Crise Brasil-EUA: Lula reverterá caos iminente com o “dono da Banca”?

O que levou uma relação de 200 anos escalar para o pré-rompimento? O “Linha de Tiro” explica

Brasília – Após 200 anos de relações diplomáticas, as duas maiores Nações, ao Sul e ao Norte, do Continente americano, estão no limiar de um inédito rompimento de relações. Brasil e Estados Unidos da América escalam, desde o dia 9 de julho, o azedamento das relações após o anúncio de um tarifaço de 50% dos produtos brasileiros exportados para os EUA, anunciado pelo presidente Republicano Donald Trump. E como chegamos a essa situação? Foi o que o programa “Linha de Tiro”, do Portal Ver-o-Fato, tentou responder ao escalar quatro experientes jornalistas para examinar o assunto. Veja como foi o debate aqui.

A liberdade de expressão, a censura, a dinâmica da democracia e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) pautaram o debate no programa, reunindo Emmanuel Vilaça (Belém), Val-André Mutran (Brasília), Jorge Reis (Santa Catarina), e o anfitrião Carlos Mendes, editor-chefe do Portal. A discussão revelou um panorama de profundas preocupações sobre o estado das instituições brasileiras e o futuro político do país, com os participantes diagnosticando uma crise multifacetada que abrange desde o Judiciário até a imprensa e o Legislativo.Os jornalistas traçaram uma Linha do Tempo, do conjunto de fatores que deflagraram a crise. Ao examinar os fatos, foi apresentado uma conclusão imediata: o Brasil, por mais que seja um jogador com certo cacife, não tem qualquer chance de vencer o jogo com regras impostas pelo “dono da Banca [Trump]”. Há uma esperança: sentar e negociar.

Um dos pontos centrais do debate foi a natureza da censura judicial no Brasil, com os debatedores convergindo para a ideia de que ela deixou de ser uma hipótese retórica para se tornar uma realidade palpável. Emmanuel Vilaça categoricamente afirmou que a censura “não é retórico, porque a coisa se materializou”. Ele fundamentou sua afirmação mencionando um parecer do Ministro do Supremo Tribunal Federal (
STF) Luiz Fux que, segundo ele, confrontou uma decisão do também ministro Alexandre de Moraes, relativa ao monitoramento eletrônico do ex-presidente Bolsonaro. Vilaça sugeriu que Moraes estaria agindo com “raiva do Bolsonaro [ex-presidente]“ e descreveu a atuação do STF como uma “exacerbação” que gera confusão na população, minando a democracia ao ponto em que a própria Constituição parece perder seu valor. A decisão que, supostamente, permitiria a Bolsonaro falar, mas proibiria a mídia de reproduzir suas falas, foi classificada como uma contradição flagrante, alimentando uma “incerteza muito grande” no cenário político.

Jorge Reis corroborou a percepção de que a atuação do STF está “errada” e problemática, especialmente no que tange à liberdade de expressão de políticos. Ele salientou a importância de figuras como Fux e o ex-ministro Marco Aurélio de Mello (aposentado) que, segundo Reis, “colocaram as coisas no seu lugar” ao manifestarem publicamente suas discordâncias. Reis afirmou que é “mais do que provado que [Alexandre de Moraes] quer tirar o Bolsonaro do jogo político, das eleições, mas agora sem pudores nenhum,” e desqualificou a recente notícia sobre a confissão de um general (Mário Fernandes) acerca de um plano contra autoridades, rotulando-a como “tudo armado” e “contra informação” em que “ninguém acredita mais nisso.” Para Reis, a estabilidade e a “paz” no Brasil dependem “única e exclusivamente do STF.”

Val-André Mutran foi ainda mais contundente ao caracterizar Alexandre de Moraes como uma “figura autoritária, antes de tudo,” que “está exacerbando a natureza humana dele.” Mutran argumentou que Moraes extrapola suas prerrogativas judiciais, incorrendo em “barbaridades jurídicas” ao acumular as funções de acusador, investigador e julgador. Ele criticou a “conivência vergonhosa” dos demais membros do Supremo, destacando Fux como o único “juiz de formação” a “contestar todas essas decisões que realmente rasgam o que está escrito na Constituição.”Em resposta a esse cenário de ativismo judicial, Mutran informou que o Partido Liberal (PL) planeja apresentar uma série de projetos para “limitar poderes do Supremo” assim que o Congresso retornar do recesso parlamentar.

A omissão do Congresso Nacional e os bastidores dos jogos de poder
A discussão não se restringiu ao Judiciário, expandindo-se para a atuação do Congresso Nacional. Mutran apontou que o papel do Legislativo é crucial para o equilíbrio dos Três Poderes, mas que sua eficácia tem sido comprometida tanto pelos “superpoderes” concedidos ao STF quanto pelo poder individual excessivo dos presidentes da Câmara e do Senado. Ele criticou a prerrogativa desses presidentes de “pautar as matérias que vão ao Plenário,” o que, em sua visão, “distorce a representatividade de 513 deputados.”

O anfitrião Carlos Mendes lançou uma pergunta incisiva sobre o motivo pelo qual os presidentes Hugo Motta (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado) estariam “engavetando” “dezenas de pedidos de impeachment” contra ministros do STF. Ele levantou a hipótese de que a inação poderia ser motivada por medo ou por terem “o rabo preso.” Mutran, por sua vez, sugeriu que a situação política de Davi Alcolumbre no Amapá, para sua reeleição em 2026, é “periclitante,” já que “as Forças Políticas do Amapá não querem mais Davi Alcolumbre representando o Estado aqui em Brasília.” Ele também mencionou uma recente operação da Polícia Federal envolvendo Junqueira, um aliado de Alcolumbre, especulando que tal investigação poderia ser “munição guardada e para ser detonada a qualquer momento” caso o senador tomasse medidas para limitar o poder do STF. Jorge Reis reforçou a necessidade de os líderes do Congresso agirem de forma mais incisiva e de limitar o “muito poder para uma pessoa só” que tem o potencial de “travar todo o processo político.”

O desafio da justiça eleitoral e a integridade do processo democrático
A paralisia do Congresso, conforme o debate, não se restringe apenas às pautas do STF, mas também à reforma do Código Eleitoral. O anfitrião expressou preocupação com a “indecisão inadmissível” do Legislativo em relação a essa reforma, especialmente com a proximidade das eleições de 2026. Ele criticou a aparente desatenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diante do “ambiente de eleições” já em curso, e relembrou os “absurdos” ocorridos na gestão de Alexandre de Moraes durante as eleições de 2022, que incluíram “censura,” “desmonetização” de quem compartilhava informações e até “prisões” e fuga de alguns jornalistas e deputados.

A pauta da extinção da justiça eleitoral, presente em “poucos países” no mundo, foi levantada, assim como a ausência de um debate sobre a necessidade de um “voto auditável,” considerado por um dos participantes como um “perigo absurdo, grande, enorme” para a repetição de problemas passados. O caso do senador Beto Faro (PT-PA), cassado pela justiça eleitoral do Pará, mas com recurso não julgado no TSE devido à “pauta congestionada,” foi citado como um exemplo da morosidade e da natureza “política” do tribunal, cujos membros são parte do STF e indicados por conveniência política. O anfitrião concluiu que a “democracia representativa… já faliu” no Brasil, e que os “representantes do povo já não representam mais praticamente nada.” A indicação de Nunes Marques como futuro presidente do TSE para as próximas eleições foi mencionada com a ressalva de que “daí se espera tudo, inclusive nada.”

A imprensa sob pressão: entre a autocensura e a militância ideológica
A atuação da imprensa e a liberdade de expressão dos jornalistas foram temas de profunda análise. O anfitrião Carlos Mendes questionou se os jornalistas estariam praticando “autocensura” por medo de serem presos por “delito de opinião,” algo que, segundo ele, sequer existe no ordenamento jurídico brasileiro. Emmanuel Vilaça lançou uma perspectiva crítica, argumentando que muitos jornalistas, especialmente aqueles “doutrinados” por uma “corrente de esquerda que vem da faculdade,” estão agindo mais como “militantes” do que como profissionais que buscam a neutralidade. Ele fez uma associação controversa ao citar a frase de Joseph Goebbels sobre a mentira contada mil vezes e insinuar que o próprio presidente Lula a utiliza em seus discursos. Vilaça lamentou a falta de leitura de “outros livros” por parte desses jornalistas e a doutrinação que impede uma visão mais ampla, citando a reação de colegas ao se autodenominar “legalista.”

O anfitrião Carlos Mendes traçou uma distinção crucial entre a neutralidade (reportar fatos) e a imparcialidade (ter um lado), defendendo que o jornalista deve primar pela primeira. Ele compartilhou uma rica experiência pessoal no jornal “Estado do Pará” na década de 70, onde, apesar da presença de jornalistas de diferentes espectros ideológicos (inclusive com comunistas e socialistas na direção), as reportagens eram produzidas com foco nos fatos e “com mínimo de neutralidade.” Ele contrastou essa prática com a realidade atual, onde muitos profissionais, inclusive “velhos jornalistas,” agem como “militantes” e “produzem narrativas” em vez de reportar fatos, lamentando a “destruição” dos “manuais de redação.” Jorge Reis observou uma mudança na postura da imprensa após as sanções dos EUA a “integrantes do tribunal,” sugerindo que os ministros do STF estariam agora “com as barbas de molho,” evidenciando um medo até então ausente. Ele criticou o ministro Barroso por sua “cara de pau” ao se recusar a comentar as restrições americanas, alegando que o assunto seria para políticos, insinuando que o motivo poderia ser pessoal, como ter uma filha estudando nos EUA.

O Brasil em cenário distópico: “1984” e “Bartleby – O Escivão”
A conversa avançou para o terreno das metáforas literárias na tentativa de descrever a complexidade da situação brasileira. O anfitrião Carlos Mendes traçou um paralelo entre a realidade nacional e o clássico “1984” de George Orwell, descrevendo um cenário “distópico” onde a liberdade é ameaçada e o cidadão comum, ao expressar opiniões online, corre o risco de punição por “fake news” ou “desinformação.” Ele chamou essa situação de “jurisprudência do absurdo” que “nem existe no ordenamento jurídico brasileiro.”

Emmanuel Vilaça, por sua vez, sugeriu que “1984 já ficou no molho,” ou seja, a realidade brasileira pode ser ainda mais preocupante do que a ficção. Ele criticou ministros do STF por “inventarem leis e interpretações,” utilizando referências arcaicas romanas e gregas em seus julgamentos e, ainda mais surpreendente, “escrevendo português errado” em documentos oficiais.

A discussão também utilizou a figura de “Bartleby, o Escrivão” de Herman Melville, com o anfitrião sugerindo que o governo Lula estaria se comportando como o personagem que repetia “prefiro não fazer” a qualquer pedido ou cobrança, ilustrando uma gestão que “não governa.” Essa metáfora foi aplicada para descrever a inação do governo e a atitude do presidente Lula em negociações internacionais, exemplificada pela frase: “A negociação só começa quando eu decidir que vai começar.”

Cenários futuros e os desafios da resistência
O debate culminou em reflexões sobre o futuro do Brasil e as formas de resistência possíveis. Val-André Mutran expressou profunda preocupação com a “insegurança geopolítica, geoeconômica do mundo” após o advento de um possível segundo governo de Donald Trump nos EUA. Ele alertou que as tarifas de 50% impostas pelos EUA, com vigência prevista para 1º de agosto, poderiam “colocar o Brasil no colo da China,” um movimento que, segundo ele, estaria alinhado à “ideologia claramente comunista” de Lula, a quem ele chamou de “metamorfose ambulante.”

Diante desse panorama, o anfitrião Carlos Mendes lançou a pergunta crucial: “Como resistir ao autoritarismo institucional? Sem cair no extremismo?” Mutran defendeu uma “resistência legalista.” Jorge Reis, no entanto, ponderou a dificuldade dessa abordagem, lembrando a experiência da Índia com Mahatma Gandhi e a “desobediência civil,” mas ressaltando que “uma movimentação dessa sem conflito, sem custo de vidas… acho que é impossível.” Ele expressou preocupação com “indícios de desagregação social” e mencionou a recente “movimentação de caminhoneiros,” que já conseguiram parar o país anteriormente.

O debate concluiu com a expectativa de uma “grande mobilização nacional” em 3 de agosto, liderada por partidos de oposição, em contraste com o “fracasso” de manifestações pró-governo. A questão se o governo Lula “perdeu a rédea do controle do poder” e se ele seria um governante “sem governo e num país desgovernado” ficou em aberto, com a observação de que até mesmo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estaria cobrando o presidente. Emmanuel Vilaça finalizou com preocupações econômicas diretas das sanções americanas, como o aumento de preços de destilados e a ameaça aos insumos farmacêuticos importados, devido à atitude intransigente de Lula, que “acha que ele tem a mesma estatura política e econômica dos Estados Unidos.”

A complexidade dos temas abordados — da censura velada à inação legislativa, passando pela transformação da imprensa e as tensões geopolíticas — delineia um quadro de instabilidade e incerteza para a democracia brasileira, com os participantes expressando a urgência de uma reavaliação dos rumos do país.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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