Como era Belém, capital do país chamado Gram-Pará

 

Belém era, então, a cidade de arquitetura mais avançada, dentro do reino português nas Américas, naqueles anos de 1780.

Gozava da condição de capital de um gigantesco vice-reino unido de Portugal, independente do Brasil, o Gram-Pará, que abarcava – além do Pará -, o Amazonas, o Maranhão, o Piauí, o Ceará, Roraima e o Amapá.

Àquela altura, graças à determinação do governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o Gram-Pará acumulara recursos antes inexistentes para a administração do Estado.

Furtado era meio irmão de Sebastião José de Carvalho, Marquês de Pombal, poderoso déspota esclarecido, a serviço de Dom José I, no cargo de Secretário de Estado.

E foi colocado naquele cargo, para impedir que o produto de maior valor na região – a mão-de-obra indígena – continuasse monopolizado por quatro ordens religiosas.

Respectivamente, as ordens dos jesuítas, carmelitas, mercedários e franciscanos.

Instaladas em Belém, a partir da fundação da cidade, em 1616.

Estas ordens, com tamanho privilégio, construíram os ainda belos conjuntos monumentais religiosos da cidade.

Por isto, naquele período, a paisagem urbana de Belém já contava com impressionantes conjuntos monumentais arquitetônicos.

Todos erguidos como extensões de três igrejas e uma capela.

As igrejas de Santo Alexandre, do Carmo, dos Mercês.

E, da luxuosa capela da Ordem Terceira, dos franciscanos.

 Expulsas as ordens religiosas do Gram-Parápor Pombal, o Estado conseguiu recursos para fazer uso do imenso talento de um arquiteto estrangeiro, instalado em Belém.

Giuseppe Landi, membro da Academia de Ciências de Bolonha.

Ele chegou à Amazônia, em 1753, junto com um grupo de brilhantes engenheiros militares.

Uns contratados, como ele, na Itália; outros, na Alemanha.

Cuja missão, dada pelo governo pombalino, era demarcar os rios da região que corressem em terras destinadas a Portugal.

Estas demarcações visavam as negociações que Portugal vinham travando com representantes da Espanha, tendo em vista a distribuição da posse das terras na América, pelos dois impérios coloniais.

Quatro dos engenheiros-militares, companheiros de Landi, na Comissão de Demarcações de Limites, merecem destaque.

 São verdadeiros heróis desconhecidos da Amazônia.

Um deles era João André Schwebel, habilíssimo desenhista de mapas, a quem nossa cultura deve as primeiras imagens dos povoados da Amazônia.

E o primeiro levantamento topográfico de Belém, realizado em 1753, no qual aparecem as águas acumuladas do Alagado do Piri.

Outro era Henrique Antônio Galluzzi, futuro construtor da mais imponente obra militar da América Colonial Portuguesa, a Fortaleza de São José de Macapá.

O terceiro, Felipe Sturm, se tornaria o construtor solitário de uma cidade inteira, a antiga Mariuá, atual Barcelos.

Lá, Sturm projetou a nova cidade, e, executou seu projeto. 

Com obras como a derrubada de matas, o aterramento de valas, o desvio de trechos de rio, as edificações de pontes e do cais, a remodelação de um seminário, e, reedificação de uma igreja. 

Por fim, o quarto, Gerardo de Gronsfeld, que conceberia um ousado plano urbanístico para Belém.

Destinava-se a resolver definitivamente o problema das áreas alagadas que até hoje atormenta os moradores da cidade.

E era, como todo plano genial, desconcertantemente simples.

Gronsfeld propôs que Belém, em vez de aterrar seus canais, como terminou acontecendo com o Alagado do Piri, ao contrário, aumentasse a profundeza deles.

Para que,através de seus canais, a população pudesse realizar seu comércio e se deslocar de um ponto a outro em barcos.

Em resumo, Gronsfeld quis transformar Belém numa “Nova Veneza”.

 Quanto a Landi, vinte anos após seu desembarque, ele já havia levantado o mais suntuoso palácio construído no século XVIII,no Gram-Pará e no Brasil, para servir de sede ao governo do Estado.

Ao lado dele, erguera um teatro destinado a espetáculos de Ópera.

Tinha, ainda, transformado um Hospital Militar numa edificação com duas frentes, uma em estilo italiano, outra em estilo português, a atual Casa das Onze Janelas.

Finalizara a construção da Catedral, tão suntuosa a ponto de levar pesquisadores a sustentarem que Belém, e não o Rio de Janeiro, estava sendo preparada para receber a Corte, em caso de invasão de Portugal.

Além disto, Landi espalhara casas, capelas, igrejas, marcando Belém com traços do Neoclassicismo, corrente estética que só chegaria ao Rio de Janeiro sessenta anos depois, através do arquiteto francês Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny.

Infelizmente, o Gram-Pará desapareceu em 1823, quando o Estado aderiu ao Brasil.

No entanto, sua capital ainda pode ser reencontrada, em boa parte, num passeio que tenha o seguinte itinerário.

Início: Largo do Carmo, onde está o conjunto monumental carmelita.

Continuação pela primeira rua de Belém, a Siqueira Mendes, até a Praça da Sé, onde estão a Casa das Onze Janelas, o Forte do Presépio e a Catedral.

Prosseguimento, através da Rua Padre Champagnat, até o Largo do Palácio, onde fica o Palácio dos Governadores, de Landi, atual Museu do Estado do Pará.

E, finalização, no conjunto arquitetônico franciscano, onde está a luxuosa Capela da Ordem Terceira.

Para atingir este ponto da cidade, é necessário passar pela Igreja das Mercês, e, pelo antigo convento mercedário, através das ruas João Alfredo e Santo, ambas antigamente ligadas pela denominação de Rua dos Mercadores.

Do mesmo modo, hoje é possível conhecer a visão da capital do Gram-Pará obtida por quem chegava à cidade pelo Rio Guamá e pela Baía do Guajará.

Esta visão foi registrada numa aquarela pelo desenhista português Joaquim José Codina, membro do Real Gabinete de História Natural do Museu da Ajuda, de Lisboa, depois de 1780.

A aquarela, depois, passou pelo tratamento dado a ela por outras mãos talentosas.

No século seguinte, ela foi recriada pelo naturalista alemão Johann Baptist von Spix, numa extensa pesquisa por sete estados brasileiros, que ele fez, entre os anos de 1817 e 1820.

Na pesquisa, Spix percorreu 10 mil quilômetros, desde o Rio de Janeiro até a fronteira do Amazonas com a Colômbia.

Mais tarde, já recriada por Spix, a tela de Codina, foi também trabalhada pelo mestre das aquarelas da Inglaterra, Edward Duncan, conhecido por suas representações de vistas costeiras.

Duncan, um membro da Royal Watercolour Society , contava com o patrocínio real da Rainha Vitória.

E, viveu entre 1803 e 1882,

Felizmente, graças ao Fórum Landi, há pouco tempo, a preciosa vista de Belém foi reencontrada.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation (tradução)

What was Belém like, the capital of the country called Gram-Pará

Belém was, at that time, the most architecturally advanced city within the Portuguese realm in the Americas during the 1780s.

It enjoyed the status of capital of a vast united vice-kingdom of Portugal, independent from Brazil — Gram-Pará — which encompassed, besides Pará, the territories of Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará, Roraima, and Amapá.

At that point, thanks to the determined governance of Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Gram-Pará had accumulated resources previously nonexistent for state administration.

Furtado was the half-brother of Sebastião José de Carvalho, the Marquis of Pombal, a powerful enlightened despot serving Dom José I as Secretary of State.

He was appointed to that position to prevent the region’s most valuable asset — Indigenous labor — from remaining monopolized by four religious orders:

Namely, the Jesuits, Carmelites, Mercedarians, and Franciscans.

These orders had been based in Belém since the city’s founding in 1616.

With such privileges, they built the still-stunning monumental religious complexes of the city.

As a result, during that period, Belém’s urban landscape already featured impressive monumental architectural ensembles.

All were built as extensions of three churches and one chapel:

The Churches of Santo Alexandre, the Carmo, the Mercês,
And the luxurious chapel of the Third Order of the Franciscans.

Once the religious orders were expelled from Gram-Pará by Pombal, the state gained resources to employ the immense talent of a foreign architect based in Belém.

Giuseppe Landi, a member of the Academy of Sciences of Bologna.

He had arrived in the Amazon in 1753, along with a group of brilliant military engineers.

Some, like him, were hired in Italy; others came from Germany.

Their mission, assigned by the Pombaline government, was to demarcate the rivers in lands destined for Portugal.

These demarcations were aimed at the negotiations Portugal was conducting with Spanish representatives regarding the division of American lands between the two colonial empires.

Four of the military engineers who accompanied Landi on the Boundary Demarcation Commission deserve particular recognition.

They are true unsung heroes of the Amazon.

One of them was João André Schwebel, a highly skilled map draftsman to whom our culture owes the first images of Amazonian settlements.

He also produced the first topographic survey of Belém, in 1753, in which the accumulated waters of the Piri Swamp are depicted.

Another was Henrique Antônio Galluzzi, future builder of the most imposing military work of Portuguese Colonial America — the Fortress of São José de Macapá.

The third, Felipe Sturm, would become the solitary builder of an entire city — the old Mariuá, today known as Barcelos.

There, Sturm designed the new city and executed the project himself:

Clearing forest, filling ditches, diverting river sections, building bridges and a dock, remodeling a seminary, and rebuilding a church.

Finally, the fourth was Gerardo de Gronsfeld, who conceived a bold urban plan for Belém.

It was meant to definitively solve the issue of the flooded areas that still plague the city’s residents.

And like all brilliant plans, it was disarmingly simple.

Gronsfeld proposed that, rather than filling in its canals — as eventually happened with the Piri Swamp — Belém should instead deepen them.

So that, through its canals, the population could conduct commerce and travel from place to place by boat.

In short, Gronsfeld wanted to transform Belém into a “New Venice.”

As for Landi, twenty years after his arrival, he had already built the most sumptuous palace constructed in the 18th century in both Gram-Pará and Brazil, to serve as the seat of the state government.

Next to it, he built a theater for opera performances.

He had also transformed a military hospital into a building with two façades — one in Italian style and the other in Portuguese — now known as the Casa das Onze Janelas (“House of Eleven Windows”).

He completed the construction of the Cathedral, so magnificent that some researchers argue Belém — not Rio de Janeiro — was being prepared to receive the royal court, in case Portugal were invaded.

Moreover, Landi scattered houses, chapels, and churches throughout the city, marking Belém with features of Neoclassicism — an aesthetic movement that would only arrive in Rio de Janeiro sixty years later, through French architect Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny.

Unfortunately, Gram-Pará disappeared in 1823, when the state joined Brazil.

Nevertheless, much of its capital can still be found on a walking tour with the following itinerary:

Start at Largo do Carmo, where the Carmelite monumental complex stands.

Continue along Belém’s first street, Siqueira Mendes, to Praça da Sé, where you’ll find the Casa das Onze Janelas, the Forte do Presépio (Presépio Fortress), and the Cathedral.

Proceed along Rua Padre Champagnat to Largo do Palácio, where Landi’s Governors’ Palace — now the Pará State Museum — is located.

And finish at the Franciscan architectural complex, home to the luxurious Chapel of the Third Order.

To reach this area, one must pass the Church of the Mercês and the old Mercedarian convent, via the João Alfredo and Santo streets, which were once known together as Rua dos Mercadores (“Merchants’ Street”).

It is also possible today to see the view of the capital of Gram-Pará as seen by those arriving via the Guamá River and the Guajará Bay.

This view was captured in a watercolor by Portuguese artist Joaquim José Codina, a member of the Royal Cabinet of Natural History at the Ajuda Museum in Lisbon, sometime after 1780.

The watercolor later received enhancements by other talented hands.

In the following century, it was recreated by the German naturalist Johann Baptist von Spix, during his extensive research journey through seven Brazilian states between 1817 and 1820.

Spix traveled 10,000 kilometers, from Rio de Janeiro to the border between the Amazon and Colombia.

Later, the version recreated by Spix was further refined by the English watercolor master Edward Duncan, known for his coastal views.

Duncan, a member of the Royal Watercolour Society, was sponsored by Queen Victoria.

He lived from 1803 to 1882.

Fortunately, thanks to the Landi Forum, this precious view of Belém was recently rediscovered.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

(Illustration: the capital of Gram-Pará, drawn by Codina)

The post Como era Belém, capital do país chamado Gram-Pará appeared first on Ver-o-Fato.