*Por Michael J. Socolow
Foi uma rendição amplamente prevista. Durante meses, foram muitos os rumores de que a Paramount acabaria resolvendo o processo aparentemente irrelevante sobre decisões editoriais movido por Donald Trump com uma entrevista da CBS com a candidata democrata Kamala Harris em 2024.
Em 2 de julho de 2025, os rumores se confirmaram: o acordo entre a Paramount e a equipe jurídica do presidente terminou com a dona da CBS pagando US$ 16 milhões à futura Biblioteca Donald Trump. O valor incluía os honorários dos advogados do republicano em troca do encerramento do processo.
Apesar da opinião de muitos estudiosos do Direito da mídia e advogados que consideravam a ação sem importância, Shari Redstone, a maior acionista da Paramount, cedeu a Trump.
Redstone tentava vender a Paramount para a Skydance Media desde julho de 2024, mas a transação foi adiada por questões envolvendo a aprovação do governo.
Quando Trump assumiu o poder em janeiro de 2025, a nova FCC (Comissão Federal de Comunicações) não tinha obrigação legal de facilitar, sem fiscalização, a transferência das licenças de transmissão das emissoras de TV da CBS para a nova propriedade.
A FCC, sob o comando do recém-empossado republicano Brendan Carr, estava plenamente ciente do conflito legal entre Trump e a CBS na época em que a Paramount precisava da aprovação da FCC para as transferências de licenças de suas emissoras de TV. Sem um acordo com o governo, o negócio Paramount-Skydance estava em risco.
Até que não estava mais.
A Paramount fez como a Disney e pediu desculpas implícitas pelo jornalismo produzido por suas divisões de notícias de TV.
No início de 2025, a Disney havia resolvido um outro processo judicial envolvendo Trump com a ABC News em troca de uma doação de US$ 15 milhões para a futura biblioteca do republicano. Esse processo envolveu uma disputa sobre as ações pelas quais Trump foi considerado responsável em um processo civil movido pela jornalista E. Jean Carroll.
Não se sabe ao certo o que os acordos de Trump com a ABC e a CBS prenunciam, mas muitos estimam que eles produzirão um “efeito inibidor” no setor de notícias.
Esse fenômeno surgiria do medo de novos litígios e instalaria uma espécie de autocensura interna que influenciaria os jornalistas a repensar se a busca por reportagens investigativas sobre o governo Trump valeria o risco.
Trump aparentemente obteve sucesso onde presidentes anteriores falharam.
PRESSÃO PRESIDENCIAL
Desde Jimmy Carter, que tentou fazer com que o então âncora da CBS, Walter Cronkite, parasse de encerrar os noticiários noturnos com o número de dias em que reféns americanos estavam presos no Irã, até o governo de Richard Nixon, que ameaçou suspender as licenças de transmissão das emissoras de TV do Washington Post para enfraquecer as reportagens sobre o caso Watergate, presidentes anteriores tentaram aplicar pressão editorial sobre jornalistas de radiodifusão.
Mas nos casos de Carter e Nixon, não funcionou. O foco das emissoras de TV, tanto no Watergate quanto na crise dos reféns no Irã, permaneceu implacável.
Nixon e Carter também não foram os primeiros presidentes a tentar influenciar, e possivelmente controlar, as notícias das emissoras.
O presidente Lyndon Johnson, dono de emissoras locais de TV e rádio em Austin, no Texas, reclamava regularmente com seu velho amigo, o presidente da CBS, Frank Stanton, sobre o que considerava uma cobertura televisiva tendenciosa. Certa vez, Johnson ficou tão furioso com as reportagens da CBS e da NBC sobre o Vietnã que argumentou que seus noticiários pareciam “controlados pelos vietcongues”.
No entanto, nenhum desses presidentes ganhou milhões das corporações que veiculavam notícias éticas em prol do interesse público.
Antes de Trump, esses conflitos se davam principalmente nos bastidores e de maneira informal, permitindo que as emissoras evitassem danos à sua credibilidade caso qualquer rendição às pressões da Casa Branca se tornasse pública.
Na noite do acordo com Trump, o âncora John Dickerson resumiu o novo dilema sucintamente em um “Caderno do Repórter” do CBS Evening News: “É possível responsabilizar o poder quando se paga milhões a ele? O público pode confiar em você quando pensa que se abriu mão dessa confiança?”.
“O público decidirá isso”, continuou Dickerson, concluindo: “Nosso trabalho é comparecer para honrar o que testemunhamos em nome das pessoas para quem testemunhamos”.
RESPONSABILIZANDO O PODER
Há um ditado nos noticiários de TV: “Você só é tão bom quanto seu último programa”.
Em breve, a Skydance Media assumirá o controle das propriedades da Paramount e a nova CBS estará no ar.
Quando as licenças da KCBS, em Los Angeles, da WCBS em Nova York e das outras emissoras de propriedade da CBS forem transferidas, conheceremos o legado de longo prazo da capitulação corporativa. Por enquanto, ainda é muito cedo para julgar os noticiários de amanhã.
Como estudioso e ex-jornalista de radiodifusão, recomendo avaliar programas como o 60 Minutes e o CBS Evening News com base no histórico que eles compilarão nos próximos 3 anos e no histórico que compilaram nos últimos 50 anos. O mesmo vale para o ABC World News Tonight e outros programas da ABC.
Um grande complicador para o acordo Paramount-Skydance foi o fato de o 60 Minutes ter divulgado nos últimos 6 meses furos de reportagem importantes e constrangedores para o governo Trump, o que o tornou alvo de uma investigação adicional. Mas a julgar pelas reportagens no 1º semestre de 2025, o 60 Minutes manteve seu histórico de reportagens críticas e independentes em prol do interesse público.
Se o público quer ver um jornalismo de radiodifusão ético, independente e profissional que responsabilize os poderes públicos, então é responsabilidade do próprio público sintonizar nos canais que fazem isso.
A única maneira de entender as consequências desses acordos é assistindo à programação futura, em vez de descartá-la antecipadamente.
Os jornalistas que trabalham na ABC News e na CBS News compreendem o legado de suas organizações e também estão cientes de como seus proprietários atraíram suspeitas sobre o profissionalismo e a credibilidade das divisões de notícias.
Como Dickerson afirmou, eles planejam “aparecer” independentemente da mancha, e eu apostaria que estão mais motivados a redimir suas reputações do que esperamos.
Não acho que repórteres, editores e produtores planejam deixar Donald Trump se tornar seu editor-chefe nos próximos 3 anos. Mas só saberemos assistindo.
*Michael J. Socolow é professor associado de comunicação e jornalismo na Universidade do Maine.
Texto traduzido por Leo Garfinkel. Leia o original em inglês.
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