Belém da COP-30 ignora população que mora na rua, diz MPF

Cerca de 3 mil pessoas vivem hoje – se é que se pode chamar a isso de viver – pelas ruas, calçadas e praças da capital paraense, segundo estimativas do governo federal

A cidade de Belém, que em pouco mais de três meses será palco da COP30 — a maior conferência mundial sobre mudanças climáticas —, enfrenta uma realidade alarmante: o total despreparo para acolher sua própria população em situação de rua. Segundo constatação do Ministério Público Federal (MPF), após vistorias realizadas no último dia 18, a capital paraense oferece apenas 40 vagas em abrigos públicos voltados a essa população vulnerável. E dessas, apenas duas estavam disponíveis no momento da inspeção.

A ação foi coordenada pelo MPF em parceria com o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e as Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado (DPE-PA), que inspecionaram as duas Casas Abrigo para Pessoas Adultas e Famílias em Situação de Rua (Camar). Os problemas identificados vão muito além da escassez de vagas. As unidades visitadas apresentaram estruturas precárias, falta de acessibilidade (com acesso somente por escadas), escassez de profissionais capacitados, carência de serviços básicos e necessidade urgente de manutenção, reforma e ampliação.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado, afirmou com veemência que a situação está “muito aquém do dever constitucional e legal do Poder Público de garantir os direitos dessa população”. Ele também alertou para o risco iminente de medidas higienistas — como remoções forçadas de pessoas em situação de rua —, que historicamente acompanham eventos internacionais de grande visibilidade.

“Este é um ano muito emblemático. É fundamental que os serviços públicos voltados para a população em situação de rua estejam bem estruturados. Não podemos aceitar que, em nome da aparência ou da ‘ordem urbana’, essas pessoas sejam sumariamente removidas de seus espaços”, frisou Machado.

Diante do cenário, o MPF já sinalizou que, caso o poder público não apresente e implemente soluções concretas e imediatas, ações judiciais serão ajuizadas. A ideia é garantir, via Justiça, a ampliação das vagas, melhorias na infraestrutura dos abrigos e qualificação dos profissionais que atuam no acolhimento social.

O retrato exposto pelas inspeções do MPF revela uma contradição grave e constrangedora: enquanto Belém se prepara para receber ao menos 50 mil pessoas de fora — entre elas chefes de Estado, diplomatas, ambientalistas e jornalistas do mundo inteiro —, segue negligenciando uma das faces mais dolorosas da desigualdade urbana: a população em situação de rua.

A realização da COP30 deveria ser um catalisador para mudanças estruturais, com investimentos reais e duradouros em políticas públicas. No entanto, corre-se o risco de que, ao invés de acolher, o poder público opte por esconder essas pessoas sob a lógica da “limpeza visual” das cidades — algo já visto em outras edições de grandes eventos, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo.

Se Belém quiser, de fato, mostrar ao mundo que é uma cidade comprometida com os direitos humanos, a justiça social e a sustentabilidade — pilares essenciais do discurso ambiental —, precisa começar pelos seus mais pobres, pelos invisíveis, pelos que vivem nas ruas.

A COP30 não pode ser apenas uma vitrine verde para turistas e autoridades. Ela tem que ser, também, o ponto de partida para uma cidade mais justa e acolhedora para todos.

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