Sanção contra Alexandre de Moraes repercute no Brasil e na imprensa internacional

As reações a medida reverberam a exacerbada polarização política desde 2022 no Brasil

Brasília – Existe quase uma unanimidade nos meios políticos, jurídicos e empresariais do Brasil, logo após a divulgação nesta quarta-feira (30), de duas bombas disparadas pelo governo do presidente norte-americano Donald Trump, que atingem em cheio o Brasil, é apenas o início de uma escalada que pode atingir seu ápice com o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e os Estados Unidos. No campo interno, a turbulência pode se generalizar em ocupações das ruas e graves consequências na ordem pública. Segundo a CNN Brasil, a Casa Branca prepara sanções que atingem a concessão de passaporte a todos os brasileiros, às vésperas da realização da Copa do Mundo de 2026, que será sediada nos Estados Unidos.

A repercussão da Ordem Executiva que adia por sete dias o início de pesadas tarifas de 50% a produtos brasileiros exportados para os EUA, combinado com a sanção a um ministro da Corte Suprema brasileira, reverberam a exacerbada polarização política, desde as eleições gerais de 2022, quando Alexandre de Moraes — o ministro sancionado por meio da Lei Global Magnitsky —, presidiu as eleições, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para a oposição ao governo, o tribunal assumiu um lado, trabalhou para a derrota de Jair Bolsonaro, numa sucessão de atos que teriam prejudicado o equilíbrio das forças em disputa. Os fatos são considerados o “marco zero” da crise atual.

Em seguida, em 8 janeiro de 2023, num dia infame, o centro do Poder em Brasília foi tomado por atos de desordem e violência de uma turba enlouquecida que depredaram as sedes dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, motivando punições e abertura de inquéritos que apontam o ex-presidente Jair Bolsonaro como mentor de um plano de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado.O movimento de Trump chacoalhou o cenário político e diplomático global, ao impor sanções ao ministro Alexandre de Moraes. A medida, aplicada por meio da Lei Global Magnitsky, visa punir indivíduos estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos e corrupção, e rapidamente se tornou um ponto de ebulição nas relações entre Washington e Brasília.

O anúncio da sanção foi realizado pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro (OFAC), que acusou o ministro Moraes de ser “responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.” De acordo com o OFAC, as ações do ministro do STF “têm como alvo políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro; jornalistas; jornais; plataformas de mídia social dos EUA; e outras empresas americanas e internacionais.”

“Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, são alguns do detalhamento que justificam a aplicação da sanção.

Essas alegações foram reforçadas pelo secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, que afirmou que Moraes “assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras.” As sanções implicam no congelamento de bens sob jurisdição americana, proibição de entrada nos EUA e restrições a transações financeiras com entidades americanas.

A Lei Global Magnitsky, promulgada em 2012 e ampliada em 2016, estabelece um regime de penalidades que também pode incluir a cassação de vistos e a suspensão de contas e serviços digitais providos por empresas sediadas nos EUA.

Repercussão no Brasil
A reação no Brasil foi imediata e majoritariamente de forte repúdio à decisão americana, com a defesa da soberania nacional como ponto central. O ministro Flávio Dino, colega de Moraes no STF, defendeu-o publicamente, afirmando que Moraes “está apenas fazendo o seu trabalho, de modo honesto e dedicado, conforme a Constituição do Brasil.” Dino citou, inclusive, uma passagem bíblica para reforçar sua defesa. “O homem nobre faz planos nobres, e graças aos seus feitos nobres permanece firme.”

A ministra Gleisi Hoffmann (PT), das Relações Institucionais, expressou o “repúdio total” do governo Lula à sanção, classificando-a como um “ato violento e arrogante” e enfatizando que “nenhuma Nação pode se intrometer no Poder Judiciário de outra.”

O posicionamento foi corroborado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que condenou as sanções como uma “interferência inaceitável na soberania nacional”.

Outros aliados do governo também se manifestaram. O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, classificou a medida como “um ato político inaceitável, grave e sem precedentes” que “fere frontalmente a soberania do Brasil e busca intimidar instituições que atuam de forma independente e em estrita observância à Constituição de 1988.”

“A decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar a Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes é um ato político inaceitável, grave e sem precedentes. A medida fere frontalmente a soberania do Brasil e busca intimidar instituições que atuam de forma independente e em estrita observância à Constituição de 1988.”

Deputados como Natália Bonavides (PT-RN) e Carlos Zarattini (PT-SP) criticaram a sanção como “mais uma interferência brutal dos EUA na soberania nacional,” enquanto Erika Hilton (PSOL-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) reforçaram a ideia de que o Brasil não se curvará a pressões externas e não permitirá interferência em sua Justiça.

O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, que foi o “número 2” do Ministério da Justiça sob o comando de Flávio Dino, interpretou a sanção como uma “tentativa de obstruir o processo e coagir o juiz”.

“O Brasil não deitou e não deitará. Porque nossa soberania é inegociável e, aqui no nosso país, golpista é investigado e julgado pelos seus crimes, com todo direito à defesa.”

Pressão europeia e o contexto da tensão crescente
A ação americana não é um evento isolado. No mesmo dia da sanção dos EUA, um grupo de 16 deputados do Parlamento Europeu enviou uma carta à alta representante da União Europeia (UE) para Relações Exteriores e Segurança, Kaja Kallas, solicitando que o bloco adote sanções contra o ministro Moraes e outros juízes da corte. A iniciativa, liderada pelo eurodeputado polonês Dominik Tarczynski, acusa o ministro de “flagrantes violações de direitos humanos e princípios democráticos” e de “assumir unilateralmente os papéis de investigador, promotor e juiz, emitindo ordens secretas para censurar discursos políticos, congelar bens e prender críticos sem o devido processo legal.”

“Desde 2019, o ministro Moraes assumiu unilateralmente os papéis de investigador, promotor e juiz, emitindo ordens secretas para censurar discursos políticos, congelar bens e prender críticos sem o devido processo legal.”

Este cenário de escalada de tensões diplomáticas já vinha se desenhando. Em 18 de julho, os Estados Unidos já haviam revogado os vistos de Moraes e de outros ministros do STF, conforme reportado pelo The New York Times — maior jornal norte-americano.

Além disso, o presidente Donald Trump anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de sexta-feira, 1º de agosto, justificando a medida com argumentos de que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de uma “caça às bruxas” judicial e que decisões de Moraes relativas a big techs teriam violado direitos de cidadãos americanos. A agência Bloomberg e o site Axios destacaram essa conexão, com o Axios afirmando que as sanções representam uma “escalada marcante da disputa cada vez mais tensa entre os EUA e o Brasil sobre Bolsonaro, aliado de Trump, com tarifas significativas previstas para sexta-feira também”, que foram antecipadas e formalizadas nesta quarta-feira.

A imprensa internacional acompanhou de perto os desdobramentos. O jornal The New York Times e a emissora CNBC, que mencionou o processo da plataforma de vídeos Rumble e da Trump Media contra Moraes na Justiça Federal da Flórida, contribuíram para a repercussão global do caso.

Precedentes perigosos e implicações futuras
Especialistas em relações internacionais apontam que a aplicação da Lei Magnitsky contra um ministro da Suprema Corte de um país democrático é um evento sem precedentes, que pode abrir um “perigoso precedente de interferência em assuntos internos de outras nações.” Há, ainda, preocupações sobre possíveis retaliações e o impacto nas relações comerciais e diplomáticas entre os dois países.

Diplomatas brasileiros já haviam alertado aos EUA que tais medidas poderiam causar um “desastre” nas relações bilaterais.

A comunidade internacional observa atentamente os desdobramentos dessa crise diplomática. O caso Alexandre de Moraes, impulsionado por acusações de violações de direitos humanos e disputas políticas envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, não apenas coloca a soberania brasileira à prova, mas também pode redefinir o equilíbrio das relações entre potências e a forma como nações lidam com questões de justiça e democracia em um mundo cada vez mais interconectado. O Brasil, por sua vez, reitera a independência de seus Poderes e a inegociabilidade de sua soberania frente a pressões externas.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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