Post enganoso usa estudo não revisado para atacar vacina contra gripe

Saúde
Plataforma na qual estudo está hospedado alerta que ele não deve servir de base para decisões clínicas

A vacina contra a gripe não “aumenta o risco de adoecer”, diferentemente do que sugere um post que viralizou na rede social X. A publicação se baseia em um artigo intitulado “Eficácia da vacina contra a influenza durante a temporada de vírus respiratórios de 2024-2025”, de autoria dos pesquisadores Nabin K. Shrestha, Patrick C. Burke, Amy S. Nowacki e Steven M. Gordon.

De acordo com o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, “a vacina contra a gripe previne milhões de doenças e consultas médicas relacionadas à gripe todos os anos”. O órgão aponta que foi demonstrado em vários estudos que a vacinação contra a gripe reduz a gravidade da doença em pessoas que são vacinadas, mesmo que elas fiquem doentes.

O estudo divulgado pelo post investigado está disponível no medRxiv, um repositório para arquivamento e distribuição de manuscritos que ainda foram não publicados (pré-prints), na área de saúde. Pré-prints são relatos preliminares de estudos que ainda não foram referenciados por outros pesquisadores, procedimento fundamental para avaliar os resultados.

Por este motivo, afirma o site, os estudos presentes ali “não devem ser utilizados como base para práticas clínicas ou comportamentos relacionados à saúde, nem devem ser divulgados pela mídia como informações definitivas.

A pedido do Comprova, Mayra Moura, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), fez vários apontamentos que colocam em perspectiva os resultados do estudo. Além disso, segundo ela, a vacina contra a gripe é considerada segura e eficaz, tanto pelas autoridades médicas brasileiras quanto pelas internacionais.

No Brasil, o Ministério da Saúde mantém a campanha de vacinação pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) e afirma que “a vacina é a melhor forma de se proteger das formas graves da doença, especialmente para quem mais precisa”.

De acordo com Mayra, ao contrário do que afirma o estudo, não é possível que a vacina aumente o risco de adoecer. “Não há como o imunizante aumentar o risco de contrair a gripe. Ou o organismo gera uma resposta imunológica, ou, por algum motivo, essa resposta não acontece. Não existe nenhum dado ou evidência que comprove isso”, explica.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O conteúdo investigado foi publicado por um perfil que possui 105,7 mil seguidores. A página compartilha regularmente postagens sobre saúde, com foco em temas como vacinação, dietas, medicamentos e doenças.

Em relação às vacinas, o perfil adota uma postura crítica, frequentemente publicando conteúdos com viés negativo sobre o tema. Até a data de publicação desta verificação, o post registrava mil curtidas, 459 republicações e 26,1 mil visualizações.

O Comprova entrou em contato com o responsável pelo perfil para questionar suas motivações, mas não obteve retorno até o momento.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação utiliza diferentes táticas de persuasão visíveis diretamente na imagem. A principal é o uso de uma manchete alarmista, que afirma categoricamente: “Vacina da Gripe Aumenta o Risco de Adoecer, Revela Estudo”.

Essa frase, apresentada em tom definitivo, busca gerar medo e desconfiança sem apresentar evidências ou contextualização, o que reforça o apelo emocional.

Outro elemento é o uso do termo “estudo explosivo” no link destacado da matéria, uma expressão sensacionalista que intensifica a suposta gravidade da informação e busca atrair cliques por meio do impacto.

Além disso, a imagem mostra uma pessoa recebendo uma injeção no braço, o que pode provocar desconforto em quem tem receio do ato vacinal em si. Todos esses elementos atuam de forma integrada para influenciar emocionalmente o leitor e gerar engajamento.

O que compromete a credibilidade do estudo

A publicação e o estudo afirmam que “a vacina contra a gripe aumenta o risco de adoecer”. No entanto, essa conclusão se baseia em uma série de fragilidades metodológicas que comprometem a credibilidade dos resultados apresentados.

Um dos elementos comprometedores é o fato de ele ter sido conduzido exclusivamente com funcionários da Cleveland Clinic, em Ohio. Embora envolva 53.402 participantes, trata-se de uma população altamente específica, o que limita a representatividade dos resultados.

De acordo com Mayra, diretora da SBIm, “uma amostra é sempre mais representativa quando há diversidade populacional. Por isso, mesmo que um estudo tenha um tamanho amostral elevado, ele não pode ser automaticamente considerado como representativo a nível global”.

Na conclusão, o estudo afirma que os resultados sugerem “que a vacina não foi eficaz na prevenção da gripe nesta temporada”. No entanto, a diretora da SBIm destaca um segundo ponto importante: o principal objetivo da vacina não é impedir completamente a infecção, mas sim reduzir a gravidade dos casos, prevenindo hospitalizações e mortes.

“Afirmar que a vacina não é efetiva apenas porque pessoas vacinadas contraíram a doença não é adequado. O principal objetivo da vacina contra a influenza é reduzir a gravidade dos casos e, não necessariamente, impedir totalmente a infecção”, argumenta.

Outro ponto levantado por Mayra diz respeito ao intervalo em que os participantes do estudo foram vacinados. Embora o artigo delimite o período entre outubro de 2024 e março de 2025, o estudo não esclarece exatamente quando cada paciente recebeu a dose.

Segundo ela, essa falta de precisão compromete a análise, especialmente porque a vacina contra a influenza tende a oferecer sua melhor proteção nos primeiros seis meses após a aplicação. “O acompanhamento de outubro a março pode pegar um momento em que a pessoa já está com a proteção diminuída, tornando-se mais vulnerável”, explica.

Fontes que consultamos: Entrevista com Mayra Moura, doutora em Saúde Coletiva e diretora da SBIm, matérias do Ministério da Saúde e FAQ do site medRxiv.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu outro estudo, realizado nos Estados Unidos, que também alegava que o imunizante aumentaria o risco da doença e já mostrou como a desinformação sobre vacinas distorce dados e compromete a confiança pública.

Notas da comunidade: A publicação não recebeu notas da comunidade até o momento em que esta verificação foi publicada.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.

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