Embora parte dos produtos brasileiros tenha sido poupada, decisão dos EUA é vista como ofensiva política; governo Lula aciona Itamaraty e analisa impactos setoriais
Sandra Venancio – Foto Joedson Alves/Agencia Brasi
O governo Lula avalia como limitado o impacto imediato do novo pacote tarifário imposto pelos Estados Unidos contra exportações brasileiras. No entanto, a medida é considerada politicamente sensível e pode representar uma escalada nas tensões comerciais entre os dois países. Setores do governo já articulam ações diplomáticas e jurídicas como forma de conter os efeitos da iniciativa, liderada diretamente pela Casa Branca sob comando do presidente Donald Trump.
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O tarifaço anunciado nesta quarta-feira, 30 de julho, pelo governo dos Estados Unidos surpreendeu parcialmente autoridades brasileiras. A decisão, que passa a valer em 6 de agosto, impõe sobretaxas a uma ampla gama de produtos exportados pelo Brasil, mas com importantes exceções. Estimativas preliminares da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) apontam que cerca de 18,4 bilhões de dólares em exportações — o equivalente a 42% do total enviado ao mercado norte-americano — não serão afetadas pelas novas alíquotas.
Apesar disso, o gesto político de Trump é visto com preocupação em Brasília. O Ministério das Relações Exteriores já acionou sua equipe de comércio internacional, em articulação com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, para examinar a legalidade das medidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Técnicos avaliam se o pacote tarifário fere princípios do sistema multilateral e preparam cenários de retaliação proporcional, caso seja confirmado o descumprimento de acordos.
De acordo com fontes com acesso às reuniões no Palácio do Planalto, a interpretação interna é que o tarifaço tem motivações eleitorais. Trump, que buscará novo mandato em 2026, estaria pressionando países emergentes como parte de sua retórica nacionalista, voltada à proteção da indústria norte-americana. Assessores da presidência brasileira avaliam que o Brasil foi escolhido como alvo para sinalizar força ao eleitorado ruralista e industrial dos estados do Meio-Oeste dos EUA.
Internamente, a medida também provocou reações no agronegócio, setor diretamente impactado por barreiras alfandegárias. Entidades do setor pressionam por uma resposta rápida e coordenada. Embora commodities como suco de laranja e carne de frango tenham ficado de fora da lista de taxação, produtos processados, insumos agrícolas e itens com maior valor agregado foram afetados, comprometendo margens de exportadores e ampliando incertezas logísticas.
O Brasil, por sua vez, pode adotar medidas compensatórias, como o reforço da diplomacia comercial com a União Europeia, China e os países do Mercosul, em busca de rotas alternativas para escoar sua produção. A diversificação de mercados já vinha sendo desenhada pelo governo Lula como parte da política externa ativa e altiva retomada em 2023.
Especialistas ouvidos pela reportagem alertam, no entanto, que a resposta brasileira deve equilibrar firmeza com pragmatismo. “A retaliação não pode ser automática, porque o Brasil ainda depende de forma significativa do mercado americano em diversos setores”, avalia Carla Menezes, professora de Relações Internacionais da UFRJ. Segundo ela, um confronto direto pode prejudicar ainda mais o ambiente de confiança entre os países, que já enfrenta abalos desde a chegada de Trump ao poder.
Nos bastidores, há também suspeitas de que o tarifaço possa estar conectado a pressões de grupos internos dos EUA insatisfeitos com a aproximação recente do Brasil com blocos geopolíticos como os BRICS e a OPEP+. Relatórios reservados do Itamaraty analisam o movimento norte-americano como parte de uma tentativa de conter a crescente influência do Sul Global em fóruns econômicos multilaterais.
O governo Lula ainda não anunciou medidas formais de retaliação, mas o monitoramento será intensificado nas próximas semanas. Entre as possibilidades em estudo estão a revisão de compras públicas de insumos norte-americanos, a reativação de cláusulas antidumping e a mobilização de aliados latino-americanos para uma frente comercial conjunta.
Enquanto isso, o Planalto deve manter uma linha diplomática, reforçando o compromisso com o livre comércio e o multilateralismo. A expectativa é que os próximos dias tragam sinalizações mais claras da Casa Branca quanto à possibilidade de diálogo técnico sobre o conteúdo do tarifaço. Até lá, a ordem é manter cautela, mas sem abrir mão da defesa dos interesses estratégicos brasileiros.