Decisão do ministro é amplamente criticada pela falta de objetividade
Brasília – Em um desdobramento aguardado com grande atenção pelas classes política e jurídica do Brasil, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), optou por não decretar a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, apesar de reconhecer o descumprimento de medidas cautelares. A decisão, proferida nesta quinta-feira (24), vem acompanhada de uma advertência severa e de um endurecimento das regras sobre o uso de redes sociais, sinalizando um novo capítulo na intrincada relação entre o Judiciário e o ex-mandatário. Para juristas a decisão indica, mas não explica os limites de fala do ex-presidente.
A deliberação de Moraes respondeu a uma solicitação de esclarecimento feita à defesa de Bolsonaro, que impetrou embargos de declaração no processo, após o ministro identificar uma violação da proibição de uso de redes sociais. O ponto central para a não conversão em prisão foi o caráter de “irregularidade isolada”, conforme expressou o ministro na decisão desta quinta-feira.
“Por se tratar de irregularidade isolada, sem notícias de outros descumprimentos até o momento… deixo de converter as medidas cautelares em prisão preventiva, advertindo ao réu, entretanto, que, se houver novo descumprimento, a conversão será imediata”, advertiu o ministro.
A transgressão específica identificada por Moraes envolveu a utilização das redes sociais de Eduardo Nantes Bolsonaro, filho do ex-presidente e também investigado, para disseminar conteúdo favorável a Jair Bolsonaro. Em trecho do despacho, Moraes esclarece que: “Efetivamente, não há dúvidas de que houve descumprimento da medida cautelar imposta, uma vez que, as redes sociais do investigado EDUARDO NANTES BOLSONARO foram utilizadas à favor de JAIR MESSIAS BOLSONARO dentro do ilícito modus operandi já descrito”.
As medidas cautelares em questão, impostas originalmente em 18 de julho, são amplas e incluem o uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, proibição de uso de redes sociais (direta ou indiretamente) e de contato com autoridades estrangeiras. Tais restrições estão inseridas no âmbito de um inquérito que investiga a atuação de Eduardo Bolsonaro na tentativa de pressionar autoridades dos Estados Unidos contra o STF, em um contexto que mira a obstrução da ação penal relacionada à tentativa de golpe de Estado em 2022.
Um aspecto central da decisão é a elucidação das restrições sobre entrevistas. Moraes reforçou que Bolsonaro não está proibido de conceder entrevistas à imprensa. No entanto, o conteúdo dessas declarações não pode ser replicado em plataformas digitais por terceiros coordenados ou “milícias digitais”, sob pena de ser considerado uma “burla” à proibição. O ministro foi categórico ao afirmar, com um erro de grafia que chamou a atenção no documento original, que “a JUSTIÇA É CEGA MAIS NÃO É TOLA!!!!!”. Isso sublinha a intenção de coibir a instrumentalização de discursos públicos como “material pré-fabricado” para desinformação, prática que, segundo o documento, já teria ocorrido em tentativas de “ampliar a desinformação nas redes sociais”.
Decide, mas não explica
A decisão de Moraes possui múltiplas camadas de implicações, reverberando nos âmbitos legal, social e potencialmente econômico.
No campo das implicações legais, a postura do STF demonstra um equilíbrio entre a necessidade de garantir a instrução criminal e a aplicação da lei penal, sem recorrer à medida mais drástica da prisão preventiva diante de um primeiro descumprimento considerado isolado. Especialistas em direito constitucional observam que a decisão de Moraes reforça a autoridade judicial em combater a desinformação e a coordenação de ações que busquem burlar as decisões judiciais, ao mesmo tempo em que oferece uma última chance antes de uma medida mais severa. A explicitação detalhada sobre a proibição de replicar conteúdo de entrevistas em redes sociais é vista como um avanço na tipificação do ‘modus operandi’ das ‘milícias digitais’. A citação ao Art. 312, §1º, do Código de Processo Penal, que prevê a prisão preventiva em caso de descumprimento de medidas cautelares, serve como um aviso inequívoco sobre a consequência imediata de futuras infrações.
Quando a análise da decisão se debruça sobre as implicações sociais da decisão do ministro, fica claro que a contínua tensão entre o STF e figuras políticas de alto perfil mantém a polarização social acesa. Enquanto apoiadores de Bolsonaro podem interpretar a não prisão como uma vitória da defesa, a advertência e o endurecimento das regras sobre as redes sociais são vistos por críticos como passos necessários para a proteção do sistema democrático e o combate à desinformação sistêmica. A distinção entre conceder entrevistas e usar as redes sociais para replicá-las gera um debate importante sobre liberdade de expressão versus responsabilidade em ambientes digitais, especialmente quando há alegações de “milícias digitais” envolvidas.
Quando o prisma são as implicações econômicas, embora a decisão de Alexandre de Moraes não detalhe impactos econômicos, o contexto de uma investigação que envolve “chefe de Estado estrangeiro a interferir no processo judicial” e a alegação de Bolsonaro de condicionar o fim das sanções à anistia penal (subentendida na sentença) sugere potenciais riscos. Em cenários análogos, a instabilidade política e as tensões diplomáticas podem afastar investimentos estrangeiros, desvalorizar a moeda nacional e gerar incerteza nos mercados. Economistas e analistas de risco, em geral, apontam que a manutenção de um ambiente de conflito entre poderes e a percepção de instabilidade jurídica no Brasil podem afetar a confiança de investidores e parceiros comerciais, mesmo que indiretamente.
A defesa de Jair Bolsonaro, como parte envolvida, argumentou que o ex-presidente “não pode ser punido por atos de terceiros” e que a reprodução de entrevistas é um “desdobramento incontrolável das dinâmicas contemporâneas de comunicação digital”. Essa alegação busca eximir o ex-presidente da responsabilidade pela disseminação de conteúdo por meio de terceiros.
Um jurista especializado em direito digital (em condição de anonimato devido à sensibilidade do tema) comentou: “A decisão de Moraes é um marco na tentativa de regulamentar o que se entende por ‘uso indireto’ das redes sociais. Não basta a pessoa não postar diretamente; se há uma coordenação para que seu conteúdo seja amplificado por terceiros para burlar uma decisão judicial, isso se torna passível de penalização. É um desafio para o direito acompanhar a velocidade da comunicação digital.”
Um cientista político, em análise geral sobre o cenário, poderia afirmar que “a recorrência dessas decisões judiciais e a forte reação política que elas geram são indicativos de uma polarização que transcende as disputas eleitorais, afetando a governabilidade e a percepção do Brasil no cenário internacional, especialmente quando há alegações de interferência externa na justiça brasileira, como o caso sugere, em razão do apoio de manifestações estrangeiras contra o STF.”
A situação de um ex-chefe de Estado enfrentando medidas cautelares e restrições de comunicação é um fenômeno que ecoa em diversas democracias pelo mundo, embora cada caso tenha suas particularidades. Globalmente, é comum que figuras públicas, incluindo ex-líderes, sejam submetidas a vigilância judicial em casos de suspeita de crimes graves, especialmente aqueles que ameaçam a ordem democrática. O desafio reside em equilibrar a necessidade de garantir a justiça com a preservação da liberdade de expressão e os direitos políticos. O que diferencia o caso brasileiro, é a particularidade do “modus operandi” de desinformação digital e a menção a tentativas de “instigar chefe de Estado estrangeiro a interferir no processo judicial”, elevando a discussão a um patamar de segurança nacional e soberania que nem sempre está presente em outras jurisdições.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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