes do ecossistema do mercado de arte, diz Chemalle. “Muitos dos serviços e insumos que viabilizam a circulação internacional de obras —como embalagens técnicas, materiais de montagem, transporte especializado, seguros, mobiliário expositivo e até infraestrutura de feiras— envolvem produtos que não gozam da mesma isenção tarifária e podem ser diretamente afetados pelas novas taxas. Mesmo que a obra em si chegue isenta, toda a cadeia logística e operacional que a acompanha pode sofrer encarecimento”, diz.

A reversão da isenção, por sua vez, teria diversos efeitos, segundo o economista. Para galerias, o aumento do custo de envio e comercialização comprometeria a capacidade de inserção internacional. Casas de leilão enfrentariam dificuldades logísticas e comerciais para operar em um dos maiores mercados do mundo, prejudicando tanto o envio de obras para leilões internacionais quanto a atração de compradores estrangeiros.

Artistas brasileiros podem buscar alternativas como produzir obras diretamente fora do Brasil, especialmente em ateliês nos EUA, para evitar custos de importação. “Esse deslocamento enfraqueceria o circuito produtivo brasileiro e criaria assimetria, em que apenas artistas com maior capital conseguiriam manter projeção internacional”, explica Chemalle.

Para o economista, a aplicação de tarifas representa risco direto ao Projeto Latitude, parceria entre a ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea) e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), voltado à internacionalização do mercado de arte brasileiro. “Todo o esforço para inserir artistas e galerias brasileiras no circuito global pode ser comprometido no momento em que o país começava a consolidar presença mais estratégica”, afirma.