PARÁ – Por que (parece) ainda não valorizamos o que é nosso?

Apesar de seu vasto território, sua biodiversidade singular, sua rica herança cultural e seu imenso potencial econômico, o Pará ainda sofre com um fenômeno silencioso, porém poderoso: a falta de pertencimento do próprio paraense ao seu território. Essa carência simbólica e social nos afasta da construção de um projeto coletivo de desenvolvimento sustentável e inclusivo.

O que observamos, com frequência, é um comportamento paradoxal. Muitos cidadãos paraenses — especialmente aqueles com melhores condições socioeconômicas — viajam pelo Brasil e pelo mundo, e retornam encantados com o que veem fora: ruas limpas, serviços que funcionam, cidadania ativa, pontos turísticos bem cuidados (muitas vezes até inferiores aos nossos, em beleza e riqueza cultural).

Contudo, ao voltarem para casa, essas mesmas pessoas se tornam duras críticas de seu próprio estado. Comparações depreciativas se tornam comuns, como se o Pará estivesse condenado a ser inferior.

É o que o sociólogo Jessé Souza identificaria como complexo de vira-latas estruturado por uma lógica histórica de autodepreciação. Não se trata de simples insatisfação: é uma falta de confiança coletiva na própria capacidade de transformação social. E mais grave: essas críticas geralmente não vêm acompanhadas de ações. Quando de volta ao Pará, não há movimento para mudar o entorno.

Falta o exercício da cidadania ativa, do cuidado com o espaço público, da cobrança política contínua, da participação efetiva na construção do bem comum.

Segundo a psicologia social, o sentimento de pertencimento é um dos pilares para a construção de uma identidade coletiva forte, capaz de mobilizar ações transformadoras. Quando um povo se reconhece como parte do território — e não como mero espectador dele —, torna-se mais capaz de colaborar, exigir melhorias e construir alternativas para os desafios locais.

Não estamos falando de um problema de pessoas individualmente ruins. Estamos falando de um problema cultural coletivo, que envolve a ausência de espaços de integração e articulação entre os diversos setores da sociedade. O Pará carece de mais projetos comunitários, mais redes de colaboração, mais associativismo. Ainda que existam muitos e cumprem um papel fundamental no combate ao individualismo negativo.

Os que tentam agir sentem-se como vozes no deserto. São profissionais, empreendedores, professores, líderes comunitários que têm boas ideias, mas se sentem sozinhos — justamente pela falta de mecanismos que promovam o encontro entre essas pessoas. O que predomina são grupos fragmentados por afinidades religiosas, ideológicas, empresariais ou de gênero — muitas vezes voltados para seus próprios interesses, e não para um projeto comum de cidade ou estado.

Como romper esse ciclo?

Uma das alternativas possíveis seria a criação de um Conselho de Entidades para Pensar o Pará, reunindo organizações da sociedade civil, setor produtivo, universidades, coletivos culturais e o poder público. O objetivo: criar uma visão integrada de desenvolvimento, superando disputas pessoais e políticas para construir uma agenda de longo prazo.

Essa proposta não é simples. Exige maturidade institucional, vontade política, superação de vaidades e cicatrização de feridas históricas entre lideranças. Exige também abrir mão de ganhos de curto prazo em nome de um projeto maior, coletivo e transformador.

O Pará é um gigante adormecido — e não apenas em seu potencial natural e econômico, mas sobretudo em sua capacidade cidadã adormecida. Precisamos despertar o orgulho de ser paraense não como um slogan vazio, mas como uma prática cotidiana, que começa pela valorização do que temos, pela transformação da realidade à nossa volta e pela reconstrução da nossa autoestima coletiva.

O futuro do Pará não será construído de fora para dentro. Ele começa quando acreditarmos no que somos e no que podemos ser, JUNTOS.

Para o último artigo, a ser apresentado daqui a 15 dias, apresentarei os resultados de uma enquete que a Análise Inteligência está fazendo com paraenses que moram no Pará e fora, em outros estados e países. Quem puder colaborar em disseminar a enquete para os seus grupos de contatos, pode me chamar pelo 47 99603 5332 ou [email protected]

*Marcio Macedo, paraense de Itaituba, Comunicador Social (UFPA), Pesquisador, Mestrado em Comunicação Empresarial (PUC/PR); Linguagens (UTP/PR); Estratégias e Pesquisas Político-Eleitorais (ABEP e IBPAD); Doutorado e Pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável (NAEA/UFPA). Analista de Dados na Análise Inteligência. 47 99603 5332  –www.analiseinteligencia.com.br  –  [email protected]  –  @analiseinteligencia

PS – As fotos abaixo que acompanham este penúltimo artigo da série são do jornalista e fotógrafo paraense Oswaldo Forte, a quem agradeço a generosidade de cedê-las, para ilustrar este artigo e como somos diversos e potentes. Seja na vida ribeirinha com a tecnologia integrada à natureza, seja na “selva” de concreto que somos induzidos a viver e atender ao mainstream global ocidental.

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