O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta 5ª feira (24.jul.2025) que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “em momento algum foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos ou privados”. Apesar dessa afirmação em seu despacho, especialistas avaliam que a proibição de uso ou aparição em redes sociais, inclusive de terceiros, impede, na prática, o ex-presidente de falar à imprensa sem o risco de ser preso.
A manifestação de Moraes está em decisão que analisou a possibilidade de prisão preventiva de Bolsonaro. O ministro reconheceu que o ex-presidente descumpriu medidas cautelares impostas pela Corte, mas classificou o episódio como uma “irregularidade isolada”. Por isso, optou por não decretar a prisão. Leia a íntegra da decisão (PDF – 204 kB).
A decisão de Moraes veio depois de a defesa de Bolsonaro se manifestar ao STF, na 3ª feira (22.jul), sobre o que o ministro entendeu ser o descumprimento das restrições determinadas ao ex-presidente. Os advogados também solicitaram esclarecimentos sobre se Bolsonaro estava impedido de conceder entrevistas.
Antes, na 2ª feira (21.jul), Moraes havia reforçado que a proibição de uso de redes sociais se estendia também à divulgação de trechos de entrevistas nas plataformas digitais por terceiros. Ou seja, qualquer conteúdo —em vídeo, áudio ou texto— divulgado por terceiros nas redes sociais poderá ser considerado violação da medida cautelar –embora sejaimpossível controlar o que qualquer pessoa possa vir a publicar. O ex-presidente, nesse caso, poderá ser responsabilizado e preso. Eis a íntegra da decisão (PDF – 115 kB).
Nesta 5ª feira (24.jul), embora não tenha vetado expressamente que Bolsonaro fale com a imprensa, ao esclarecer a medida à defesa de Bolsonaro, Moraes afirmou que não serão admitidos “subterfúgios” para burlar a decisão da 1ª Turma do STF, como o uso de discursos públicos ou entrevistas como “material pré-fabricado” para divulgação nas redes sociais. Citou ainda que a replicação desse conteúdo por “milícias digitais” ou apoiadores políticos poderá ser tratada como agravante.
O ministro não explica o que poderiam ser, do ponto de vista jurídico, o que seriam “milícias digitais”, o que torna a decisão ainda mais difícil de ser interpretada.
O ministro diz que as condutas que levaram à proibição são relacionadas à ter instigado “o chefe de Estado estrangeiro a tomar medidas para interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à soberania nacional”. É uma referência à carta do presidente do Estados Unidos, Donald Trump (republicano), enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 9 de julho de 2025 (íntegra, em inglês – PDF – 192 kB).
Moraes, no entanto, não especifica quais teriam sido as condutas ilícitas, apenas reafirma o “modus operandi” já descrito em decisões anteriores e cita um episódio específico como evidência de possível descumprimento: a veiculação, por meio das redes sociais do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), de um discurso do ex-presidente feito na 2ª feira (21.jul), na Câmara.
Por causa da ambiguidade da decisão de Moraes, o ex-presidente Jair Bolsonaro optou por não falar mais com a imprensa. “Não posso fazer nada”, declarou na 4ª feira (21.jul) ao deixar a sede do PL. “Infelizmente não posso conversar com vocês, okay?”, repetiu.
Na teoria, Bolsonaro pode falar com jornalistas ou participar de eventos, mas não pode utilizar essas ocasiões como estratégia para manter sua presença digital por meio de terceiros. Caso a Justiça entenda que há uma tentativa coordenada de transformar suas falas em conteúdo para redes sociais com “fins criminosos”, as medidas cautelares poderão ser convertidas em prisão preventiva.
CENSURA INDIRETA
Para especialistas, a decisão é confusa, configura um tipo de censura indireta e abre margem para insegurança jurídica.
Ao Poder360, o ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello avalia que a medida produz um cenário de incerteza jurídica e é um risco para a liberdade de expressão.
“Disseram que a decisão do ministro Moraes é ambígua, o que o fez tomar outra. Nas redes sociais, a velocidade da transmissão é incontrolável. Isso gera insegurança. As pessoas ficam sem saber como agir e o que é de fato permitido. É uma babel”, declarou Marco Aurélio.
O ex-ministro, conhecido por sua defesa histórica das liberdades e prerrogativas constitucionais, reforçou sua posição contrária a qualquer forma de censura. “Eu sempre defendi a liberdade de expressão. Não me passa pela cabeça a censura. É preciso assegurar a liberdade. Se alguém se incomodar, que se manifeste. A censura não se coaduna com a Constituição Federal. Não se pode cercear a liberdade.”
Marco Aurélio também comparou a situação de Bolsonaro com a de Lula, que foi preso em 2018 após condenações em 2ª e 3ª Instâncias. “Eu, por exemplo, não concebo um presidente com tornozeleira eletrônica. O Lula, quando cumpriu pena, foi preso depois do devido processo legal, depois de condenado. O que não é o caso de Bolsonaro”, disse.
O advogado constitucionalista e articulista do Poder360 André Marsiglia declara que o despacho não proíbe expressamente Bolsonaro de falar com a imprensa, mas inviabiliza esse tipo de exposição. Para ele, o risco de responsabilização por publicações feitas por terceiros gera um “efeito inibidor” sobre a liberdade de expressão.
“A decisão deixa claro que Bolsonaro não está formalmente impedido de conceder entrevistas ou de ser entrevistado. No entanto, na prática, ele está”, disse. Completou assim seu argumento: “O ministro entendeu que o discurso público do ex-presidente, ao ser reproduzido por terceiros, teria alimentado uma milícia digital e contribuído para atentados contra a soberania nacional”.
Segundo o advogado, o risco de prisão pelo desdobramento de uma fala pública desestimula o exercício do direito fundamental à manifestação e impõe um tipo de censura indireta. “Isso não está necessariamente sob o controle de Bolsonaro. Essa lógica acaba por inibi-lo de se expressar. No direito, chamamos isso de ‘chilling effect’, ou efeito inibidor — quando não há uma proibição direta, mas sim um desestímulo ao exercício da liberdade de expressão”, explicou.
“Em vez de impedir o Bolsonaro de conceder entrevistas, diz-se que as consequências da entrevista — caso seja usada em seu favor ou por milícias, ou seja lá quem for, para atentar de alguma forma contra a soberania — poderão resultar em sua prisão. Temendo algo que está fora de seu controle, ele passará, portanto, a recear proferir discursos ou conceder entrevistas”, declarou Marsiglia.
Já o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, avaliou que a decisão de Moraes, embora ainda cause dúvidas, traz esclarecimentos relevantes sobre os limites impostos a Bolsonaro.
“O que o ministro pretende evitar, e isso merece reconhecimento, é que Bolsonaro utilize as redes sociais para atiçar as hordas bolsonaristas ávidas por uma saída que não seja democrática para uma crise que eles próprios criaram”, afirmou.
Marco Aurélio, do Prerrogativas, também elogiou o fato de Moraes não ter decretado a prisão preventiva do ex-presidente, apesar do descumprimento pontual da medida cautelar.
“Pode parecer estranho ouvir isso de um advogado progressista, reconhecidamente lulista, mas a coerência é um valor do qual nenhum de nós pode abrir mão”, disse. Para o advogado, embora seja verdade que a replicação de conteúdo nas redes possa sair do controle de Bolsonaro, ele ainda deve ser responsabilizado pelas falas que decide tornar públicas. “Ele tem que ter mais responsabilidade sobre o que fala”, concluiu.
ENTENDA O CASO
A veiculação do discurso de Bolsonaro na Câmara dos Deputados na 2ª feira (21.jul), transmitido por seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) e aliados nas redes sociais, foi citada como exemplo de descumprimento. Segundo Moraes, o conteúdo teve como objetivo “induzir e instigar chefe de Estado estrangeiro a interferir ilicitamente” em investigações conduzidas no Brasil. Esse tipo de conduta, segundo o ministro, motivou a imposição das medidas cautelares.
Na ocasião, Bolsonaro exibiu a tornozeleira eletrônica a jornalistas pela 1ª vez e classificou a medida como “humilhação”.
Assista (46s):
Moraes também rejeitou o argumento da defesa de que a circulação das falas nas redes seria um desdobramento natural e incontrolável da comunicação digital. Para o ministro, há um uso doloso das plataformas por apoiadores previamente organizados com o objetivo de manter a prática de condutas ilícitas.
Medidas impostas
Desde 6ª feira (18.jul), quando foi alvo de uma operação da PF (Polícia Federal), Bolsonaro está sujeito a uma série de restrições. São elas:
As medidas foram validadas pela 1ª Turma do STF por 4 votos (Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin) a 1. O ministro Luiz Fux foi o último a votar e divergiu dos colegas sobre o uso da tornozeleira eletrônica e de algumas restrições.
Segundo Fux, a Polícia Federal e a PGR “não apresentaram provas novas e concretas nos autos de qualquer tentativa de fuga empreendida ou planejada pelo ex-presidente”.