Sete pragas destroem o rico Centro Histórico de Belém

Durante cinco anos os alunos da Faculdade de Engenharia Civil-FEC da UFPA fotografaram semestralmente quase 2.000 imóveis registrados na Fumbel como pertencentes ao patrimônio arquitetônico histórico de Belém.

O objetivo do trabalho daqueles alunos era o de monitorar visualmente as transformações por que passam o Centro Histórico de Belém e as áreas de seu entorno.

Ao realizá-lo, eles, muitas vezes, ficaram desnorteados com o desaparecimento de casas e prédios que constavam nos registros da Fumbel.

Além disto, quando comparavam os aspectos de imóveis de algumas quadras por onde circulavam com as fotos feitas nos semestres anteriores, os alunos quase não as reconheciam.

A maioria dos imóveis do Centro Histórico está permanentemente submetida à ação devastadora de sete “pragas”, como mostraram aquelas milhares de fotografias:

1ª) O abandono completo dos prédios por proprietários que apenas aguardam os desabamentos deles para poder vender seus terrenos.

2ª) A falta da manutenção destes prédios com consequentes:

a) infiltrações em suas paredes.

b) desenvolvimento da biodeteriorização em seus telhados, onde surgem plantas e árvores

c) manchas em suas pinturas.

3ª) A descaracterização de suas fachadas, com alargamento de vãos:

a) nas lojas, para exposição de mercadorias,

b) nas residências, para instalações de garagens.

4ª) As pichações criminosas;

5ª) A poluição visual que esconde as belas fachadas antigas através do acúmulo de faixas, outdoors e fiações elétricas.

Esta “praga” é agravada pelas medonhas caixas de medição de energia montadas nos postes pela antiga Celpa, em contrariedade completa às recomendações técnicas de aterramento dos fios de energia nas áreas históricas das cidades a fim de que elas possam recuperar seu aspecto original.

6ª) A falta de controle do tráfego de veículos pesados causador de vibrações e fissuras nas paredes seculares de alguns imóveis.

7) As instalações elétricas precárias, dentro e fora dos imóveis, uma ameaça permanente de incêndio. 

Nos últimos anos, imóveis do Centro Histórico foram destruídos por incêndios, e, dois casarões desabaram: um na Travessa Leão XIII, outro na Ladeira da Memória.

Duas ocorrências que se repetem.

A bela aparência do prédio do antigo Colégio John Kennedy, na Avenida Serzedelo Correa, desapareceu depois que o imóvel recebeu o estilo arquitetônico padrão das unidades de uma rede de ensino particular.

A fachada histórica do Hospital da Ordem Terceira, colada a Capela do Convento da Ordem dos Franciscanos foi destruída para o levantamento de uma fachada supostamente modernosa, numa agressão absurda à ambiência histórica arquitetônica do local.

Este quadro de agressões ao patrimônio arquitetônico de Belém se completa com o abandono por parte dos governos municipal e estadual de algumas das obras de recuperação realizadas com o parco e sofrido dinheiro público reservado para este fim. 

Por exemplo, o Mercado de São Braz recuperado em gestão anterior do governo municipal está cruelmente fechado pelo prefeito atual, embora desde janeiro deste ano centenas de artesões aguardem o momento de poder retomar naquele local, as atividades com as quais sustentam suas famílias. 

Assim, se perdem obras de revitalização de gestores que não ocupam mais seus antigos cargos. O Solar da Beira do Ver-o-Peso já foi inteiramente recuperado, para em seguida ser abandonado, até apresentar avançado grau de degradação.

Um demorado e dispendioso trabalho de reforma da própria feira do Ver-o-Peso encetado por um ex-prefeito, pouco tempo depois, voltou a ser prejudicado pela comercialização de peixe sobre caixotes diante do Mercado de Ferro, na Avenida Portugal, com absoluta falta de higiene.

A rua João Alfredo cujos prédios tiveram suas fachadas recuperadas, depois de um difícil esforço de convencimento dos lojistas, foi desordenadamente ocupada por camelôs.

Nenhuma obra, porém, mostra de modo mais gritante a descontinuidade das gestões públicas que a do Palacete Pinho.

Concluída e, em seguida, abandonada, num desperdício criminoso de recursos públicos.

No entanto, não custa nada lembrar mais uma vez, por dois motivos principais, a população do Pará merece ver o Centro Histórico administrado de forma responsável e consequente.

 Primeiro, porque o Centro Histórico é o espaço onde se concentra o maior número de documentos arquitetônicos que revelam o longo e complexo processo de formação cultural do povo da Amazônia.

Estes documentos têm força suficiente para mostrar a falsidade da imagem da região mostrada sempre como mero santuário ecológico pelos meios de comunicação mundiais.

Se na Amazônia só há natureza, o destino da região deve ser decidido fora dela.

Esta é a conclusão inevitável (e perigosa) da preponderância daquela imagem.

Segundo, porque os imóveis do Centro Histórico podem ajudar a desenvolver um dos setores mais promissores da economia regional – o do turismo cultural – com a geração de empregos de que tanto necessitam os paraenses. 

As preocupações com o destino do Centro Histórico, no entanto, têm como pano de fundo, uma questão dramática.

E que pode ser formulada de modo simples numa única pergunta: a elite dirigente do Para, formada por políticos, empresários e comerciantes, dá mostras de se sentir comprometida com a preservação da identidade cultural amazônica?

Porque, na verdade, a indiferença diante da destruição dos imóveis históricos da cidade parece revelar nesta elite a manifestação daquilo que os franceses chamam de arrivisme.

Isto é a preocupação exclusiva com a possibilidade de enriquecer rapidamente a qualquer custo.

Como se os integrantes desta elite fossem todos forasteiros que chegaram ao Pará em busca do ouro da Serra Pelada. 

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

Seven Plagues Destroy the Rich Historic Center of Belém

For five years, students from the Civil Engineering School (FEC) at the Federal University of Pará (UFPA) photographed nearly 2,000 properties listed by Fumbel as part of Belém’s architectural heritage.

The aim of their work was to visually monitor the transformations affecting Belém’s Historic Center and its surrounding areas.

In doing so, they were often disoriented by the disappearance of houses and buildings that were once listed in Fumbel’s records.

Moreover, when they compared the current appearance of properties in some blocks with photos taken in previous semesters, the students could barely recognize them.

The majority of the buildings in the Historic Center are permanently subjected to the devastating effects of seven “plagues,” as revealed by those thousands of photographs:

1st Plague: Complete abandonment of buildings by owners who simply wait for them to collapse in order to sell the land.

2nd Plague: Lack of maintenance, leading to:
a) water infiltration in walls,
b) biodeterioration on roofs, with the growth of plants and even trees,
c) stains on exterior paint.

3rd Plague: Alteration of façades, with widened openings:
a) in shops, for merchandise display,
b) in homes, for garage installation.

4th Plague: Criminal graffiti.

5th Plague: Visual pollution hiding beautiful old façades under a clutter of banners, billboards, and electric wires.

This plague is made worse by the monstrous electricity meter boxes installed on poles by the former utility company Celpa—flagrantly violating technical recommendations that electric wiring in historic areas be grounded, so cities can reclaim their original appearance.

6th Plague: Lack of control over heavy vehicle traffic, which causes vibrations and cracks in the centuries-old walls of many buildings.

7th Plague: Hazardous electrical installations inside and outside buildings, posing a constant fire risk.

In recent years, several buildings in the Historic Center have been destroyed by fire. Two manor houses have collapsed: one on Travessa Leão XIII and another on Ladeira da Memória—events that are becoming increasingly common.

The beautiful façade of the old John Kennedy School building on Avenida Serzedelo Corrêa vanished after the property was remodeled in the generic architectural style of a private school chain.

The historic façade of the Hospital of the Third Order, attached to the chapel of the Franciscan Convent, was destroyed to make way for a supposedly modern-looking façade—an outrageous affront to the historic and architectural ambiance of the area.

This ongoing assault on Belém’s architectural heritage is compounded by the abandonment, by both municipal and state governments, of several restoration works funded with limited and hard-earned public money.

For instance, the São Brás Market—restored during a previous municipal administration—has been inexplicably closed by the current mayor. Since January of this year, hundreds of artisans have been waiting for the chance to resume their livelihood there.

Thus, restoration efforts by former administrations are being undone. The Solar da Beira at Ver-o-Peso was fully restored, only to be abandoned and fall again into an advanced state of deterioration.

A long and costly renovation of the Ver-o-Peso market itself, initiated by a former mayor, was quickly compromised. Fish began being sold out of wooden crates in front of the Iron Market on Avenida Portugal, in utterly unhygienic conditions.

João Alfredo Street, where building façades were restored after a hard-fought effort to convince store owners, has been chaotically overtaken by street vendors.

No other project, however, more glaringly exposes the discontinuity of public management than the Palacete Pinho.

Completed and then abandoned—a criminal waste of public resources.

Nevertheless, it bears repeating: for two main reasons, the people of Pará deserve to see the Historic Center managed responsibly and effectively.

First, because the Historic Center is home to the greatest concentration of architectural documents that reveal the long and complex process of cultural formation of the Amazonian people.

These documents are powerful enough to challenge the global media’s constant portrayal of the region as merely an ecological sanctuary.

If the Amazon is portrayed as nothing but nature, then its future will be decided outside of it.

This is the inevitable (and dangerous) conclusion that follows from that image’s dominance.

Second, because the buildings of the Historic Center could help develop one of the most promising sectors of the regional economy—cultural tourism—and generate the jobs that the people of Pará desperately need.

But the concern over the fate of the Historic Center hides a more dramatic underlying question.

And it can be posed simply, in one straightforward question:

Does the ruling elite of Pará—its politicians, entrepreneurs, and merchants—show any sign of being truly committed to preserving the cultural identity of the Amazon?

Because in truth, their indifference toward the destruction of the city’s historic buildings seems to reveal in this elite a manifestation of what the French call arrivisme

That is, an exclusive obsession with getting rich quickly at any cost.

As if these elites were all outsiders who arrived in Pará only to dig for the gold of Serra Pelada.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: façade of the centuries-old Hospital of the Third Order, recently destroyed.)

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