Embaixador André Corrêa do Lago detalha os desafios geopolíticos, financeiros e a ausência dos EUA que moldam a conferência na Amazônia
Brasília – A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém, de 10 a 21 de novembro de 2025, sob a presidência do embaixador André Corrêa do Lago, corre o risco de repetir um erro essencial verificado na última edição da reunião climática (COP29), no Azerbaijão e reuniões anteriores: a “armadilha” que pode dominar o debate em torno sobre o financiamento dos países ricos para bancar políticas de transição energética à demais Nações.
Segundo Corrêa do Lago, a COP30 emerge sob um cenário internacional complexo, marcado por guerras, eleições com ascensão de forças políticas menos alinhadas à agenda climática e a preocupante ausência dos Estados Unidos nas discussões preparatórias, impondo desafios significativos à ambição por soluções concretas para o aquecimento global e o financiamento climático. A cidade de Belém, no coração da Amazônia, prepara-se para receber líderes e delegados de todo o mundo em um evento que busca transcender as negociações abstratas e impulsionar a implementação efetiva das metas climáticas.
Cenário
A ambição da COP30 é constantemente testada por um turbilhão de fatores globais. Conforme o embaixador André Corrêa do Lago aponta em entrevistas à imprensa brasileira: “As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas”. Entre as principais pressões, ele destaca um “trio de fatores”: as tarifas impostas por Donald Trump, as guerras militares em curso e o fortalecimento de movimentos de direita nas eleições europeias. Tais elementos, frequentemente interligados, não apenas desviam a atenção da agenda climática, mas também redirecionam recursos e influenciam as prioridades políticas de nações-chave. O aumento dos gastos militares, por exemplo, impacta diretamente a disponibilidade de financiamento para ações climáticas, enquanto o protecionismo comercial pode dificultar a adoção de tecnologias verdes e a colaboração internacional.
A ausência dos Estados Unidos nas negociações pré-COP de Bonn, em junho, é um ponto de grande preocupação, conforme revelado por Corrêa do Lago. Embora alguns países possam interpretar essa ausência como uma oportunidade para que nações menores ocupem esse espaço, o presidente da COP30 discorda, afirmando que é uma “vitória discutível”, pois “a ausência de um ator tão importante como os Estados Unidos não pode ser boa para a negociação do clima”.
Os EUA, como um dos maiores emissores históricos e o segundo maior emissor em 2025, são imprescindíveis para a discussão. A situação é duplamente frustrante, dado que o Acordo de Paris foi concebido, em parte, para garantir a participação norte-americana, que havia ficado de fora do Protocolo de Kyoto anteriormente. A expectativa é que, formalmente, os EUA deixem de ser signatários do Acordo de Paris em 2026, conforme anunciado pelo próprio presidente norte-americano Donald Trump, o que levanta questões sobre o nível de engajamento que terão em Belém.
Apesar da postura federal do governo do presidente republicano, é notável que 37 estados americanos, representando cerca de 70% do PIB do país, pretendem seguir o Acordo de Paris, embora sem poder de negociar e aprovar documentos .
O nó do financiamento climático e a economia circular
A questão do financiamento climático para países em desenvolvimento continua sendo um dos maiores entraves. A meta de US$ 100 bilhões anuais, prometida por países ricos, não foi totalmente cumprida, e a aprovação de uma nova meta na COP29, conhecida como NCQG (New Collective Quantified Goal), de US$ 300 bilhões (ou R$ 1,6 trilhão), foi considerada frustrante por muitos, que pleiteavam um valor muito superior.
A ambição atual para a COP30 é alcançar US$ 1,3 trilhão (R$ 7,2 trilhões) em financiamento climático, um roteiro que Brasil e Azerbaijão deverão apresentar em Belém. Embora a discussão formal sobre financiamento tenha sido encerrada em Baku (COP29), o presidente da COP30 enfatiza que o “roadmap” (roteiro) deve ser influente e aplicável, mesmo não sendo negociável ou sujeito a aprovação. Insistir no tema é uma “armadilha”.
Paralelamente, a transição para uma economia circular surge como um pilar fundamental para mitigar as mudanças climáticas. Atualmente, apenas 6,9% dos materiais utilizados globalmente são reciclados, uma queda em relação aos 9,1% registrados em 2015. Esse dado alarmante destaca a urgência de repensar os modelos de produção e consumo. O Brasil, como anfitrião da COP30, tem a oportunidade de liderar essa transição, integrando estratégias circulares em seus planos de redução de emissões e promovendo discussões globais sobre o tema, visando otimizar o uso de recursos e minimizar o desperdício, conforme apontado por análises recentes.
Preparativos e contradições internas
A escolha de Belém como sede confere à COP30 um simbolismo ímpar, colocando a Amazônia no centro das discussões climáticas. Contudo, a realização de um evento dessa magnitude em uma cidade com infraestrutura desafiadora requer investimentos significativos. Para assegurar a participação inclusiva, especialmente de nações em desenvolvimento, o governo brasileiro garantiu mais de 30.000 quartos de hotel e a disponibilização de 3.900 cabines em navios de cruzeiro para acomodar os participantes.
Esforços de infraestrutura e logística
Apesar do protagonismo ambiental que o Brasil busca reafirmar com a COP30, o país enfrenta críticas devido a contradições internas. A realização de leilões para exploração de petróleo e gás, inclusive em áreas próximas à foz do Rio Amazonas, levanta questionamentos sobre a coerência da política energética brasileira com a agenda climática global. Essa dualidade entre a defesa da sustentabilidade e a manutenção de atividades de combustíveis fósseis será, sem dúvida, um ponto de escrutínio durante a conferência.
Entre o negacionismo científico ao econômico e a força dos atores não estatais
O embaixador André Corrêa do Lago oferece uma perspectiva interessante sobre a evolução do ceticismo em relação às mudanças climáticas, afirmando: “Eu brinco que a gente passou do negacionismo científico para um negacionismo econômico, ou seja, [a suposição de] que não vale o investimento para combater a mudança do clima”.
Essa observação, segundo ele, é fundamental para compreender a resistência de alguns setores e nações em avançar com a agenda climática, justificando-se em custos econômicos elevados ou na superficial associação entre energias renováveis e problemas de abastecimento. Tal “negacionismo econômico” é alimentado por narrativas que questionam a viabilidade financeira da transição energética, desafiando a percepção de que a ação climática é um investimento necessário e não um ônus.
Diante da complexidade da governança climática global e da variabilidade no compromisso dos governos nacionais, uma proposta brasileira visa ampliar a base de engajamento na COP30. O Brasil defende a inclusão de atores não estatais, como empresas, cidades e estados, nos compromissos climáticos globais. Essa iniciativa busca fortalecer os esforços de mitigação e adaptação, propondo a criação de uma “Contribuição Nacionalmente Determinada Global” (GDC), que permitiria a participação de entidades comprometidas, incentivando metas mais ambiciosas e uma abordagem mais abrangente na luta contra as mudanças climáticas.
Essa estratégia reconhece que a ação climática eficaz vai além das fronteiras e das negociações entre países, dependendo de um esforço coletivo e multifacetado. A China, por sua vez, sinalizou um compromisso contínuo com a agenda climática ao concordar em aumentar sua contribuição para o orçamento climático da ONU, o que pode impulsionar um novo dinamismo financeiro, publicou o jornal norte-americano Financial Times.
O longo caminho entre negociação e implementação
A COP30 em Belém representa uma oportunidade decisiva para reforçar a governança climática global e implementar ações efetivas, afastando-se do ciclo de apenas negociar novas metas para focar na concretização das já existentes. O embaixador Corrêa do Lago expressa otimismo, apesar das divergências e da complexidade do cenário internacional, destacando avanços em textos que precisam ser aprovados em Belém.
Ele enfatiza a necessidade de conectar as decisões políticas à realidade, acelerando a implementação do Acordo de Paris por meio de soluções estruturais e iniciativas que vão além da ação climática multilateral.
A conferência também salienta a importância de uma transição energética justa, garantindo que a descarbonização seja acompanhada de equidade social e econômica .
Em última análise, a COP30 será um teste para a capacidade global de traduzir a ambição em resultados mensuráveis, especialmente no que tange ao financiamento e à meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. O conceito de “mutirão”, defendido pela presidência brasileira, simboliza o esforço coletivo necessário para enfrentar a crise climática. O sucesso da conferência dependerá da habilidade dos atores globais em superar as divisões geopolíticas e econômicas, convergindo para ações concretas que garantam um futuro sustentável.
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