A cadeia do dendê no Vale do Acará escancara sua face mais cruel e expõe um novo escândalo que detona reputações
A Brasil Bio Fuels (BBF), até pouco tempo apresentada como uma das maiores produtoras de óleo de palma (dendê) do Brasil, vive seu momento mais sombrio. Enfrentando uma grave crise financeira e institucional, a empresa afunda em dívidas que já ultrapassariam os R$ 2 bilhões, enquanto milhares de trabalhadores exonerados buscam na Justiça o que lhes é de direito.
A companhia, que durante anos mantém operações de grande porte no Pará, centralizando seus negócios no Vale do Acará, dispara petardos contra empresas do setor na região, acusando-as de conluio para prejudicá-la. No final da semana passada, a demissão de 500 trabalhadores no Acará acendeu o alerta sobre a real situação da BBF.
Segundo denúncias enviadas ao Ver-o-Fato, desde o início de 2024 até julho deste mês, cerca de 6 mil trabalhadores de diversas áreas da empresa foram demitidos, a maioria sem receber qualquer verba rescisória. Estima-se que a dívida trabalhista já ultrapasse R$ 150 milhões, valor denunciado como um verdadeiro golpe financeiro pelos trabalhadores.
Muitos deles relatam que assinaram acordos formais com a empresa que jamais foram cumpridos, aprofundando a sensação de abandono e injustiça. Sem acesso a recursos ou alternativas de emprego na região, essas famílias vivem agora em situação de vulnerabilidade social extrema em municípios como Acará, Concórdia do Pará, Moju e Tomé-Açu — principais bases operacionais da BBF.
Desde fevereiro deste ano, o presidente da companhia, Milton Steagall, permanece em silêncio. Ele não atende solicitações de esclarecimentos da imprensa, do Ministério do Trabalho no Pará e de outras entidades públicas. Esse comportamento tem aumentado as especulações e aprofundado a crise de imagem da BBF.
Steagall, que figura como sócio de destaque no comando da empresa, é personagem controverso. Seu nome aparece envolvido em mais de 160 processos nas esferas trabalhista, fiscal e criminal, segundo dados do site Jusbrasil. Ele também já esteve ligado à falência de outras empresas em 2017, e seu histórico é visto como sintomático da instabilidade que hoje corrói o grupo empresarial.
Além do presidente, a atual diretoria da empresa — composta quase integralmente por homens — também carrega um histórico de acusações graves, como conflitos fundiários com comunidades indígenas e tradicionais, envolvimento em ações de recuperação judicial, desvios de produção e supostas fraudes contra fornecedores.
Carta explosiva à Abrapalma
Diante da avalanche de denúncias, a empresa decidiu recorrer a um caminho inusitado: acusou publicamente antigos parceiros comerciais e empresas da região do Vale do Acará de estarem envolvidas em uma suposta rede de furto e receptação de frutos de dendê, prática que, segundo a BBF, estaria desestabilizando o setor.
O Ver-o-Fato teve acesso a uma carta enviada pela BBF à Abrapalma (Associação Brasileira de Produtores de Palma), assinada por seu diretor administrativo Eduardo Coelho. No documento, o diretor rompe o silêncio da empresa e denuncia um grave esquema de invasão de terras, furto sistemático de frutos de dendê e receptação por empresas do próprio setor.
Coelho traça um cenário alarmante envolvendo empresas privadas, crime organizado e o que chama de “canibalização do setor”. Segundo a BBF, o epicentro do problema é a atuação da empresa LR Agro e da Agronorte, ambas controladas por Luciano Rodrigues. Após o rompimento contratual com o Grupo BBF em 11 de julho deste ano, Rodrigues, diz a carta, teria continuado operando ilegalmente em áreas privadas da empresa, desviando toneladas de frutos de dendê.
Pior: essas cargas estariam sendo comercializadas para outras empresas do setor, como Dendê Tauá (EcoTauá), Vila Nova Agronegócios e Denpasa (Dendê do Pará S/A), todas elas associadas à Abrapalma.
A BBF afirma ter enviado notificações formais às companhias citadas, alertando sobre a ilegalidade da conduta e os riscos jurídicos e reputacionais envolvidos. De acordo com o relato, essas empresas teriam inclusive antecipado valores a Rodrigues, financiando – direta ou indiretamente – o que a BBF define como um comércio “absurdo, desleal e indevido”.
O Ver-o-Fato abre espaço à manifestação da empresa LR Agro, à Agronorte e ao empresário Luciano Rodrigues para que eles se manifestem sobre as acusações da BBF.
A denúncia vai além: o documento aponta que, por conta desse esquema clandestino, criminosos armados ligados a facções passaram a ocupar as áreas invadidas, espalhando o terror nos municípios de Tomé-Açu, Acará e Concórdia do Pará. “As áreas invadidas estão repletas de pessoas que se dizem faccionadas, aterrorizando as referidas cidades”, afirma a carta.
Anexada ao comunicado, a empresa incluiu cópias de boletins de ocorrência e cartas enviadas às supostas empresas receptadoras. A BBF alega que os eventos não só configuram crimes contra o patrimônio como ameaçam toda a cadeia produtiva da palma no Pará, colocando em risco a integridade do setor e a imagem da própria Abrapalma.
Cobrança de posição
Diante da gravidade da situação, o Grupo BBF solicita à associação: um posicionamento público da Abrapalma repudiando os fatos relatados e reforçando o compromisso com a legalidade; medidas preventivas e educativas junto aos associados, a fim de coibir a compra de frutos de origem duvidosa; atuação direta junto a órgãos públicos em defesa da propriedade privada e da segurança no setor.
A empresa finaliza o documento enfatizando que “a continuidade das operações ilegais de Luciano Rodrigues e suas empresas representa uma afronta à ética empresarial e uma grave ameaça à estabilidade da produção de palma na região”.
A carta lança luz sobre uma crise sem precedentes no setor de palma, que movimenta bilhões e é estratégico para a economia do Norte do país. As denúncias escancaram um conflito que envolve interesses privados, violência, ilegalidade e possíveis omissões que podem comprometer a confiança no setor como um todo.
O Ver-o-Fato enviou ontem mensagem de whatsaap e ligou para o presidente da Abrapalma, Vitor Almeida, pedindo manifestação da entidade sobre o conteúdo da carta da BBF. Ele ainda não respondeu. O espaço está aberto aos esclarecimentos.
Má gestão e ameaça de falência
As acusações contidas no documento da BBF à Abrapalma colocam um ponto crítico nas relações entre os grandes atores da cadeia de produção do dendê no Pará, expondo rupturas, disputas econômicas e interesses conflitantes. Internamente, a BBF tenta justificar o corte em massa de trabalhadores alegando justamente essas supostas invasões e furtos.
No entanto, de acordo com fontes do setor no Vale do Acará, não há qualquer comprovação oficial de que tais incidentes tenham impactado a produção ou a receita da empresa. Ao contrário, as causas das demissões estariam ligadas à má gestão financeira e ao colapso das relações com antigos fornecedores e cooperativas locais.
A crise da BBF se transformou em tragédia social para milhares de famílias. Nas cidades afetadas, cresce a indignação com a ausência de políticas públicas capazes de oferecer resposta imediata a esse contingente de trabalhadores abandonados. Há relatos de insegurança alimentar, adoecimento emocional, aumento da migração forçada e até risco de recrutamento por facções criminosas, que já exploram áreas de tensão fundiária na região.
A situação acaba por também expor as fragilidades institucionais do setor de palma no Pará, cuja cadeia produtiva movimenta bilhões de reais, mas ainda opera com pouca transparência, baixa fiscalização e recorrentes denúncias de violações trabalhistas e ambientais.
Caminhos nebulosos
Com a BBF em colapso, o futuro de sua estrutura produtiva permanece incerto. Não há informações claras sobre planos de reestruturação, tampouco perspectivas concretas de quitação das dívidas trabalhistas. Enquanto isso, cresce o temor de que os impactos sociais se aprofundem e que outros grupos do setor se aproveitem da derrocada da BBF para expandir suas áreas de influência, possivelmente replicando práticas semelhantes.
Essa crise da BBF exibe o retrato de um modelo predatório de expansão agrícola que ignora direitos básicos, fragiliza comunidades e ameaça a sustentabilidade de um dos setores mais estratégicos da bioenergia no Brasil. A resposta precisa ser ampla — judicial, política e social — antes que a falência de uma empresa se transforme em uma ferida permanente no tecido social da Amazônia paraense.
500 demitidos no Acará: efeito dominó
Para aprofundar as tensões, na manhã de segunda-feira (28), a cidade do Acará foi sacudida pela demissão de mais 500 funcionários da BBF. Segundo os trabalhadores tudo ocorreu sem aviso prévio, gerando um misto de indignação e preocupação entre os afetados pela medida. No comércio da cidade, o efeito dominó dessas demissões já se faz sentir.
“Teve gente que passou mal e foi parar na UPA aqui do Acará. O baque foi grande”, declarou ao Ver-o-Fato um dos demitidos, por telefone. Procurada ontem pelo Ver-o-Fato para esclarecer as denúncias contra ela, as acusações que faz na carta à Abrapalma e as demissões recentes de empregados, a assessoria da empresa não respondeu, nem emitiu qualquer nota. O espaço continua aberto.
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