Com IA, cientistas conseguem “prever” envelhecimento cerebral

Um único exame de ressonância magnética pode ser capaz de indicar a velocidade do envelhecimento cerebral. É o que aponta um estudo feito por neurocientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, publicado em julho na revista Nature Aging.

A partir da análise de 50.000 exames de imagem, a pesquisa mostra que a espessura do córtex cerebral (a camada mais externa do órgão) e o volume da massa cinzenta estão entre os marcadores mais relevantes para avaliar a saúde do cérebro. Esses padrões estruturais podem ser indicativos de questões como perda de memória e risco de morte a partir de sinais sutis de atrofia cerebral.

A investigação se baseou em dados do estudo Dunedin, que acompanha há mais de 50 anos a vida de 1.000 voluntários na Nova Zelândia. A partir da observação clínica dos traços do envelhecimento cerebral nessas pessoas, os pesquisadores propuseram um modelo para análise de imagens do órgão usando a ferramenta de inteligência artificial batizada de DunedinPacni, que pode estimar o ritmo do relógio biológico de cada um.

Para o neurologista Marco Túlio Pedatella, do Hospital Israelita Albert Einstein Goiânia, a ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores é uma técnica promissora para detectar risco de declínio cognitivo antes dos sintomas iniciais.

“Ao observar dados como redução do volume da substância cinzenta e branca e atrofia hipocampal, o modelo criado pelos pesquisadores consegue estimar o envelhecimento cerebral com mudanças na velocidade de processamento, lentificação motora, queda de memória e coordenação prejudicada”, diz Pedatella. “Isso permite prever declínio funcional mesmo em pessoas ainda assintomáticas e estimar o ritmo individual de envelhecimento biológico”, completa.

O modelo não depende de novas tecnologias além da análise feita por inteligências artificiais dos exames de imagem já disponíveis. A proposta apenas estabelece parâmetros que interpretam a estrutura cerebral captada por ressonâncias convencionais. Segundo os autores, tal análise se mostrou mais precisa para avaliar o envelhecimento biológico do que marcadores baseados em exames de sangue e de desempenho físico.

Aplicações clínicas ainda limitadas

Para o neurologista Eduardo Zimmer, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a automação dessas avaliações deve ser vista com cautela, já que mais pesquisas são necessárias até que possa ser incorporada na prática clínica. “É preciso lembrar que o modelo foi desenvolvido apenas usando cérebros de neozelandeses. Precisamos validar essas métricas com exames feitos no Brasil antes de adotar qualquer padrão de referência”, afirma.

Além disso, ainda é pequena a parcela da população brasileira que tem acesso a exames de ressonância magnética, mesmo na saúde privada. Na visão do neurologista Victor Calil, integrante da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), por ora, o procedimento deve continuar sendo realizado apenas quando houver queixas cognitivas.

“O envelhecimento cerebral é um processo normal. Assim como em todos os órgãos, certo nível de atrofia é esperada com a idade”, afirma Calil. “Claro que é importante em contextos clínicos específicos avaliar se o envelhecimento está dentro do esperado, como na presença de queixas de dificuldades cognitivas, mas de forma geral fazer uma ressonância em pessoas assintomáticas tem pouco valor e pode gerar mais ansiedade do que benefícios”, completa.

Desafios para o SUS

No dia a dia da atenção básica, o rastreio do envelhecimento cerebral depende de exames simples. Testes neuropsicológicos ajudam a avaliar o desempenho motor e o processamento cognitivo, indicando os sintomas de demência antes de ser recomendada a consulta com o neurologista. Essas avaliações podem ser aplicadas até mesmo por agentes comunitários de saúde durante visitas domiciliares a pacientes.

No Brasil, o SUS (Sistema Único de Saúde) ainda não dispõe de protocolo para rastrear o envelhecimento cerebral por exames de imagem. “Para incluir exames mais avançados como a ressonância ou avaliações específicas na saúde pública seria necessário capacitar equipes da atenção primária para reconhecer pacientes com declínio cognitivo importante, estabelecer fluxos de referência para neurologistas e garantir financiamento e estrutura diagnóstica, o que não tem sido feito”, diz Pedatella.

Em qualquer cenário, porém, a melhor forma de preservar as funções cerebrais ainda é manter uma boa saúde. Manter controladas as doenças crônicas cardiovasculares, estimular a aprendizagem contínua, fazer atividade física com frequência, ter uma alimentação equilibrada e uma boa rotina de sono são fatores que reduzem os riscos a longo prazo.


Com informações da Agência Einstein.