Se você pretende opinar com base apenas no título, é melhor parar por aqui. Este tema não aceita leitura preguiçosa nem julgamento superficial. O que está em jogo não é apenas uma disputa sobre minérios, mas sobre o destino do país diante de pressões externas, omissões internas e escolhas históricas. Leia até o fim. Só então decida se o Brasil deve continuar como um quintal mineral exportador ou assumir, com coragem e responsabilidade, o controle soberano sobre suas riquezas e seus territórios.
A urgência desse debate ficou evidente quando o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou um tarifaço contra o Brasil, elevando impostos sobre a importação produtos brasileiros, com alegações diplomáticas frágeis. Mas a retórica oficial esconde o verdadeiro objetivo: para além do que já disse em outra coluna deste portal, criar condições de pressão para que o Brasil entregue, sem resistência, o acesso a seus minerais estratégicos. Terras raras, nesse contexto, tornaram-se peça de barganha. A chantagem econômica está disfarçada de negociação, e o recado é claro: aliviar tarifas em troca de abrir o subsolo para o saque de novos minérios. O Brasil, pressionado por fora e desorganizado por dentro, corre o risco de ceder o que tem de mais valioso em nome de acordos desequilibrados.
É nesse cenário de dependência tecnológica e submissão comercial que a dimensão geopolítica das terras raras ganha relevo. O Brasil é um dos principais jogadores neste jogo por ter em seu subsolo quase 20% desses minerais. Mas só agora, diante da reconfiguração das cadeias globais de suprimentos, esse chão começa a ser visto como ativo estratégico. O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), na edição de 2025 de seu relatório anual (AQUI), registrou o que é de interesse planetário, mas que raramente aqui aparece como centro do debate público: o Brasil é o segundo país do mundo em reservas conhecidas de terras raras, com 21 mil toneladas. Fica atrás apenas da China, com 44 mil toneladas, a potência que hoje domina a cadeia global de transformação desses elementos.
As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos utilizados em aplicações tecnológicas avançadas. Elas são essenciais na produção de ímãs permanentes, que por sua vez estão presentes em turbinas eólicas, motores de carros elétricos, discos rígidos e fones de ouvido. Também são empregadas em sistemas de guiagem de mísseis, radares e sensores de alta precisão, o que as torna fundamentais para a indústria de defesa. Além disso, servem como componentes em telas de celulares, baterias de alta capacidade, catalisadores automotivos e materiais médicos especializados. Seu uso é muitas vezes invisível no cotidiano, mas sem esses elementos grande parte das tecnologias modernas simplesmente não funcionaria. É por isso que as terras raras são consideradas insumos críticos para o presente e o futuro das economias industriais.
Mas a existência dessas riquezas não deve, por si só, justificar sua extração. Nenhuma jazida, por mais estratégica que seja, deve ser explorada sem que isso esteja inserido em uma política nacional de inserção soberana na fronteira tecnológica global, capacitação técnica e autonomia industrial. E mais que isso, nenhum projeto mineral pode prosperar se não respeitar o bioma sobre o qual repousa a jazida. Muitos desses depósitos estão sob florestas, rios e aquíferos que sustentam comunidades inteiras. Povos indígenas, ribeirinhos e camponeses vivem nesses territórios e se alimentam do que a terra oferece na superfície. A soberania sobre os minerais deve incluir a soberania alimentar, cultural e ambiental dos que habitam esses espaços.
No entanto, enquanto o país assiste à valorização geopolítica desses elementos no cenário internacional, permanece sem uma diretriz clara sobre o que fazer com essa riqueza. O problema não está simplesmente na baixa produção (em 2024, o Brasil extraiu apenas 140 toneladas de terras raras, frente a 45 mil nos Estados Unidos, 213 mil na Austrália e 270 mil na China, segundo dados do USGS), mas na ausência de uma estratégia nacional para orientar se, onde, como e por que extrair esses minerais. A questão não é produzir mais a qualquer custo, mas decidir, com base em critérios públicos, técnicos e sociais, quando a extração se justifica, quais tecnologias serão utilizadas e como essa atividade se insere em um projeto de desenvolvimento soberano, justo e ambientalmente responsável.
A tabela abaixo mostra os dados consolidados mais recentes:
Produção e Reservas Mundiais de Terras Raras – USGS 2025 (em mil toneladas)
País | Produção em 2024 (t) | Reservas estimadas (mil t) |
China | 270.000 | 44.000 |
Brasil | 140 | 21.000 |
Vietnã | 12.300 | 3.500 |
Rússia | 2.000 | 10.000 |
Índia | 2.900 | 6.900 |
Estados Unidos | 45.000 | 1.900 |
Austrália | 213.000 | 1.100 |
Canadá | — | 830 |
Groenlândia | — | 1.500 |
África do Sul | — | 860 |
Tailândia | 12.300 | 4.500 |
Outros países | 1.100 | 3.800 |
Total mundial | 390.000 | >90.000 |
No Brasil, os principais depósitos de terras raras estão distribuídos em diferentes biomas e regiões:
Depósitos de Terras Raras no Brasil
Depósito / Projeto | Estado | Tipo de Depósito | Status Atual |
Serra Verde | Goiás | Laterítico | Produção comercial |
Araxá | Minas Gerais | Carbonatito | Coprodução com nióbio |
Catalão | Goiás | Carbonatito | Coprodução com nióbio |
Pitinga | Amazonas | Placer / Granítico | Subproduto da cassiterita |
Morro do Ferro | Minas Gerais | Laterítico (U-Th-REE) | Em avaliação geológica |
Poços de Caldas | MG / SP | Complexo alcalino | Pesquisa |
Rio Tinto (BA) | Bahia | Laterítico | Pesquisa inicial |
Carajás | Pará | Granitoides / Pegmatitos | Prospecção |
Vale do Jequitinhonha | Minas Gerais | Pegmatítico | Produção de lítio com REE associado |
Roraima e Amapá | Roraima / Amapá | Laterítico / Aluvionar | Prospecção informal |
Essa diversidade mineral é acompanhada por uma diversidade de biomas e formas de vida que habitam os mesmos territórios. Muitos desses depósitos estão localizados sob florestas tropicais, cerrados, comunidades indígenas e áreas de agricultura familiar, como é o caso de Pitinga no Amazonas, Carajás no Pará, ou os pegmatitos do Vale do Jequitinhonha, que abrigam tanto o lítio quanto terras raras associadas.
Por isso, é fundamental que a soberania mineral não seja exercida em contradição com a soberania ambiental e socioterritorial. Respeitar os modos de vida de povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais significa reconhecer que a riqueza de um território não está apenas sob a terra, mas também sobre ela, no caso, nos rios, nas florestas, na biodiversidade e nas culturas que ali existem há gerações.
Uma política mineral soberana deve, portanto, ir além da simples exploração. Ela deve ser estratégica, democrática e ambientalmente responsável. Significa definir onde, quando e como explorar, mas também onde não se deve explorar. Significa adotar tecnologias que não degradem, processos de consulta livre e informada, e mecanismos institucionais que permitam à sociedade decidir coletivamente o destino de suas riquezas. Ou seja, implica controle social sobre a mineração.
A decisão de Donald Trump de aplicar tarifas amplas contra produtos brasileiros, embora apresentada como gesto diplomático, deve ser entendida também como instrumento de pressão geoeconômica. Os Estados Unidos buscam hoje alternativas à sua dependência da China para minerais estratégicos. O Brasil, nesse contexto, não é apenas um parceiro potencial. É um território decisivo.
Esse é o desafio: transformar o subsolo em futuro, sem cometer os erros do passado, no caso, desfigurar o presente de quem vive e cultiva a superfície. Isso não é um obstáculo ao desenvolvimento. É sua única chance de durar. O tarifaço de Trump revela como os EUA vê a América Latina, como um espaço a ser saqueado. Ele mostra, também, que o mundo entrou em uma nova fase da disputa por matérias-primas essenciais. E o Brasil, sentado sobre um dos maiores patrimônios minerais do planeta, precisa escolher entre continuar como fornecedor barato ou se tornar protagonista de um futuro tecnológico e energético que já começou.
Esse chão que guarda terras raras também guarda escolhas. O tempo de adiar acabou. O que está em jogo não é apenas minério. É o lugar do Brasil no século XXI.
“Por um país soberano e sério. Contra o saque de nossos minérios”!
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
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